domingo, 22 de abril de 2012

O homem de colete azul

O dia hoje, domingo, não está lá muito animador. Não corri logo cedo porque queria ver o GP do Bahrein. Eu gosto de Fórmula-1 e procuro ver as provas, mesmo que meus pilotos preferidos (Hamilton e Button) não estejam entre os favoritos da corrida.

Mas, deixando isso de lado, adiei minha prática. Estou na dúvida se corro no final da tarde no Parque da Luz. Minha irmã prefere tentar o Ibirapuera. Sei não. Não estou muito disposta a ver gente. Tenho meus dias de isolamento. Estou nele. Até porque o Lucca e a Laura não estão em casa. Então, fico sozinha com meus pensamentos. Tenho pensado muito. Questionando coisas da vida, questionando crenças. Nunca pensei que aconteceria um tsunami em mim. O tsunami que atingiu a Ásia anos atrás provocou o deslocamento do eixo da Terra (lembram-se?). O tsunami que passou por mim também provocou um deslocamento de eixo. Mexeu com minha cabeça, não apenas quimicamente, porém filosoficamente. É difícil explicar. Uma vez ouvi que não era necessária a psicologia para cuidar de uma certa pessoa (em uma certa situação), e sim a filosofia. Depois do que me aconteceu, comecei a entender isso.

Ontem eu já estava no meu estado "isolamento para filosofar". Na verdade, desde quinta-feira estava um tanto assim. A diferença é que a rotina te obriga a mudar o estado. De "on" p/ filosofia para "on" p/ os deveres cotidianos. Chegou o sábado e eu botei meus tênis de corrida, meu som, minha aparelhagem para calcular os quilômetros. E lá estava junto a cabeça filosofando.

Eu não queria ficar pensando tanto. Não mesmo (eu me canso, às vezes, de tantos questionamentos). Iniciei minha corrida. Aumentei o som ao máximo. Entrei na trilha. Tocou Moby. "Lordy, don't leave me/ all by myself". Ficou legal. E seguiu-se uma série de músicas que, de algum modo, acalmava minha sanha pensativa. Verdade que não era a ideal para acelerar os passos e seguir num ritmo forte. Uma hora, porém, o MP3 ia mudar o estilo.

Moby e seu "In This World", música que adoro

Daí cruzei com uma figura familiar, que fazia tempo não via. O homem de colete azul. É um coreano que caminha pelas trilhas do Parque da Luz. Sempre sozinho. É um senhor de cabelos brancos, mas não é tão velho assim. Vejo gente se movimentando com dificuldade pelo parque. Ou se amparando em bengalas. Ele não precisa de nada disso. Pelo menos, sempre achei isso nas outras vezes em que o encontrei. Desta vez, o homem de colete azul parecia cansado. Seu andar era mais lento. Teria ficado doente e se recuperado somente agora, retomando a atividade física?

Minha imaginação é forte e saio construindo histórias por onde quer que eu ande. Para saber com certeza, só perguntando. Mas o coreano mal olha no meu rosto. Na primeira vez em que a gente se cruza, acho que ele me reconhece. Depois, normalmente, mantém seus olhos fixos na trilha ou observando algo nas árvores. Não ouço sua voz. Aliás, nem sei se fala português.

O homem de colete azul, percebi ontem, me lembra um pouco o Mário, de Mario Bros (Nintendo). Dei risada quando pensei nisso. Ele usa o tal colete e um boné vermelho. Sempre! Talvez seja seu uniforme de caminhada.

O homem de colete azul me fez lembrar do Mário, da Nintendo

Se ele esteve doente, não tenho a resposta. Que ele está mais lento, é certo. Ontem corri bem. Tencionava fazer apenas 5 km, mas lembrei que o dia do Fila Night Run se aproxima. Não fiz ainda minha inscrição nessa prova, que será em Interlagos. No entanto, estou disposta a correr a prova. E correr 10 km, não 5. Por isso, ontem, chegando perto dos cinco quilômetros, resolvi dar uma volta a mais. "Vamos fazer sete, ok", dizia para mim.

Não estava correndo muito. Ritmo médio para garantir o cumprimento da meta. Mas cruzei poucas vezes com o dono do colete azul. Deu-me a impressão de que ele fazia longas pausas, sumindo em algum canto para descansar. Fiz sete quilômetros e me sentia ótima. Por que não continuar? Continuei.

