domingo, 30 de dezembro de 2012

O tigre e o extraordinário

Faz um tempinho que manifestei meu desejo de ver "As aventuras de Pi", de Ang Lee, que concorre ao Globo de Ouro de melhor filme, diretor, trilha sonora e que deve receber também indicações ao Oscar. Confesso que a primeira coisa que me atraiu nele foi a figura soberana de um tigre de Bengala. Adoro tigres. Adoro grandes felinos - e os pequenos também. Sou uma cat lover.


"As Aventuras de Pi", de Ang Lee, conta a história do jovem Pi que viaja com sua família da Índia para o Canadá, com os animais do zoológico de seu pai. O navio afunda e restam ele, Pi e o tigre, à deriva no mar. Foto: divulgação

Assim que vi o trailer no YouTube, meses antes de o filme entrar em cartaz, eu me prendi à história: um jovem náufrago em um bote com um tigre, os dois lutando para sobreviver. A proposta em si já desafia a mente. Ainda mais uma mente como a minha, tão apaixonada que sou por tigres e tão sabedora dos perigos de se lidar com animais selvagens (não se iluda: eles não são amiguinhos fofinhos. Se tem dúvida, veja o documentário "O homem urso", de Werner Herzog). Observação: digo sabedora porque há dois assuntos em que me considero boa de fato, que são música e bichos.



Outro apelo forte - e que bela estratégia de comunicação para divulgar o longa - é o lema do filme: acredite no extraordinário. Muito bem! Eu sou filha de bolivianos. E o que tem isso? Talvez seja a sorte de ter nascido na minha família, porém carrego em mim a crença de que latino-americanos têm a tendência de narrativas de realismo fantástico, uma característica forte entre meus parentes. Quando eu leio Gabriel Garcia Marquez ou Isabel Allende ou Manuel Scorza, eu penso na minha família. Na minha mãe contando histórias. Nas aventuras relatadas pelo meu pai (que "caçava tigres", embora eu dissesse que tigres não são nativos da América e ele me respondesse "pois nós dizíamos tigres"). E em outras tantas vezes em que ouvi de tios, primos ou amigos de meus pais casos em que havia um quê de mistério, de fantasia. Cresci ouvindo histórias assim. Eu tinha mesmo de gostar de narrativas extraordinárias. Tinha de gostar de realismo fantástico.


O filme concorre ao Globo de Ouro de melhor filme, direção e trilha sonora. Deve receber indicações ao Oscar. Foto: divulgação

Depois desse preâmbulo, vamos ao filme. Resolvi escrever sobre ele porque estou pensando nele. "As aventuras de Pi" é uma daquelas obras que guardarei bem na memória pelo espetáculo que me proporcionou aos sentidos. Gosto de Ang Lee. Sua versão de "Razão e Sensibilidade", com Emma Thompson, é arrebatadora. E falo isso como fã ardorosa dos livros de Jane Austen. Curto tanto "Razão e sensibilidade" que já fui motivo de chacota do ex-marido. Mas também adoro "O tigre e o dragão". Nesse filme, é sublime o amor não-consumado de Li Mu Bai pela lutadora que também enfrenta a ladra da espada “Destino Verde” (quando está morrendo, Li Mu Bai diz que desperdiçou sua vida e que amava a lutadora, e que prefere ser um fantasma cavalgando ao lado dela em vez de entrar para a eternidade sem ela). Eu esqueci o nome da personagem, que também ama o mestre de kung-fu.

Outros filmes de Ang Lee:


O Tigre e o Dragão



Razão e Sensibilidade



O Segredo de Brokeback Mountain





Ang Lee tem um cuidado especial com a paisagem, com a fotografia e com a poesia das cenas. A história pode ser uma luta de kung-fu, um romance do século XIX na Inglaterra, ou um naufrágio no Pacífico. Ele constrói imagens que arrebatam. E posso dizer que, pela primeira vez, vi sentido total no 3D. A tecnologia adotada é um elemento que dá mais força à narrativa. Ok, a história é boa também mesmo sem a terceira dimensão. Mas o recurso vale muito a pena.

