quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Eu sou um personagem

Talvez tivesse de falar: sou uma pessoa normal. Para certas ocasiões, até sou bastante comum. Igual a todas essas pessoas que passam por você e que nem se destacam na multidão. De modo geral, sou assim.

Mas tem horas que me sinto um personagem. De HQ. De mangá. Ou de uma crônica que arranca risos do leitor. Por que? Porque eu sou este ser imperfeito, que toma sustos, que grita e que dispara “em desabalada carreira”, cedendo a um impulso, a uma cascata química no meu corpo que transforma meus atos em cenas ridículas, longe de qualquer razão. Parece que fui criada para protagonizar esses momentos - alguém lá em cima gosta de se divertir.

(OMG! Virei um mangá!)

Vamos aos exemplos: estou correndo no parque. Crio apelidos para os trechos que percorro. Apenas porque acho divertido inventar histórias. Vou bolando ideias, balões imaginários, conversas que teria um dia. Isso não é normal. Ou é? De volta ao exemplo… estou correndo no parque e adentro a “Floresta Úmida”, um trecho em que as copas das árvores ficam bem fechadas e formam um “túnel” verde e viscoso entre o Jardim da Luz e uma creche pública sempre vazia de crianças às 6h (ufa!) e cercada por uma mureta e grades.

Quando passar por lá, tenha a certeza que será um dos pedaços mais úmidos do parque. Se choveu ontem à tarde, ainda haverá lama.

Tinha chovido de madrugada. Então, o caminho estava especialmente lamacento. Tinha levado uma lanterninha porque, às 5h45, o sol ainda não saiu e a trilha nas árvores fica bem escura. Joguei a luz da lanterna sobre o chão de terra. Lembrava de, na vez passada, cruzar com um sapo enorme e felizmente imóvel no final dessa trilha (dele eu me desviei com o coração mais acelerado do que o meu ritmo das passadas).

Retornando… mal adentrei o túnel e a lanterna iluminou um par de olhos. Irrrcc, outro sapo. Menor do que o gigante da vez anterior. Joguei mais luz sobre ele, achando que o bicho se espantaria e fugiria para o mato.

Ele não fugiu. Pelo contrário: me “atacou”. Pulou na minha direção, eu gritei e saltei na parte mais cheia de lama, afundando o tênis naquela massa pastosa. O sapo, muito agressivo, investiu de novo sobre mim. Gritei mais uma vez, virando a lanterna para a outro lado para não incomodá-lo. Fiz isso enquanto corria, aos saltos, pela lama, só ouvindo o som do tênis chafurdando. Corria, gritava, chafurdava. Eu fugi. Sou uma covarde.
(No lugar do ser alienígena, coloque o sapo - e com cara de mau. Deixe o ambiente escuro e lamacento. Eu sou o Haroldo. O Calvin é meu coração)

Com meu coração aos pulos, corri pela trilha, torcendo para não encontrar o sapo-gigante e pensando: fosse um homem não teria feito tanta micagem. Olhei pelos arredores. Não havia ninguém. Quer dizer, se eu, na corrida, tivesse escorregado na lama, caído de bunda no chão e o sapo tivesse pulado sobre minha cabeça, eu daria gritos horríveis, de matar um santo de susto. Mas ninguém me salvaria.

Fugi mesmo. Decidi que, enquanto não saísse o sol, não correria pela Floresta Úmida.

Dou minha volta. Coração se ajeitando na caixa torácica. Corro pela Floresta da Pinacoteca, um lugar nada assustador como a casa dos sapos. Avanço e, então, outro sapo. Mas ele era pequeno e se intimidou com minha figura grande e forte. Pulou de lado, saltou de banda e se refugiou nas folhagens.

Ao menos, para um eu impus respeito. Meu coração, no entanto, tinha disparado de novo. Podia ser pequeno, mas era sapo. Tenho horror a esses batráquios. Sempre acho que vão me atacar. Assim como as baratas sabem que eu tenho pavor delas e correm na minha direção se encontro na rua. É outra cena que nunca acontece sem que eu grite e dispare sem ver o que está por perto, fazendo com que me esqueça que sou uma pessoa normal.

Continuo correndo. À distância, penso reconhecer alguém. Ah, o coreano do colete azul (ver post anterior). Mas agora trocou de roupa. Está de jaqueta. Azul. Penso em cumprimentá-lo e comentar sua preferência pelo azul. Ele passa por mim. Está sempre no sentido contrário ao meu. Quando o vejo de pertinho, reparo. Não é o mesmo coreano. É mais velho. Tem a cabeleira toda branca. Lógico. É o pai do coreano do colete azul. Jaqueta é maior do que colete. Sinal de respeito, de maturidade, do poder dos anciões. Tento apagar tudo da mente. Por que viajo tanto?

Prossigo em minha jornada. Encontro o cara das pernas de Popeye. É que ele tem batatas tão grandes que me fazem lembrar dos braços do Popeye. Entenderam? O desenho dos braços passou para a batata da perna. Ele chega de bicicleta, prende à magrela no canto das bikes e sai correndo. Eu vejo as batatas, imensas. Como se o Roberto Carlos, em vez das coxas monstruosas, tivesse exercitado mais as panturilhas. Volta, Lena. Pára de pensar bobagens.

Ainda bem que o celular trabalha direitinho e o aplicativo não descuida das passadas. Está registrando tudo. Inclusive minha parada para retomada de fôlego. Não sei correr. Quer dizer, corro. Mas esse negócio de trotar, como me disse a amiga Bia Lorente, isso eu ainda não saquei como é. Eu tenho o modo “caminhar” e suas variações e o modo “correr” no meu cérebro. Bia falou que eu tenho de trotar primeiro, depois subir meu ritmo e correr.

Mas o que é trotar?

Penso num cavalo, naquela magnífica postura que tem enquanto trota. Tento transferir o desenho para mim. Humm, não está casando imagem com intenção. Eu sei sair correndo, como quando aparece um sapo diante de mim. Aí, surge a moça do rabo de cavalo com sua corridinha ritmada. Passos de passarinho. Parece dar pequenos pulinhos, impulsionando o corpo para frente. Seria isso trotar? Não vou atrapalhar a moça do rabo de cavalo. Ela está tão empenhada. Permaneço nas trevas da ignorância. E mantenho a corrida e perco o fôlego e troco o modo para “caminhar” em busca da energia perdida.

Eu não sei trotar. Nem sei o que significa isso.

Sou um personagem em conflito comigo. Distraio-me novamente durante as voltas que dou no parque. O cachorro amarelo, que “vive” lá, me reconhece. Sacode o rabo. Mas surge outro e outro. Todos amarelos. Ora, ora. É um clã. É uma linhagem que habita o parque. Os cães amarelos da Luz. Nunca ninguém escreveu sobre eles. Eu os resgatarei do anonimato, criarei uma linhagem, uma exclusividade. Nenhum cachorro de outra cor e forma poderá ser nomeado como cão da linhagem amarela do parque.


 
(O Cão Amarelo)

Envergonho-me dos meus pensamentos. Todos concentrados em fazer a quilometragem x, no tempo y para ter a satisfação z. Eu sou um ser estranho. Que corre e imagina. Poderia ser um desenho. E os balõezinhos surgiriam em meio ao trajeto. Nada de pedra no meio do caminho. E sim sapos, cachorros, “passantes”. Enfim, histórias.

É, acho que não sou normal mesmo. 

Obs.: publicado em lecastel.tumblr.com em 18 de janeiro.
 




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