O parque estava um tanto vazio. A chuva tinha espantado os frequentadores. Até eu atrasei minha partida rumo à corrida. Vesti minha roupa de runner (camiseta do Brasil e um short preto) e fiquei em casa dando um tempo - um amigo tinha tirado sarro de mim, dizendo para não usar isso como desculpa e colocar logo os pneus de chuva; eu não tinha visto a mensagem, só li depois. Quando a chuva se transformou numa garoinha, saí usando uma blusa preta (nada de pneu de chuva, hehehehe) que eu sabia que ia tirar assim que começasse a correr. Dito e feito.

O que me espantou - e alegrou em certa medida - foi ver outras pessoas em ação apesar do tempo inspirar o contrário. Uma mulher se cobriu com uma jaqueta comprida e com capuz. Botou a mochila na frente do corpo e saiu andando pela trilha. Dois coreanos foram caminhar segurando guarda-chuvas. E três coreanas também pegaram a trilha para a caminhada munidas de guarda-chuva. Foi até engraçado ver esse pessoal assim. Apenas eu e o "senhor Mário" não estávamos assim tão resguardados.

Corri bem. Pensava na trilha. Ouvia a música. Cantei em vez alta em alguns momentos, como quando tocou "First of the gang to die". E também com "Don't look back in anger".

Morrissey cantando "First of the gang to die" no show "Who Put The M on Manchester"

Estava no oitavo, entrando para o nono quilômetro. Decidi que faria os dez. Estava pensando nisso (e não filosofando sobre a vida, felizmente) quando encontrei o homem do colete azul. Estava numa subidinha em que duas árvores separam o caminho no meio. Corria e começava a sentir o esforço. Calculei que atingiria o ponto das árvores quando o coreano já tivesse passado por eles. Mas o "senhor Mário" não aderiu à minha ideia. Diminuiu o passo. Eu não queria diminuir. Recordo de um amigo dizendo que não é para diminuir na subida, e sim na descida.

Mantive o ritmo. Passei as duas árvores e... não é que o homem deu uma pequena fechada no meu caminho. Tive de desviar mais e correr na grama. Ah, ele me percebe! Talvez não goste muito de mim porque eu estou sempre ouvindo música e ele nunca está com fones (será que considera um sacrilégio fazer exercícios ouvindo música). Naquele instante no meu MP3 nem rolava um som tão agitado (e eu acredito que ele não "vaze", atrapalhando os outros). Tudo bem. O homem de colete azul não precisa gostar de mim. Não precisa me dizer "bom dia", não precisa facilitar minha corrida. Eu não sou nada para ele (só espero não aborrecê-lo). No entanto, ele se transformou em algo para mim naquele sábado. Fiquei curiosa com seu destino, com sua saúde, com sua história. Ele continua desconhecido. Mas me ajudou, sem saber, a me tirar do meu estado "filosofês".

Aqui, os dez quilômetros que corri no sábado (21/04)

Já que não posso falar direto para ele, vai aqui meu recado: o senhor não tem ideia, mas foi até legal para mim. Espero que esteja em boa saúde.

E assim vou correndo.

Oasis e "Don't look back in Anger", que cantei enquanto corria (coisa doida, né?!)

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O show da minha vida - Uma atualização necessária

Eis-me aqui, de novo sem saber como começar. "No capítulo anterior..." Bem, tem de ser algo por aí mesmo. No post anterior eu escrevi sobre os shows que marcaram minha vida. Escrevi? Na verdade, indiquei alguns, sendo o Radiohead em São Paulo o primeiro da lista. Já vi tanta coisa que não sei se daria conta de escrever um texto falando sobre todos eles.

Mas dizia também que estava para acontecer o show do Foo Fighters no Lollapalooza. E colocava no post minhas expectativas de uma bela apresentação. Elas se cumpriram.

Antes, devo explicar que há muito tempo espero por eles. Minha paixão pelo FF não existe desde sempre. Não. Na verdade, eu os conhecia, mas ainda não tinha desenvolvido uma ligação com eles. Sabia que tinha o baterista do Nirvana. Mas o Nirvana não aconteceu na minha vida como aconteceu na vida de tantos outros.

Na época do grunge eu tinha outras coisas me ocupando. Para ser mais precisa, eu era mãe. E naquele início dos anos 90 tudo aconteceu tão rápido comigo que, quando pisquei, tinha casado e tido meu filho, o Lucca (no mês e ano de morte do Kurt Cobain). Depois veio a Laura, em 1995, ano em que surge o Foo Fighters. Os dois filhotes têm apenas um ano e quatro meses de diferença. Naqueles dias, eu mal tinha tempo para ouvir sons novos. E, claro, passei a priorizar outro tipo de música. Por uns bons anos eram canções infantis ou canções de desenhos. Foi um período bom.