Ang Lee produz imagens belíssimas. É uma marca sua. E ele soube utilizar muito bem a tecnologia em favor da narrativa. Foto: divulgação

O esmero em criar as cenas das tormentas e tempestades é tanto que teve horas em que senti certo enjoo do mar. Eu não costumo enjoar em cruzeiros (que são navios obviamente muito maiores do que o bote do longa-metragem). Então, é curioso que eu tenha passado por isso no cinema. Aquele sacudir, aquele balanço que causou enjoos para o tigre na história me abalou igualmente, influenciada que fui pelas imagens.

Li que o diretor afirmou que esse foi seu projeto mais difícil. Foram quatro anos para realizar o longa. Ele voltou para sua terra, Taiwan, para construir um tanque imenso onde foram feitas muitas partes das cenas no mar. Li ainda que Ang Lee, agnóstico declarado, até voltara a rezar. Cansado que estava da complexidade que criara para ele.


Mas o esforço valeu.

Recomendo que se veja o filme em 3D. Vale cada real a mais. Foto: divulgação


Não pretendo revelar detalhes importantes da história. Colocarei uma ou outra coisa, porém vou sinalizar o spoiler. Assim, quem não quiser saber do trecho em questão, bastará pular o parágrafo.

Alguém escreveu que “As aventuras de Pi” não são exatamente para crianças, que podem se sentir seduzidas pela figura do tigre. Acho que o longa não é mesmo para os muitos pequenos, mas dá para assistir. Outro crítico apontou que haverá gente a se irritar com a mensagem religiosa – ou de fé – no filme. Mais do que religião – e isso tem mesmo –, vi ali questões filosóficas que eu não sei responder.

Vivo meu processo particular de questionar a vida, e nisso questiono muito minha pessoa também. Vendo o filme, veio à tona um pouco desse meu debate interno. Até que ponto, afinal, conseguimos ou devemos suportar desafios? Até a corda arrebentar, até virarmos para o céu de tempestade e gritarmos: “pode vir. Estou pronto”?

Ao falar disso, relembro uma cena forte.




SPOILER.




O mar revolto e as tempestades acabam sendo personagens do filme também. Foto: divulgação

Não leia se não viu o filme.

SPOILER.

Depois de muita superação – com água e peixes obtidos na sorte e no esforço, o que ainda assim não basta aos dois, o náufrago e o felino –, Pi se confronta com mais uma tempestade. Ele e o tigre, que se chama Richard Parker (ótima sacada), estão debilitados, magros, moribundos. E vem a tormenta. Pi se ergue e grita aos céus que está feliz por ir ao encontro de sua família (que tinha morrido no naufrágio). Ele questiona Deus por ter tirado tudo dele. A família, o amor (ele deixou a namorada na Índia), seu país (a família estava de mudança para o Canadá). E Pi tira a lona que cobre parte do bote, local onde o tigre se abriga. E grita para Richard Parker olhar aquela beleza. E a tempestade e as ondas caem sobre eles. Sinto o sofrimento do tigre, que está mais desprotegido do que nunca. O animal não vê beleza alguma na fúria da natureza. Ele enxerga apenas a destruição. Pi, meio louco pela dor e atordoado pelas consequências da inanição, enfim se entrega. E grita que a morte pode buscá-lo. Ele está pronto. É uma cena tão intensa que não aguentei. Chorei. E outros choraram no cinema. A gente não está preparado para ver alguém entregando os pontos. Na sequência, Pi recobra um pouco da razão e corre a estender a lona e amarrá-la no bote, fechando-o e protegendo-o do baque das fortes ondas. Entendo que o sofrimento do tigre o traz de volta.


FIM DO SPOILER.


Pode voltar a ler agora, se você não viu o filme.


FIM DO SPOILER



O que você faria numa situação dessas? Foto: divulgação


Pode ser que o filme pareça longo. Pode ser. No entanto, eu gostei de tudo, do princípio ao fim. Mesmo da abertura, com cenas de bichos em 3D e nenhum diálogo, só a música funcionando como elemento integrador. Eu já disse que gosto de bichos, e, se você não sabe, a trama se trata da família de Pi, que tem um zoológico numa região da Índia que já pertenceu à França. Então, tem uma parte que acontece na escola (infância de Pi), outra nas viagens da família (momento em que Pi se depara com as diferenças e bases de três linhas religiosas, a hindu, a católica e a muçulmana), e aí vem o centro da história, que se passa no mar e também numa ilha misteriosa (ei, J.J. Abrahams, o que você achou disso? Que tal Lost ali?). O final se dá num hospital. Quer dizer, tudo isso acontece na narração de Pi, que é procurado por um escritor interessado em sua história extraordinária.


