domingo, 1 de abril de 2012

Questão de princípios

Uma das coisas que aprendi depois de muito tempo é que é preciso respeitar a realidade ou os princípios dos outros. Ora, vejam só: descobri a pólvora. Mas, calma, isso é mais difícil do que nossa vã filosofia nos diz. A gente tende a acreditar que estamos certos e que os outros estão errados e merecem ou a cólera ou a piedade reservada aos ignorantes. Pobre deles! Não sabem o que fazem!

Claro que, na cabeça, sempre tive isso de respeitar os outros. Meus pais procuraram passar isso para mim - mais minha mãe para ser bem sincera. Meu pai, velho revolucionário, me ensinou a questionar teses e procurar verdades. No entanto, cobrava de mim o respeito aos mais velhos, aos tios, aos adultos, à família. Até hoje ele tem algumas coisas como reservar o lugar da cabeceira da mesa a uma pessoa supostamente mais importante (o que pode ser ele, nos dias em que o velho Ricardo está azedo). Minha mãe, por sua vez, me obrigava a ficar quietinha, no meu canto de criança, quando o assunto era de adultos. E se estávamos em visita na casa de uma amiga, por exemplo, não permitia que pegássemos mais de um pedaço do quitute oferecido. Então, eu pegava um pedaço de bolo e, se a dona oferecesse mais um, eu tinha de recusar ante o olhar da minha mãe. Ela não precisava falar nada. Não queria que abusássemos da hospitalidade porque, muitas vezes, visitávamos gente humilde, que oferecia a única coisa que tinha em casa. Podia ter a maior vontade pegar mais um doce, mas recusava porque eu não sabia se aquela mulher tinha ou não mais doces em casa. E se tivesse mais, eles deveriam ser reservados aos filhos. Não para mim.

Talvez meus pais tenham sido um pouco duros. Mas eu entendi. Eram questões importantes para eles. Os dois foram criados com muito sacrifício na Bolívia e não admitiriam nunca que seus filhos abusassem de outras famílias que também viviam seus dias de sacrifício. Não que fôssemos ricos. Nunca fomos. É que os dois sempre tiveram um certo status de liderança na comunidade boliviana. Desde muito pequena lembro de minha mãe sendo chamada por alguém para resolver um problema.

Esse princípio da solidariedade dos meus pais, de respeito aos mais velhos e humildes e a necessidade de enxergar a situação do outro são coisas que aprendi ainda pequena.

Certamente estabeleci outros conceitos para mim. Sou radicalmente contra a pena de morte e, nesse caso, não é fácil encontrar gente que compartilhe dessa ideia comigo. E também sou contra armas de fogo na mão de pessoas comuns. Já discuti com meu pai uma vez por conta disso. Sou pelo desarmamento. Ele acredita que uma pessoa "de bem", correta e tal tem o direito de adquirir uma arma, dentro das regras, para se defender e defender quem ama. Eu não creio que isso um dia possa dar certo (e quem é que vai determinar quem é "do bem" ou não?). Nunca nos entendemos nesses pontos.

Mas eu falava dessa mania de acharmos que sempre estamos certos. Na teoria, não confrontamos muitas coisas porque procuramos respeitar a diversidade de pensamentos, não é?! Na teoria. Isso ficou evidente para mim no dia em que ouvi a Regina Casé na primeira edição brasileira de um TEDx (evento independente do TED - Technology, Entertainment & Design, simplesmente o ciclo de debates que eu mais admiro hoje).

Regina falou de cultura popular e de como a mídia de massa não espelhava mais o que era popular. Isso pode soar um paradoxo... afinal a mídia não é de massa? Mas, de novo, achamos que estamos certos e que a realidade não pode ser diferente daquilo que imaginamos que seja. Até aí, eu estava acompanhando a palestra muito bem - e adorando, ressalte-se. Só que ela falou de música, uma seara que eu domino, certo?! Eu acho que entendo um tanto desse riscado. Não vou desmerecer meu conhecimento. O que me chamou atenção e revelou o quanto ajo com preconceito foi quando a Regina Casé passou a abordar o funk carioca e outros movimentos musicais que se alastram Brasil afora. Depois de tudo o que ela comentou, caiu a ficha em mim que eu não posso esculachar os funkeiros por eles realmente gostarem de funk. Meu gosto musical não é melhor nem pior do que o deles, por assim dizer. Ou melhor: eu posso gostar dos meus rocks ingleses, mas quem disse que é meu gosto que pode determinar o que é legal ou não para os ouvidos dos outros. Eu, de fato, não curto sertanejo (ou qualquer que seja a nomenclatura que se dê hoje), nem country, nem axé. Acho samba-enredo, em geral, uma pobreza. Mas não tenho de me chamar melhor do que os outros por conta disso. Não devo assumir a postura de tutor do gosto popular. Engraçado que eu não gosto de Roberto Carlos, mas nunca considerei "menor" o gosto das pessoas que são fãs dele. Mas com funk carioca eu tinha sim essa postura. Quase condenava quem curtia de verdade - e possivelmente intimidei um ou outro por causa disso.