Foto oficial da banda (olha o Taylor, o baterista, como tá novinho)

Isso explica um pouco minha demora em aceitar o FF como banda. Reconhecia algumas músicas. Mas não estava com cabeça para isso. Isso só veio acontecer quando voltei a morar com meus pais, já separada. Os filhotes estavam maiores e começaram a ouvir comigo alguns dos sons que tinha. Voltei a redescobrir a música. Aos poucos, minha atenção foi se voltando a músicas que eu tinha deixado passar. Sonic Youth e Smashing Pumpkins, por exemplo, eu mal tinha noção do que eram. Estava andando atrás do prejuízo. Andando, não correndo. Porque outros sons surgiam também. Morrissey, que nunca abandonei, voltou a ser objeto de minhas compras. Descobria novidades que eram novidades até mesmo para meus amigos mais antenados. A Virgin Radio foi muito importante para isso.

Um dia, numa rede social, o Last.fm, num grupo de amigos, perguntam que bandas eu gostaria de ver. Foi apenas aí que materializei o desejo de ver o Foo Fighters. Eu já ouvia o som deles. Já curtia. Banda? Que banda eu queria? Citei na ocasião Travis e Stereophonics. "E, claro, Foo Fighters". Foi tão natural como se tivessem me perguntado se eu respiro.


In Your Honor
Comprei um CD que não parou de tocar. Eu cantava "In Your Honor" e dizia que aquilo era demais. Tem gente que acha excessivamente barulhento. E aquele grito?!, comentam meio assombradas por eu curtir. Mas eu me sentia bem cantando e gritando com o Dave Grohl. Passei a buscar mais sons. Estava conquistada.

Está criado o contexto. Foi por aí que se deu a minha espera. Foram muitos anos aguardando. Surgiram dois álbuns nesse período. Que comprei. A expectativa foi alimentada também pelo público. De repente, todos pareciam amar Dave Grohl. Que ele era amado antes, tudo bem. Mas veio uma onda grande de popularidade. Não sei por que. Acho que faltam alguns ídolos do rock que tenham esse jeito do Dave Grohl, que toma sua cerveja, que tira sarro e se diverte, e que deixa escancarado como a vida hoje nos deixa doidos, com vontade de dar um urro primal de vez em quando. Eu tenho essa vontade!

Lotação máxima no 1º dia do Lollapalooza. Na foto, TV on The Radio, que fez um show incrível

Muito bem. Assim que saíram ingressos do Lollapalooza, tratei de garantir os meus e o da Laura (ela também gosta muito do Foo Fighters). Uma das minhas irmãs (Tati) também comprou (outra fã). Minha outra irmã ficou na expectativa. E minha sobrinha mais velha, que tem a mesma idade da Laura, apelou ao pai, mas ele achou o ingresso muito caro. Então, ganhei dois ingressos para a cabana vip. Beleza. Dei o meu restante para minha outra irmã (Lu) e o da Laura foi para a sobrinha (Júlia), que exultou. E assim fomos, as quatro, mais uma grande pequena amiga (baixinha como eu), a Mari, que é uma das fã mais apaixonadas pela banda que conheço.

Júlia, Laura, Tati e Mari, minhas companheiras de Foo Fighters

Set list
Ora, como resumir? Foi épico. Eu tinha conferido o set list do Lollapalooza Chile e do show deles na Argentina. Tinha uma ideia do que viria pela frente. Mas, ao final, eles superaram minhas expectativas. Para dar ideia do meu estado, um pequeno rio de lágrimas desceu pelo meu rosto durante uma das músicas (e eu não sou de chorar em show). E outra vez chorei quando soaram os primeiros acordes de "Everlong", a canção que encerrou a tão aguardada apresentação deles.

Mas já estou falando do final?!

A lista das músicas que o FF tocou está aí

Vamos começar pela hora em que me ajeitei com minha pequena turma para vermos a banda em um ângulo bom. A tarefa seria difícil: 75 mil pessoas pra ver o Foo Fighters. Sentiu o tamanho da encrenca que tínhamos pela frente? Bem, encaramos a pista às 18h. Ou seja, ficamos dispostas a uma espera de duas horas e meia. Numa vez, num Tim Festival, fiquei tanto tempo de pé que pensei que jamais me recuperaria daquilo. E, naquela ocasião, tinha um telão que subia mensagens de algumas pessoas lá. Veio um texto assim: "não sinto mais minhas pernas". Bingo! Tradução perfeita do que é esperar muito tempo por um show. Em situações assim não há muito o que fazer.