A narrativa de Pi soa inacreditável e, no finzinho do que ele conta ao escritor, diz que teve de dar uma outra versão para os representantes da seguradora do navio que afundou. Eles não queriam aceitar sua história. Então, Pi faz uma apresentação mais crível dos fatos, para satisfazer os japoneses (a bandeira do navio era japonesa). Ah, a burocracia!

Para quem gosta de bichos, como eu, é a festa. Dá quase uma Nat Geo com o "milagre" da multiplicação digital. Aqui, suricatos em uma ilha que parecia a redenção, mas que se revela outra coisa. Será? Foto: divulgação

Agora, sem maiores delongas: atente para a trilha sonora. É boa mesmo. Envolva-se pela direção, muito bem executada (parabéns, Ang Lee). Aprecie a interpretação do ator que faz o Pi jovem, o náufrago. Chore, se sentir vontade, quando ele é obrigado a abrir mão de seus princípios em função da tragédia (isso está claro no longa). Ou não chore (afinal, é só um filme). Ria da temática religiosa. Ou respeite as dúvidas que Pi tem. Encante-se com as cenas noturnas produzidas pela computação (como resistir aos peixes, algas e plânctons fosforescentes?) e com o 3D perfeitamente utilizado. Admire a recriação digital de animais (há uma ampla variedade, dos bichos do zoológico aos suricatos da ilha misteriosa. Eu me prendi ao estado doloroso de uma zebra e aos gestos e olhares de um orangotango fêmea chamada de Suco de Laranja. Ah, como senti por você, Suco de Laranja). Renda-se à majestosa – e assustadora e até vingadora – figura do tigre. Questione-se quando você teria morrido ou matado (na saída do cinema, a gente comentava isso: um teria morrido dormindo, sem perceber a tempestade; outro teria morrido afogado; mais de um teria matado o tigre logo de cara). Pergunte-se por que exatamente Pi sofre ao ser finalmente resgatado. O que quer dizer aquilo? Qual o fundo da história? E faça sua escolha: a narrativa de Pi ou a versão que ele deu aos japoneses. Em qual você prefere acreditar?

Mais sobre o filme:




quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

São Silvestre, minha meta do ano

Um ano atrás eu estabeleci minha principal meta de 2012: correr a São Silvestre. Talvez não seja exatamente a principal (tive outras), mas vamos encará-la assim. Até porque foi nela que pensei o ano inteiro. E meu desejo de cumpri-la é forte, tanto quanto minha persistência na trilha que criei para atingir esse objetivo.


Em dezembro de 2011 nasceu o desejo de correr. Mas correr com um propósito mais específico: a São Silvestre de 2012 (foto tirada no Hyde Park, em Londres, num treino que fiz lá no final de junho/2012)

Ah, não foi fácil. Tive percalços – coloquei neste espaço uma pequena parte deles. Mas nunca desisti de minha meta. Por mais que tenha me atrapalhado, por mais que tenha sido derrotada por um ou outro problema. Eu mantive minha mente concentrada na São Silvestre.


No frio ou no calor, não deixei de correr. Em casa ou fora, não parei. Mas não posso dizer que foi fácil.


Já são nove provas disputadas. A primeira delas eu descrevi aqui: foram os 5 km do Circuito Vênus, no Jockey Club. Foi uma sensação muito diferente ter cumprido aquele trajeto. Fiz até que um bom tempo, creio (29min53). Mas também não faz diferença agora. Naquele dia eu era ignorante de tudo. Vinha lendo bastante a respeito de corrida já. Nada me prepararia, no entanto, para a experiência de correr. Vale ressaltar para quem não sabe o que é disputar uma prova: não é fácil para quem está iniciando a atividade ter de cumprir uma determinada distância. Parece uma eternidade ver que falta metade do trajeto ou mesmo 800 metros, caso você não tenha treinado bastante ou de modo adequado. No treino, mesmo que você estabeleça uma distância, dá para interromper sem tanto drama (a questão é com você). Numa prova, há realmente um desafio. Você não quer desistir: quer terminar. Mesmo que veja um monte de gente te ultrapassando. Até aquelas senhorinhas japonesas que eu não sei de onde tiram tanta energia.

