domingo, 22 de abril de 2012

O homem de colete azul

O dia hoje, domingo, não está lá muito animador. Não corri logo cedo porque queria ver o GP do Bahrein. Eu gosto de Fórmula-1 e procuro ver as provas, mesmo que meus pilotos preferidos (Hamilton e Button) não estejam entre os favoritos da corrida.

Mas, deixando isso de lado, adiei minha prática. Estou na dúvida se corro no final da tarde no Parque da Luz. Minha irmã prefere tentar o Ibirapuera. Sei não. Não estou muito disposta a ver gente. Tenho meus dias de isolamento. Estou nele. Até porque o Lucca e a Laura não estão em casa. Então, fico sozinha com meus pensamentos. Tenho pensado muito. Questionando coisas da vida, questionando crenças. Nunca pensei que aconteceria um tsunami em mim. O tsunami que atingiu a Ásia anos atrás provocou o deslocamento do eixo da Terra (lembram-se?). O tsunami que passou por mim também provocou um deslocamento de eixo. Mexeu com minha cabeça, não apenas quimicamente, porém filosoficamente. É difícil explicar. Uma vez ouvi que não era necessária a psicologia para cuidar de uma certa pessoa (em uma certa situação), e sim a filosofia. Depois do que me aconteceu, comecei a entender isso.

Ontem eu já estava no meu estado "isolamento para filosofar". Na verdade, desde quinta-feira estava um tanto assim. A diferença é que a rotina te obriga a mudar o estado. De "on" p/ filosofia para "on" p/ os deveres cotidianos. Chegou o sábado e eu botei meus tênis de corrida, meu som, minha aparelhagem para calcular os quilômetros. E lá estava junto a cabeça filosofando.

Eu não queria ficar pensando tanto. Não mesmo (eu me canso, às vezes, de tantos questionamentos). Iniciei minha corrida. Aumentei o som ao máximo. Entrei na trilha. Tocou Moby. "Lordy, don't leave me/ all by myself". Ficou legal. E seguiu-se uma série de músicas que, de algum modo, acalmava minha sanha pensativa. Verdade que não era a ideal para acelerar os passos e seguir num ritmo forte. Uma hora, porém, o MP3 ia mudar o estilo.

Moby e seu "In This World", música que adoro

Daí cruzei com uma figura familiar, que fazia tempo não via. O homem de colete azul. É um coreano que caminha pelas trilhas do Parque da Luz. Sempre sozinho. É um senhor de cabelos brancos, mas não é tão velho assim. Vejo gente se movimentando com dificuldade pelo parque. Ou se amparando em bengalas. Ele não precisa de nada disso. Pelo menos, sempre achei isso nas outras vezes em que o encontrei. Desta vez, o homem de colete azul parecia cansado. Seu andar era mais lento. Teria ficado doente e se recuperado somente agora, retomando a atividade física?

Minha imaginação é forte e saio construindo histórias por onde quer que eu ande. Para saber com certeza, só perguntando. Mas o coreano mal olha no meu rosto. Na primeira vez em que a gente se cruza, acho que ele me reconhece. Depois, normalmente, mantém seus olhos fixos na trilha ou observando algo nas árvores. Não ouço sua voz. Aliás, nem sei se fala português.

O homem de colete azul, percebi ontem, me lembra um pouco o Mário, de Mario Bros (Nintendo). Dei risada quando pensei nisso. Ele usa o tal colete e um boné vermelho. Sempre! Talvez seja seu uniforme de caminhada.

O homem de colete azul me fez lembrar do Mário, da Nintendo

Se ele esteve doente, não tenho a resposta. Que ele está mais lento, é certo. Ontem corri bem. Tencionava fazer apenas 5 km, mas lembrei que o dia do Fila Night Run se aproxima. Não fiz ainda minha inscrição nessa prova, que será em Interlagos. No entanto, estou disposta a correr a prova. E correr 10 km, não 5. Por isso, ontem, chegando perto dos cinco quilômetros, resolvi dar uma volta a mais. "Vamos fazer sete, ok", dizia para mim.

Não estava correndo muito. Ritmo médio para garantir o cumprimento da meta. Mas cruzei poucas vezes com o dono do colete azul. Deu-me a impressão de que ele fazia longas pausas, sumindo em algum canto para descansar. Fiz sete quilômetros e me sentia ótima. Por que não continuar? Continuei.

O parque estava um tanto vazio. A chuva tinha espantado os frequentadores. Até eu atrasei minha partida rumo à corrida. Vesti minha roupa de runner (camiseta do Brasil e um short preto) e fiquei em casa dando um tempo - um amigo tinha tirado sarro de mim, dizendo para não usar isso como desculpa e colocar logo os pneus de chuva; eu não tinha visto a mensagem, só li depois. Quando a chuva se transformou numa garoinha, saí usando uma blusa preta (nada de pneu de chuva, hehehehe) que eu sabia que ia tirar assim que começasse a correr. Dito e feito.

O que me espantou - e alegrou em certa medida - foi ver outras pessoas em ação apesar do tempo inspirar o contrário. Uma mulher se cobriu com uma jaqueta comprida e com capuz. Botou a mochila na frente do corpo e saiu andando pela trilha. Dois coreanos foram caminhar segurando guarda-chuvas. E três coreanas também pegaram a trilha para a caminhada munidas de guarda-chuva. Foi até engraçado ver esse pessoal assim. Apenas eu e o "senhor Mário" não estávamos assim tão resguardados.

Corri bem. Pensava na trilha. Ouvia a música. Cantei em vez alta em alguns momentos, como quando tocou "First of the gang to die". E também com "Don't look back in anger".

Morrissey cantando "First of the gang to die" no show "Who Put The M on Manchester"

Estava no oitavo, entrando para o nono quilômetro. Decidi que faria os dez. Estava pensando nisso (e não filosofando sobre a vida, felizmente) quando encontrei o homem do colete azul. Estava numa subidinha em que duas árvores separam o caminho no meio. Corria e começava a sentir o esforço. Calculei que atingiria o ponto das árvores quando o coreano já tivesse passado por eles. Mas o "senhor Mário" não aderiu à minha ideia. Diminuiu o passo. Eu não queria diminuir. Recordo de um amigo dizendo que não é para diminuir na subida, e sim na descida.

Mantive o ritmo. Passei as duas árvores e... não é que o homem deu uma pequena fechada no meu caminho. Tive de desviar mais e correr na grama. Ah, ele me percebe! Talvez não goste muito de mim porque eu estou sempre ouvindo música e ele nunca está com fones (será que considera um sacrilégio fazer exercícios ouvindo música). Naquele instante no meu MP3 nem rolava um som tão agitado (e eu acredito que ele não "vaze", atrapalhando os outros). Tudo bem. O homem de colete azul não precisa gostar de mim. Não precisa me dizer "bom dia", não precisa facilitar minha corrida. Eu não sou nada para ele (só espero não aborrecê-lo). No entanto, ele se transformou em algo para mim naquele sábado. Fiquei curiosa com seu destino, com sua saúde, com sua história. Ele continua desconhecido. Mas me ajudou, sem saber, a me tirar do meu estado "filosofês".

Aqui, os dez quilômetros que corri no sábado (21/04)

Já que não posso falar direto para ele, vai aqui meu recado: o senhor não tem ideia, mas foi até legal para mim. Espero que esteja em boa saúde.

E assim vou correndo.

Oasis e "Don't look back in Anger", que cantei enquanto corria (coisa doida, né?!)

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