Poderia ter ficado com os vips. No conforto. Mas não. Foo Fighters eu queria ver o mais perto possível. Fizemos o que deu. Esperamos pacientemente. Quando as luzes deram sinal de que, sim, eles estavam para entrar, veio a primeira onda de apertos e empurrões. Eu e a Tati fechamos com os braços um pequeno círculo para proteger as meninas. Eu me atrevi a fazer esse papel de segurança, mesmo sendo pequena porque, afinal, eu era a mais velha ali. E me sentia responsável pela Laura e pela Júlia.

Essa foto eu fiz. Fiquei bem feliz de ter capturado essa imagem, que está toda tremida, mas tudo bem

Então, começou. A primeira música foi "All My Life". Os gritos eram histéricos, os pulos, ensandecidos. Eu e a Tati fazíamos o cerco protetor, sendo sacudidas. A Laura estava com uma cara um pouco assustada. Mas logo nos acostumamos aos empurrões, que foram diminuindo. O público estava extasiado. O coro acompanhou Dave Grohl.

Fazia tempo que a banda brincava com a adoração brasileira. Mais de uma vez eles se referiram a isso. Ao fato de ter sempre um brasileiro se manifestando onde quer que fosse pedindo que eles se apresentassem aqui. Senti que, mesmo sabendo disso, o calor emanado do público os surpreendia. Dave, e seu eterno chiclete, transmite uma imagem de pura entrega. Ele sua a camisa para tocar e cantar. Não falo apenas pela camiseta molhada. É pela energia que a gente capta ao vê-lo correndo pelo palco.

Ao contrário dos demais grupos, o Foo Fighters tinha acesso pleno às laterais do palco. Então, Dave provocou ainda mais delírio quando correu para uma das laterais, exatamente o lugar onde a gente estava. Foi lindo. A gente viu o sorriso dele de perto, a cara de alegria. Como não se emocionar com tanto carinho retribuído, com tantas pessoas cantando a música em alto e bom som, acompanhando tudo com devoção?!

Só para mostrar o Dave Grohl perto de onde nós estávamos

Who are you?
Que momentos destacaria? "The Pretenders" foi energia pura. O público cantou tão bonito. Com força e com vontade. A multidão quase ficando rouca que nem o Dave Grohl (alguém pode reclamar que ele estava sem voz, mas todo mundo sabia). Quando chegou a parte que diz "What if I say I'm not like the others/ What if I say I'm not just another one of your plays/ You're the pretender/ What if I say that I'll never surrender", então, a pista se agitou, com os pulos e gritos. Eu, que estava na muvuca, acompanhei essa música a plenos pulmões. "So, who are you". Eu? Uma fã.

Outro ponto alto foi "Best of you". Foi planejado um flash mob para essa hora. Um monte de gente levantou papéis como se fossem cartazes estampando simplesmente "Oh", que era para ser entoado quando a música chegasse ao fim. A Mari contou tudo antes do show começar. Mesmo estando "preparada" para a surpresa programada para o Foo Fighters, eu me emocionei. Foi arrepiante. Foi uma declaração de amor. Ou para mim foi. Cantando o "Oh, oh, oh, oh", eu também dizia "adoro vocês, FF". E havia tantos papéis brancos se multiplicando por aquele espaço, replicando aquela sensação de pertencimento. Éramos todos iguais.


Oh, oh, oh, oh
Acredito que o Dave Grohl sentiu o impacto. Sério. Acredito. Os olhos dele estavam marejados. Isso se via pelo telão que passou para a gente, o público presente no Jockey. Na transmissão pela TV, percebi depois, essa cena não foi exibida. Todos eles curtiram muito. O som parou. O cântico se ampliou. Vieram as palmas. "Eu amo vocês", disse o Dave Grohl, colocando um "fucking" no meio da frase (como ele faz direto). O povo vibrou. E veio uma sucessão de "Foo Fighters" antes que "Best of You" voltasse a ser executada.
Emoção durante o flashmob: do público à banda


Essa música fechou a apresentação e deixava a boca com vontade de cantar mais. Deu sabor, deu calor. Era quase uma reticência no ar. A gente esperava pela volta. A gente sabia que eles voltariam. E a gente continuou cantando "Oh, oh, oh, oh".