A primeira medalha veio no Circuito Vênus, em torno do Jockey: 5 km

Agora tenho nove medalhas. Vou em busca da décima no ano


 
Não tenho um orientador especialista. Tenho orientações de quem corre há mais tempo. Tenho esses textos que vejo nos sites que falam de corrida. Tenho os depoimentos de blogs. Desse modo fui montando meu conhecimento. E, claro, com muita corrida por aí.


Corri em alguns lugares diferentes. Em Monteiro Lobato, peguei uma estrada com subida forte e eu lembro de quase ter “morrido” no alto. Tive de parar, sem fôlego, enquanto via um homem subindo no lombo de um cavalo o trecho que me aniquilava. E pensar que parei numa loja de ração animal para pedir um copo de água assim que cheguei ao alto dessa subida. E pensar que eu tinha enfrentado um pouco de chuva antes. Tudo naquela estrada sinuosa e marcada por fazendas e gados, mais um riozinho que circundava o espaço. 
 
Em Monteiro Lobato, numa estradinha bem bacana fiz uma corrida que teve até chuva.


Em Cannes eu também corri. Um dia só, mas foi legal percorrer o caminho à beira-mar. Foi engraçado ter parado num quiosque, quando voltava para o hotel (numa pausa da corrida que fiz porque estava com muita sede), e pedido um Gatorade. Ora, não se vendia Gatorade lá. Optei por um Powerade – meu pedido surpreendeu um outro cliente no quiosque; ele me perguntou por que eu preferia Gatorade em vez de comprar qualquer bebida, como água, chá ou um energético (minha resposta foi: conheço o produto e sei qual sabor me agradaria mais). Eu não tinha a real percepção da disputa das marcas do segmento na Europa. Achava que Gatorade deveria ter em todo lugar do mundo, que nem Coca-Cola, com a devida licença de citar o grupo concorrente.
 
Cannes: uma foto no meio da corrida à beira-mar, na Croisette. Dia lindo.


Londres também me rendeu uma boa experiência. Corri no Hyde Park uns seis quilômetros ou algo equivalente. Nem senti muito a corrida. O que mais me pegou foi o medo de me perder. Que parque grande! Não dei mais do que uma volta no trecho que defini. Mas tive a sensação de me perder algumas vezes (de fato, errei a saída que pretendia). E na Cidade do México eu quase desisti. Peguei uma subida monstruosa no Castelo de Chapultepec e sofri com a falta de ar. Não posso esquecer que estava correndo na altitude. Aquilo foi complicado. Depois, me "habituei". O que estranhei foi notar os olhares sobre minha figura (as mulheres não se exercitam com short de corrida como o que eu usava. Um homem veio falar das minhas panturilhas e perguntar se eu sambava para deixá-las bem torneadas. Respondi que eu não sambo e fui embora). Em Buenos Aires corri pouquinho - inventei de tentar dar minhas passadas no sol da tarde depois de ter almoçado carnes. Foi uma loucura.
 
No Hyde Park, uma corrida de uns 6 km, calculo agora.
 
 
Palermo, em Buenos Aires. Acho que não corri 4 km, tão mal me senti.


Eu estava bem magra nesse período, o do primeiro semestre. Até demais. Depois, recuperei peso – porque voltei a me alimentar decentemente e porque diminuí o ritmo de treinos já que estava encarando seriamente o futebol de terça à noite (que se tornaria futebol de sábado de manhã). Futebol era ótimo, mas eu precisava descansar no dia seguinte porque disparar atrás da bola é muita explosão de energia.
 