Vídeo da apresentação da Regina Casé no TEDxSP, em novembro de 2009

De tudo o que ficou para mim de lição: continuo não gostando de funk carioca. Acho ruim. Mas não vou criticar mais quem gosta como se ele fosse um coitado. Quer curtir? Ora, curta. Desde que respeite meu espaço, ok. Evidentemente, não acho nada legal quem joga amplificadores poderosos no carro para espalhar músicas, sejam funks, pagodes ou Metallica, contaminando o sossego dos outros.

O ponto está em respeitar os outros. Michel Teló não me diz nada. Mesmo. Se o moço está fazendo sucesso e explodindo fora do País, bom para ele. E aí vem as pessoas que querem ser tutoras do gosto musical brasileiro reclamar que é Michel Teló e não Chico Buarque quem ganhou a capa de uma semanal. Bem, tem de haver espaço para todos. Não comprarei CD do Michel Teló. Não estou nem aí para a música dele. Mas isso não faz a menor diferença. Deixem o pessoal curtir. E, se isso aborrece, dê a chance de o pessoal conhecer outras coisas. Não se trata de empurrar goela abaixo. Mas de ampliar mesmo os horizontes. Conviver com a diversidade é assim.

Diz a Regina Casé que a gente, Brasil, pode se tornar a vanguarda antigueto do século XXI. Ela completa: tem alguma coisa que foi se processando e gerou uma maneira original de conviver com as diferenças. Regina não quer que o futuro do mundo seja um bailinho de terceira idade em que velhinho danço com velhinha... Também espero.

Agora vamos a outro ponto. Ontem foi a Hora do Planeta. É um ato simbólico organizado pelo WWF para provocar uma reflexão nas pessoas a respeito da necessidade de pouparmos recursos. Há um tempo venho apagando as luzes na data marcada. Gosto do movimento. Vai mudar o mundo? Não. Sempre que dá olho ao meu redor para ver se os vizinhos adotam o escuro, que nem eu. Nos anos anteriores, nunca vi essa adesão no meu bairro. O Bom Retiro não está nem aí para a Hora do Planeta. Desta vez vi um apartamento  ficar no escuro no horário marcado (20h30 às 21h30). Fiquei feliz.


As velas que acendi na casa pela Hora do Planeta (20h30 às 21h30)


Meu lado do Bom Retiro normalmente não adere ao movimento. Mas desta vez contei um apartamento participando da hora, além do meu

Ninguém obriga ninguém a apagar suas luzes. E eu não cobro dos vizinhos a adesão ao movimento. Não vejo as pessoas fazerem o mesmo. Mas também não sei como eles são em relação às questões ambientais. Eles reciclam o lixo? Reutilizam água? Doam roupas úteis?

Lembro de uma vez a Lu Alckmin falando de uma campanha do agasalho. Ela disse que as pessoas tinham de doar coisa boa. Isso porque estavam chegando coisas que certamente iriam para o lixo. Até uma calça com absorvente usado foi parar nas caixas de doação. O que é isso, afinal? As pessoas estão fazendo coisas para ficar em paz com a consciência, estão se livrando de lixo ou estão cientes do que é necessário fazer para diminuirmos o consumismo e podermos utilizar melhor os recursos naturais?

Virou uma praga taxar as pessoas que se importam como eco-chatos. Sim, existem eco-chatos. Mas não dá para diminuir o esforço de alguns por conta do preconceito. Mais uma vez, somos nós achando que sabemos de tudo e determinando se algo é legal ou não segundo nossas ideias. Está na hora de as pessoas procurarem se informar mais e deixarem de julgar tão pesadamente os outros. Claro que nessas de colocar tudo num mesmo balaio a gente comete injustiças e até ofende pessoas.

Vamos ser mais simples e respeitar os princípios alheios (certamente não incluo nisso propostas preconceituosas, que afetem o direito ou a vida dos outros, ou que não aceitam a diversidade). A gente tem de aprender a debater as questões decentemente, sem diminuir ninguém. Depois daquela vez da apresentação da Regina Casé, até parei de discutir ferozmente com meu pai a respeito de alguns pontos. Pensamos diferente em algumas coisas. Mas devo dar espaço para que meu pai explique por que vê o assunto daquela forma, em vez de tratá-lo como se não tivesse o direito de discordar de mim. Se eu encontrar argumentos que me parecem lógicos, vou apresentá-los, sim. Não preciso concordar com tudo.

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