Parte de "Walk", vídeo que fiz com as mãos trêmulas. O som distorcido é por causa da proximidade das caixas acústicas

Confesso que chorei muito com "Walk", mas mais por conta das particularidades da minha vida. Essa música me embalou em uma fase complicada, quando preciso mesmo reaprender a andar, falando de modo metafórico. Eu fiz o vídeo e logo vieram as lágrimas. É fantástico o poder que a música tem de evocar lembranças. As boas e as más. Não associo "Walk" com algo ruim. Não. Eu gosto dessa música. Ruim foi lembrar de alguns dias. Senti-me meio ridícula, mas o que eu podia fazer. Estava desnuda naquele instante. Alma despedida. Chorei, sim. Envergonhei-me. Enxuguei as lágrimas. Voltei a cantar com a banda e o público. Se as imagens estão tremidas no vídeo, perdão. Entendam, porém.

Dave Grohl fazendo piada no intervalo para o bis; ele dizia que não tinha mais voz para cantar

A emoção, a garganta apertando, os olhos marejando... tudo isso voltou a acontecer em "Everlong", a música da despedida, já no bis - que teve Joan Jett, inclusive cantando "I Love Rock'n'Roll". Eu nem sei bem por quê. Imaginei que "These Days" iria encerrar o show, mas nem foi tocada. "Everlong" começou, cantei... veio aquela coisa sem nome que faz o lábio tremer e as lágrimas encherem os cantos dos olhos. Sem nome que me ocorra agora, diga-se. Quando acabou tudo, de verdade, senti meu mundo diferente. Como acontece depois de grandes shows que se aprofundam na minha memória. Mas este deixou marcas fortes. Sim. Virou o show da minha vida.

Se esqueci de contar algo, mais uma vez perdão. No espaço de duas horas de uma experiência como essa acontecem tantas coisas. É um macrocosmo. Ainda tenho muito a explorar.

sábado, 7 de abril de 2012

O show da minha vida

Um amigo disse pela rede social recentemente que foi a um show e que, antes de ir, não tinha ideia de que estava para ver o show de sua vida. Essa sensação de ver uma banda ou um artista solo e sair do espetáculo com a impressão que o mundo parou... essa sensação é ótima. Lembro de um texto do Isay Weinfeld, na Folha de S. Paulo, sobre o show do Radiohead, em São Paulo, em março de 2009. Ele escreve "o que é aquilo que ontem passou por mim com tanta força". Não é preciso explicar muito mais, mas copio outro trecho aqui para os curiosos: "Thom Yorke, gênio encantado, cantor excelente e absurdamente carismático, te conduz com segurança e uma pontinha de satisfação a uma outra dimensão. Depois, fica muito difícil voltar... Nosso mundo aqui é bem mais chatinho."

Fica muito difícil voltar mesmo. Ainda mais se você acaba de passar pelo "show da sua vida". Essa reflexão me acompanhou depois de ter visto "The Wall - Live", do Roger Waters. Certamente, um espetáculo. Já na abertura meu coração pulou. A produção do show, muito competente, instalou um sistema de som que me dava a impressão de estar com um som surround mega ultra power. Eu não entendo dessa linguagem de som (teria de perguntar para o meu irmão caçula), mas eu me via cercada pela trilha sonora.

O começo do show The Wall - Live

Vou tentar explicar. Havia o palco e os tijolos cenográficos para compor o muro. E veio a música. No final, um som de avião sobrevoando... o Morumbi?! Por um instante, pareceu-me isso. Mas não era. Olhei para trás, iludida. Não tinha avião. Bem, eu não lembrava de The Wall. Vi quando era uma menina e a história não ficou na memória. Mas minha irmã Tati sabia tudo - ela esclarecia algumas coisas. De repente, metralhadoras. E então um avião cenográfico, que eu não tinha visto, desliza por um fio e se choca contra o muro. Uau. Fogos de artifício simulando bombas, a música se elevando. Meu coração pulando.

Roger Waters está ótimo. Que energia!


I believe! Yes, I believe, Mr. Waters.



Foi um início ferrado. E o restante do show teve uma série de momentos memoráveis. Sim, daqueles que você deveria contar para os seus filhos. Another Brick in The Wall, por exemplo. Incrível ver as crianças cantando junto, no palco, com o Roger Waters. E, claro, teve Comfortably Numb. Para ficar perfeito, perfeito... só com o David Gilmour aparecendo também.