Encarei uma prova de 10 km com uma gripe muito forte. Não pensei em desistir. Mas a gripe me cobrou o esforço durante a corrida no Jockey


Quando vi, deixei de correr diariamente (na minha rotina do primeiro semestre, eu tinha a segunda-feira de folga, dia em que fecha o parque da Luz, meu local de treinos; nos demais, eu corria) e me vi dedicada aos treinamentos unicamente nos finais de semana. Mas falhei tantas vezes no meu propósito que houve semana que passei em brancas nuvens. Não saberia contabilizar quantas foram. 
 
Em certos momentos nem parece que vai dar para terminar a prova. Mas, quando você percebe, acabou.
 
Fiz duas provas de 8 km. Nesta, a W Run, fui vencida pela ponte estaiada. No finzinho, andei. Mas terminar a prova dá a contrabalançada. Você fica feliz ao cruzar a chegada, mesmo suando em bicas
 


Tanto que, em uma prova ou outra, senti meu rendimento bem abaixo do que eu teria se mantivesse o pique do primeiro semestre. Tudo bem. Resolvi fazer o possível. Tinha muito trabalho e a prioridade era outra. No entanto, jamais abandonei a corrida.


Tive outros problemas. Assuntos pessoais. Fui seguindo. Minha meta estava estabelecida havia tempos e não seria um ou outro obstáculo que me tiraria do objetivo. Para isso, só uma perna quebrada ou algo do gênero.

[Observação importante: quando digo que não foi fácil, levo em consideração que estava enfrentando um problema complexo, de longo tratamento. Esse quadro dificultava minha caminhada. Dificultava meu dia a dia, na verdade. Mas correr fez parte da terapia - dois dos especialistas que me tratavam recomendaram uma atividade diferente de tudo que fazia. Se eu estivesse com saúde 100%, certamente essa vida na estrada, na trilha, nas pistas, nas ruas teria sido facilitada. Quero dizer com tudo isso que, se eu consegui, outras pessoas também conseguem. Não quero desanimar ninguém. Pelo contrário. Quero dizer que é possível, sim, uma pessoa comum (até fora do peso) correr 5 km ou 10 km ou mais, se você persistir. Eu estava doente, com depressão, porém, aos poucos, com paciência e perseverança, fui atingindo os graus necessários nessa trajetória. Outro detalhe importante é que, porque eu estava em tratamento, passei por outros médicos. Um cardiologista, por exemplo. Para entrar em qualquer atividade física é preciso fazer uma avaliação. O cardiologia que me examinou fez até um comentário que me fez rir. Depois de olhar mais um dos exames que pedira, disse assim "mas que coração bonito". Estava liberada para a corrida. Então, é isso: fazer uma avaliação médica é o primeiro passo. O segundo pode ser consultar um profissional da área. Uma avaliação esportiva dirá o quanto você pode mergulhar de cara na corrida. Eu não fiz isso, admito. Mas estudei tanto por minha conta que não creio ter feito nada arriscado. Fui aos poucos. Primeiro com caminhadas. Depois, corridas leves. Fazendo alongamento, usando calçado adequado, respeitando limites e condições do tempo. E assim fui subindo a barra dos desafios. Acho legal ter o apoio de uma consultoria esportiva ou um orientador expert no assunto, caso se tenha dinheiro e se pretenda disputar provas. Vale também entrar em grupos de corridas, trocar experiências. Ou seja, eu tive de me esforçar bastante porque enfrentava um problema particular. E se eu consegui chegar onde cheguei (que não é grande coisa, mas é algo), outros também podem.] 

A genética andina me configurou pernas para grandes deslocamentos e subidas. Correr não estava no código. Correr está no DNA de quenianos, por exemplo. Não de quem tem família do altiplano. Assim, parece que tenho de dar mais passadas do que os outros para percorrer a mesma distância


Em setembro, corri 16 km, uma distância pouco maior do que a da São Silvestre. Entretanto, foi muito difícil. Isso me mostrou que eu poderia sobreviver a um percurso mais longo e sob sol e variação de temperatura (que, no caso, foi extrema, saindo de 18 graus no início para 28 graus no fim da prova). Já não tenho esperanças de fazer bonito na prova da virada do ano. Não me preparei o suficiente para isso. Mas tenho condições de terminar sem sofrer muito.