Trecho de Another Brick in The Wall, com o coro de crianças


Um momento de Comfortably Numb, quando Roger Waters se dirige para a área onde eu estava



E com tudo isso posso dizer que foi o show da minha vida?

(...)

Não. E não me crucifiquem os fãs. O show foi muito, muito, muito bom. Certamente entra na lista dos top. Mas existe algo que manda mais na gente: a afinidade com a banda ou com o músico. Nesse sentido, por mais que eu tenha gostado do "The Wall - Live", e por mais que eu admire Pink Floyd e Roger Waters, eles não ocupam a porção mais alta do meu coração musical.

Esse lugar, o topo, permanece ocupado. Pelo Radiohead. Exatamente aquele show que fez o Isay Weinfeld perguntar o que foi aquela força que passou por ele. Aquela noite, o céu se juntou à terra. Para mim e mais para um monte de gente. Foi algo acima de qualquer poder descritivo que eu tenha. Então, neste minuto, digo: o show da minha vida foi o do Radiohead aqui em São Paulo.

Retirado do YouTube. Diz que é o show inteiro do Radiohead em SP. Não tenho certeza. A conferir


Este é meu videozinho, feito pelo celular. Radiohead - House of Cards

Dono do segundo lugar - mas que segundo lugar! - está o Morrissey, no show deste ano. O tanto que eu adoro esse cara poderia levar algum amigo meu a pensar que eu o colocaria sozinho no meu Olimpo musical. Eu realmente amo o Morrissey. Gostaria de ser amiga dele, mesmo ele não querendo ser meu amigo (algo facilmente imaginável em se tratando do bardo de Manchester). Se me perguntam se tenho ídolos, respondo que não. Não penso muito em ídolos. Mas se a pergunta muda para "O que é Morrissey pra vc?", eu diria algo como... "tudo". Praticamente meu ídolo (bem diz o Carlos Drummond: "lutar com as palavras é a luta mais vã"). Certo que são respostas com aquele ardor exagerado como de muitos fãs. Mas Morrissey fala por mim, como também fala o Moby.

Morrissey cantando "Let me kiss you". Show no Espaço das Américas

Aqui, um dos shows do Moby que eu vi. Estive em três apresentações do Moby no Brasil. Na primeira, ele falou comigo. No segundo show, ele sorriu pra mim #morri

Por que seu show não seria o número 1? Porque teve algumas míseras falhas técnicas (que não me perturbaram). E essas falhas não deixaram o show perfeito para uma parte do público. E teve uma exigência do Morrissey que eu considero que atrapalhou os demais. Ele não permitiu o uso de telões. Uma pena. Mas eu estava na pista vip (paguei caro por ser muito fã) e quase não percebi erros - nem senti falta dos telões. Uma hora o som teve um erro, deu uma microfonia e eu consegui sentir o Morrissey querendo fuzilar alguém. Só que ele não fez um ai, nem uma cara. Foi mais o olhar. Captei pelo olhar, que doido!

Amo este homem: Morrissey

O terceiro melhor show da minha vida? Tenho dúvidas. Pode ser o Roger Waters. Pode ser o Moby. Pode ser o Stereophonics, que também a-do-ro (ai, Kelly Jones, que voz vc tem. Ahn, Kelly, em questão, é nome do líder da banda, um cara do País de Gales). Pode ser o primeiro Echo & The Bunnymen que vi, no Anhembi, na primeira vez deles no Brasil. Pode ser o Chico Buarque (suspiros). Nossa, pode ser tanta coisa.

Do Chico eu vi o show Cariocas. Lindo


O mais legal agora é pensar que o show da minha vida pode estar para acontecer. Foo Fighters se apresenta daqui a pouco. Esperei muito tempo por eles. E também a-do-ro Dave Grohl. Difícil falar muito mais.

Sou uma pessoa muito musical. Notinhas musicais circulam nas minhas veias, me fazem dormir, me fazem acordar, pular, sonhar, respirar e esperar. Tenho muito para ver e ouvir ainda. Let´s rock.

By the way, qual o show da sua vida?

domingo, 1 de abril de 2012

Questão de princípios

Uma das coisas que aprendi depois de muito tempo é que é preciso respeitar a realidade ou os princípios dos outros. Ora, vejam só: descobri a pólvora. Mas, calma, isso é mais difícil do que nossa vã filosofia nos diz. A gente tende a acreditar que estamos certos e que os outros estão errados e merecem ou a cólera ou a piedade reservada aos ignorantes. Pobre deles! Não sabem o que fazem!

Claro que, na cabeça, sempre tive isso de respeitar os outros. Meus pais procuraram passar isso para mim - mais minha mãe para ser bem sincera. Meu pai, velho revolucionário, me ensinou a questionar teses e procurar verdades. No entanto, cobrava de mim o respeito aos mais velhos, aos tios, aos adultos, à família. Até hoje ele tem algumas coisas como reservar o lugar da cabeceira da mesa a uma pessoa supostamente mais importante (o que pode ser ele, nos dias em que o velho Ricardo está azedo). Minha mãe, por sua vez, me obrigava a ficar quietinha, no meu canto de criança, quando o assunto era de adultos. E se estávamos em visita na casa de uma amiga, por exemplo, não permitia que pegássemos mais de um pedaço do quitute oferecido. Então, eu pegava um pedaço de bolo e, se a dona oferecesse mais um, eu tinha de recusar ante o olhar da minha mãe. Ela não precisava falar nada. Não queria que abusássemos da hospitalidade porque, muitas vezes, visitávamos gente humilde, que oferecia a única coisa que tinha em casa. Podia ter a maior vontade pegar mais um doce, mas recusava porque eu não sabia se aquela mulher tinha ou não mais doces em casa. E se tivesse mais, eles deveriam ser reservados aos filhos. Não para mim.

Talvez meus pais tenham sido um pouco duros. Mas eu entendi. Eram questões importantes para eles. Os dois foram criados com muito sacrifício na Bolívia e não admitiriam nunca que seus filhos abusassem de outras famílias que também viviam seus dias de sacrifício. Não que fôssemos ricos. Nunca fomos. É que os dois sempre tiveram um certo status de liderança na comunidade boliviana. Desde muito pequena lembro de minha mãe sendo chamada por alguém para resolver um problema.

Esse princípio da solidariedade dos meus pais, de respeito aos mais velhos e humildes e a necessidade de enxergar a situação do outro são coisas que aprendi ainda pequena.

Certamente estabeleci outros conceitos para mim. Sou radicalmente contra a pena de morte e, nesse caso, não é fácil encontrar gente que compartilhe dessa ideia comigo. E também sou contra armas de fogo na mão de pessoas comuns. Já discuti com meu pai uma vez por conta disso. Sou pelo desarmamento. Ele acredita que uma pessoa "de bem", correta e tal tem o direito de adquirir uma arma, dentro das regras, para se defender e defender quem ama. Eu não creio que isso um dia possa dar certo (e quem é que vai determinar quem é "do bem" ou não?). Nunca nos entendemos nesses pontos.

Mas eu falava dessa mania de acharmos que sempre estamos certos. Na teoria, não confrontamos muitas coisas porque procuramos respeitar a diversidade de pensamentos, não é?! Na teoria. Isso ficou evidente para mim no dia em que ouvi a Regina Casé na primeira edição brasileira de um TEDx (evento independente do TED - Technology, Entertainment & Design, simplesmente o ciclo de debates que eu mais admiro hoje).

Regina falou de cultura popular e de como a mídia de massa não espelhava mais o que era popular. Isso pode soar um paradoxo... afinal a mídia não é de massa? Mas, de novo, achamos que estamos certos e que a realidade não pode ser diferente daquilo que imaginamos que seja. Até aí, eu estava acompanhando a palestra muito bem - e adorando, ressalte-se. Só que ela falou de música, uma seara que eu domino, certo?! Eu acho que entendo um tanto desse riscado. Não vou desmerecer meu conhecimento. O que me chamou atenção e revelou o quanto ajo com preconceito foi quando a Regina Casé passou a abordar o funk carioca e outros movimentos musicais que se alastram Brasil afora. Depois de tudo o que ela comentou, caiu a ficha em mim que eu não posso esculachar os funkeiros por eles realmente gostarem de funk. Meu gosto musical não é melhor nem pior do que o deles, por assim dizer. Ou melhor: eu posso gostar dos meus rocks ingleses, mas quem disse que é meu gosto que pode determinar o que é legal ou não para os ouvidos dos outros. Eu, de fato, não curto sertanejo (ou qualquer que seja a nomenclatura que se dê hoje), nem country, nem axé. Acho samba-enredo, em geral, uma pobreza. Mas não tenho de me chamar melhor do que os outros por conta disso. Não devo assumir a postura de tutor do gosto popular. Engraçado que eu não gosto de Roberto Carlos, mas nunca considerei "menor" o gosto das pessoas que são fãs dele. Mas com funk carioca eu tinha sim essa postura. Quase condenava quem curtia de verdade - e possivelmente intimidei um ou outro por causa disso.