Ponte Terceira, na prova de Dez Milhas da Garoto (ou 16 km), entre Vitória e Vila Velha. Esse sol nos mais de 3 km da ponte impôs um enorme sacrifício


Fiz nove provas e delas cinco foram de 10 km. Meu melhor tempo nessa distância foi no Jockey, numa prova que teria feito abaixo de uma hora se não estivesse muito gripada, a Meia de Sampa. O detalhe importante é que o percurso quase não tinha subida. Meio “fácil”. Meu segundo melhor tempo foi na 1ª Corrida de Natal de São Paulo, no centro de São Paulo. Ops, talvez seja o terceiro melhor tempo (comparo com a última prova de 10 km que fiz – Circuito das Estações Adidas/ Verão. A velocidade média das duas foi a mesma. Na Corrida de Natal fui um segundo mais veloz, mas a distância dessa prova foi 100 metros menor na contagem do Nike Running. Ou seja, corri 100 metros a mais no Circuito). O fato, porém, é que fiz a prova com boas condições e até corri bem. Também tive um momento de passar mal, na subida para a Sé. Ânsia de vômito que me obrigou a parar. Isso chama atenção para o cuidado com alimentação na véspera. Alimentação e “bebeção”. Eu tinha tomado um copo de cerveja mais densa e de teor alcóolico um pouco mais alto. Nada demais. Realmente um copo. Creio, entretanto, que esse pouco bastou para tirar meu bom equilíbrio.

A Corrida de Natal foi no centro de São Paulo. Sentia-me bem na largada. No final, passei um pouco mal. Mas na avaliação geral foi legal - minha maior velocidade em provas de 10 km alcancei lá


Ok. Foi uma boa prova. Depois fiz outro percurso de dez quilômetros (a última prova que disputei antes da São Silvestre, que aconteceu na região do Pacaembu), com um tempo de conclusão ligeiramente superior, conforme contei acima. No entanto, fiquei bem feliz porque não parei de correr e porque venci o Minhocão. É um elevado que exige bastante do organismo.

Fiz duas provas do Circuito das Estações: Primavera e Verão. Na primeira, não fui bem. Na segunda, eu me senti satisfeita. Venci o elevado (não andei nenhuma vez)
 
Aqui a largada dos 5 km do Circuito das Estações Adidas/ Verão, no Pacaembu. Nessa prova, uma de minhas irmãs correu. Eu fiz a de 10 km


Ainda tenho alguns treinos pela frente antes de encarar os 15 km da São Silvestre. Já disse: não me julgo suficientemente preparada. Poderia estar melhor se tivesse procurado uma assessoria esportiva ou um personal trainer. Só que eu não tinha tempo para isso. Nem tempo, nem pique. Tampouco cabeça. Sobre meu ânimo, estou bem melhor. Meu quadro de depressão está bem estabilizado – graças a todos meus esforços para combater esse mal. Lembro do meu médico que brincou comigo tempos atrás que, quando eu dissesse que estava ótima, ele me daria mais seis meses de tratamento. Meu médico foi muito bom e eu o recomendaria sem pestanejar. Não tenho certeza se em algum momento do segundo semestre eu poderia dizer: “estou ótima”. Não tenho certeza porque jamais me fiz a pergunta. Eu apenas entrei de cabeça nas 200 mil atribuições que tive pela frente. E encarei tudo com o melhor dos espíritos.


Voltando de um treino no Parque da Luz. Carrego comigo som, celular e uma toalha (não aguento ficar suando muito no rosto). De vez em quando um boné, quando ameaça chuva. Não tem como correr sem óculos. Ou isso ou tropeçar e cair
 
Correndo fiz "amigos" anônimos: as pessoas que treinam no mesmo lugar que eu e que costumo encontrar nas "madrugadas" e manhãs no parque da Luz

Correndo pude conhecer outras pessoas que já têm a prática em suas vidas, mesmo quando a prática era em terras estrangeiras, caso do argentino aí, Sebas, que posa comigo no Pacaembu

A corrida é muitas vezes uma experiência solitária para mim, mesmo estando entre os "amigos" anônimos do parque. Sou eu falando comigo - ou com o meu som. De vez em quando, uma novidade surge, como esse cão numa estrada de São Francisco Xavier, que me encontrou correndo numa subida no meio do mato, voltando de uma cachoeira. Ele veio se engraçar comigo e eu o apelidei de Timão (me lembrou o Timão de "O Rei Leão"). Ele me acompanhou até chegar perto do centro
 

Mas nessa minha trajetória também tive boas companhias junto comigo na largada. Como nesse caso do Palmeiras Run, que reuniu três palmeirenses da família (elas correndo 4 km e eu, 8 km)


Correr faz parte da terapia. Correr tem horas que dá preguiça (porque tenho de levantar cedo, mesmo cansada, e o que mais fiz neste semestre que acaba foi trabalhar intensamente). Mas correr dá uma sensação imensa de satisfação quando você cumpre a meta do dia, do mês, do ano.


A São Silvestre ainda está para acontecer. Depois voltarei para contar como foi. No entanto, ela já me dá esperanças para pensar no próximo desafio. Quem sabe uma meia maratona em 2013. Pode ser. Por isso, por me permitir sonhar assim, tenho de agradecer a muita gente, que me apoiou. E tenho um agradecimento especial também. Obrigada, minhas pernas e meus músculos, minha cabeça e meu espírito por me levarem adiante na trilha. Toda trilha, nesse sentido, é boa. Muito boa.
 
 

sábado, 8 de dezembro de 2012

Fora da nuvem

Estou atrasada com tantas coisas na minha vida que eu deveria ser destituída do posto de CEO de mim. Já não dou conta do recado. Chamem alguém mais competente!

Enquanto isso não é possível - e eu permaneço em débito com as coisas que queria contar antes -, escrevo agora movida por um artigo. Ah, aquela velha sanha de tudo contestar. Ou de quase tudo contestar (eu envelheço e aprendo a aceitar que o mundo não pensa como eu, embora certamente ele esteja perdendo ao se comportar dessa maneira).

Li um texto de um jornalista que normalmente acompanho para saber de música (ele morou por anos em San Diego, onde tem um show bom a cada semana). Desta vez ele falou de suas estantes e de como um amigo o criticou por ter esses móveis já que os livros de papel e os CDs estavam com os dias contados. Não é essa parte que me chamou mais atenção. Em um trecho do texto, esse jornalista - um entusiasta dos livros digitais - comentou do barulho que Bruce Willis deve causar  porque ele pretende deixar sua biblioteca musical construída no iTunes para as três filhas, e, pela lógica da Apple, isso não será possível. Vai dar uma baita briga.

Uma parte da minha estante principal. 

Uma questão levantada pelo jornalista é que temos muita coisa já guardada na nuvem e que escasseiam as pessoas que guardam seus conteúdos digitais nos próprios computadores - ou, acrescento, dentro de casa (lembrei dos HDs e dos CDs e DVDs gravados). E se houvesse um colapso mundial e a internet não ficasse acessível por tempos? Estaríamos todos condenados ao vazio?

Eu guardo minhas coisas em casa e tenho uma parte do conteúdo que curto na nuvem. E sou uma pessoa razoavelmente antenada. É muito difícil que meus amigos venham me ensinar novidades da vida digital. Em geral, sou a primeira a saber. Só podia. Tenho filhos adolescentes!

Mas, por outro lado, gosto de simplicidade na vida. Prefiro ficar tranquila. Não tenho vontade de correr atrás da mais recente traquitana hi-tech que surgiu na esquina. Não. Claro, até queria um mini iPad (mas não um iPhone 5). Tem tecnologia que me seduz logo de cara. Só que eu não sou consumista.

O que curto consumir sem medo é música. CD e DVD sim. Gosto de tocar nesses objetos de prazer. Também tenho meus arquivos digitais. Normalmente, ter uma canção em formato mp3 é o primeiro caminho da paixão por um álbum. Isso quando se trata de banda nova ou grupo que estou conhecendo agora. Os ídolos eu prefiro ter em casa, no bom e velho modelo físico. Morrissey em CD, Radiohead em CD também. Ou DVD. E ambos estão nos pendrives da vida para poder tocar no carro. O acervo físico, no entanto, se mantém.

Não sei se eu teria tudo na nuvem. Para mim, a ideia de ter arquivos disponíveis em qualquer lugar é básica. Quero levar certas coisas comigo para onde for. Porém não seria tudo. Não dá. Nem quero. Não preciso levar todos meus livros para passar uma semana em Cannes durante a cobertura do Festival Internacional de Criatividade, por exemplo.