Vídeo da apresentação da Regina Casé no TEDxSP, em novembro de 2009

De tudo o que ficou para mim de lição: continuo não gostando de funk carioca. Acho ruim. Mas não vou criticar mais quem gosta como se ele fosse um coitado. Quer curtir? Ora, curta. Desde que respeite meu espaço, ok. Evidentemente, não acho nada legal quem joga amplificadores poderosos no carro para espalhar músicas, sejam funks, pagodes ou Metallica, contaminando o sossego dos outros.

O ponto está em respeitar os outros. Michel Teló não me diz nada. Mesmo. Se o moço está fazendo sucesso e explodindo fora do País, bom para ele. E aí vem as pessoas que querem ser tutoras do gosto musical brasileiro reclamar que é Michel Teló e não Chico Buarque quem ganhou a capa de uma semanal. Bem, tem de haver espaço para todos. Não comprarei CD do Michel Teló. Não estou nem aí para a música dele. Mas isso não faz a menor diferença. Deixem o pessoal curtir. E, se isso aborrece, dê a chance de o pessoal conhecer outras coisas. Não se trata de empurrar goela abaixo. Mas de ampliar mesmo os horizontes. Conviver com a diversidade é assim.

Diz a Regina Casé que a gente, Brasil, pode se tornar a vanguarda antigueto do século XXI. Ela completa: tem alguma coisa que foi se processando e gerou uma maneira original de conviver com as diferenças. Regina não quer que o futuro do mundo seja um bailinho de terceira idade em que velhinho danço com velhinha... Também espero.

Agora vamos a outro ponto. Ontem foi a Hora do Planeta. É um ato simbólico organizado pelo WWF para provocar uma reflexão nas pessoas a respeito da necessidade de pouparmos recursos. Há um tempo venho apagando as luzes na data marcada. Gosto do movimento. Vai mudar o mundo? Não. Sempre que dá olho ao meu redor para ver se os vizinhos adotam o escuro, que nem eu. Nos anos anteriores, nunca vi essa adesão no meu bairro. O Bom Retiro não está nem aí para a Hora do Planeta. Desta vez vi um apartamento  ficar no escuro no horário marcado (20h30 às 21h30). Fiquei feliz.


As velas que acendi na casa pela Hora do Planeta (20h30 às 21h30)


Meu lado do Bom Retiro normalmente não adere ao movimento. Mas desta vez contei um apartamento participando da hora, além do meu

Ninguém obriga ninguém a apagar suas luzes. E eu não cobro dos vizinhos a adesão ao movimento. Não vejo as pessoas fazerem o mesmo. Mas também não sei como eles são em relação às questões ambientais. Eles reciclam o lixo? Reutilizam água? Doam roupas úteis?

Lembro de uma vez a Lu Alckmin falando de uma campanha do agasalho. Ela disse que as pessoas tinham de doar coisa boa. Isso porque estavam chegando coisas que certamente iriam para o lixo. Até uma calça com absorvente usado foi parar nas caixas de doação. O que é isso, afinal? As pessoas estão fazendo coisas para ficar em paz com a consciência, estão se livrando de lixo ou estão cientes do que é necessário fazer para diminuirmos o consumismo e podermos utilizar melhor os recursos naturais?

Virou uma praga taxar as pessoas que se importam como eco-chatos. Sim, existem eco-chatos. Mas não dá para diminuir o esforço de alguns por conta do preconceito. Mais uma vez, somos nós achando que sabemos de tudo e determinando se algo é legal ou não segundo nossas ideias. Está na hora de as pessoas procurarem se informar mais e deixarem de julgar tão pesadamente os outros. Claro que nessas de colocar tudo num mesmo balaio a gente comete injustiças e até ofende pessoas.

Vamos ser mais simples e respeitar os princípios alheios (certamente não incluo nisso propostas preconceituosas, que afetem o direito ou a vida dos outros, ou que não aceitam a diversidade). A gente tem de aprender a debater as questões decentemente, sem diminuir ninguém. Depois daquela vez da apresentação da Regina Casé, até parei de discutir ferozmente com meu pai a respeito de alguns pontos. Pensamos diferente em algumas coisas. Mas devo dar espaço para que meu pai explique por que vê o assunto daquela forma, em vez de tratá-lo como se não tivesse o direito de discordar de mim. Se eu encontrar argumentos que me parecem lógicos, vou apresentá-los, sim. Não preciso concordar com tudo.