Nessas ocasiões, longa vida ao meu iPad, santo equipamento. No entanto, eu o vejo como acessório. Até porque nele não estão as obras favoritas. Não procurei ainda, mas tem Grande Sertão: Veredas para eu baixar??? Já deve ter. Alguns meses atrás não tinha. Outro dia achei no Iba, a banca de nome ruim da Abril, um livro do Eduardo Galeano que eu adorei (li anos atrás). Fala de futebol. Comprei, paguei, fiz o necessário para baixá-lo. Só que ele nunca apareceu no aplicativo. Deve ter sido tragado por alguma tempestade digital. Nem na nuvem está. Como estou muito atrasada com as coisas da minha vida, até hoje não procurei os encarregados do Iba para me queixar disso e pegar meu livro digital.

Por isso, não é o iPad que salvará minha vida como leitora voraz (agora nem tanto. A falta de tempo me tornou uma leitora lenta, o que não combina com voraz). Não é a nuvem que me trará paz de espírito quando eu quiser rever meus livros queridos. Eles estão lá na estante. Às vezes bagunçados. Às vezes perdidos (aliás, dona Maria, por favor, onde a senhora colocou os títulos que estou buscando tem tempos? Ah, por que a diarista lá de casa gosta de brincar assim comigo?).

Enfim, eu não sei se alguém abandonou tudo que era físico e hoje só faz sua leitura ou sua apreciação musical pelo conteúdo digital. Se abandonou, lamento. É como deixar para trás o velho amor, aquele que ficou todo esse tempo ao seu lado, e partir para uma nova conquista porque quer se sentir rejuvenescido. Moderno. É bobagem. É bobagem querer parecer jovem. A gente tem de curtir a idade que tem, tenha aparência fresca ou a aparência da idade real. Isso, de fato, não importa.

A gente tem de aprender a viver bem, sem sofrer por se sentir envelhecer (é inevitável, ora). Sem sofrer porque gosta das coisas que envelhecem. Sem dramas porque prefere livro de papel ou sem se achar o máximo por ser mais afeito aos livros digitais. Tanto faz, no fim.

Eu só não apostaria numa única via. Curto bastante os livros digitais e revistas interativas. Mas acho legal o bastante o folhear de páginas. Ainda consumirei por bastante tempo. Quiçá pelo resto da vida.

Sobre os livros de papel tem algo que não existe hoje (ainda) para os e-books. Muitos dos volumes que tenho em minhas estantes trazem anotações minhas. Desde adolescente adquiri o hábito de escrever nas primeiras folhas meu nome e a data da aquisição da obra ou do presente dado por alguém. Tenho livros em que identifico a grafia de estudante (algo meio empolado, o que não tem a ver comigo hoje). Tenho livros em que sublinhei alguma parte por ter amado as palavras (mesmo morrendo de medo; me ensinaram que não deveria fazer isso... mas, puxa, o livro era meu). Tenho livros adquiridos em sebos que carregam pequenas mensagens do antigo dono - e isso me levou a pensar várias vezes em quem seria a pessoa. Ou mais: como seria a pessoa?

Tais possibilidades e devaneios não encontro hoje nos arquivos digitais. Uma hora alguém inventará isso. Tudo bem. Que venha o progresso. Não tenho medo. Assim como não terei medo de passar com meus dedos enrugados pelos meus objetos de afeição e mostrar às novas gerações da minha família (como mostro hoje a meus filhos) essas velhas histórias perpetuadas desse modo físico.

"Veja, este livro meu pai comprou porque eu precisava ler para minhas aulas de literatura inglesa no colegial. É, eu tive aulas de literatura inglesa. E americana. Eu assinava assim. Não é engraçado? 'Silas Marner' é um clássico. Mas eu nem consegui entender direito na época. Eu era muito jovem e normalmente não lia livros inteiros em inglês. Lia versões curtas. Naquela vez, tive de tentar. O ano era 1983. Eu tinha 14 anos."


(se quiser ler a obra, tem aqui: http://www.pagebypagebooks.com/George_Eliot/Silas_Marner/ )