terça-feira, 14 de novembro de 2023

Ó, vocês

Se os bancos falassem... Foto - Splash News (reprodução)

Descobri o homem pra mim. Ok, é uma piada. Mas podia ser verdade. Li uma matéria no Guardian sobre Keanu Reeves e, bem, é ele o homem da primeira frase.

Tinha uma curiosidade sobre certos acontecimentos que se diziam reais a respeito dele. Era um quadro de dor e tristeza que achava que podia ser tudo invenção. Como assim ele teve um filho que nasceu morto? Como assim a mãe do seu filho morreu de acidente pouco depois? Como assim a irmã dele teve uma doença grave (um câncer)?

Era um monte de "como assim".

Até que vi essa matéria do Guardian ("Keanu Reeves: 'Grief and loss, those things don't ever go away'"). Sim, tem dor e tristeza na vida dele. A namorada engravidou e tiveram uma filha, Ava. Quer dizer, ela nasceu morta. Dois anos depois a namorada morreu num acidente de carro. Sobre a irmã, ainda não sei.

Lia as palavras dele, lia as histórias narradas pela jornalista. E dizia comigo: é o homem pra mim. É do jeito que gosto. Meio outsider. Meio solitário (sem se queixar disso. Ótimo). Eu curto outsider? Não é bem isso. Mas vou tentar explicar citando uma história do Dave Grohl (vocalista e criador do Foo Fighters, caso alguém não saiba #blasfemia). Ele conta que, no tempo em que era do Nirvana e o grupo era convidado para um monte de festa, ele costumava dar uma geral no lugar antes de tentar se aproximar de uma garota. Sabe o cara que encosta num canto e faz um giro com o olhar para ver quem são as pessoas da festa? Esse cara era o Dave Grohl.

Depois da "análise", ele ia atrás da garota mais largada, mais abandonada, da que parecia bêbada, louca, rejeitada. Por que? Porque ele gostava da ideia de encontrar uma mulher legal e ajudá-la a sair da bad vibe. Parece um "tadinha. Tá sozinha. Vou lá". O que soa bem ruim. Mas ele achava que podia ajudar alguma garota bacana que ainda não tinha sido reconhecida como tal. E as mais lindas? Bom, na época do Nirvana, o Dave era um tanto esquisito. Dentuço, magrelo e desengonçado. Ao menos eu achava (hoje, não. Hoje tá perfeito). Além disso, a banda tinha o Kurt Cobain, bonito, geniozinho e com ar de quem precisa de ajuda. Que mulher ia resistir a isso e escolher o Dave quando tinha o Kurt por perto (até eu que prefiro mil vezes os morenos aos loiros)?

Dave disse que fez isso repetidas vezes. Entrava na festa, olhava, encontrava alguma alma perdida. Ia até lá e pronto. Tinha companhia. Até que um dia ele era o cara mais largado, abandonado, bêbado, louco e rejeitado da festa. E veio uma mulher e fez com Dave o mesmo que ele tinha feito com as almas perdidas. Ela o resgatou e, anos depois, se casaram.

Por que falei disso? Não é pra revelar que eu vou atrás dos mais largados, abandonados, bêbados, loucos, rejeitados da festa. Não. Não tenho essa vocação. Mas, sei lá, acho que entendo o Dave Grohl. Se vejo um sujeito mais quieto, meio solitário, que é reservado, isso atiça muito minha curiosidade.

Vestiu uma bota velha e desgastada sem ligar para isso? Humm, o cara que não se prende muito a padrões. Deve ser uma figura interessante. É isso. Dá vontade de acreditar numa fantasia e burilar e encontrar o diamante, sem chamar muito a atenção alheia.

Eu sei. É fantasia.


Este texto eu escrevi em 19 de maio de 2019. E publico agora do jeito que está. O Google me avisou que perderia o blog caso não o reativasse com uma conta Google, o que tratei de fazer.
Mas quem vai ler isto? Só eu mesmo.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Mil shows de São Paulo



SP faz aniversário e eu sempre lembro de coisas legais relacionadas à cidade.



Vou citar música, claro, porque música me inspira. 

Ontem, na véspera, fui a um show do Boca Livre no Sesc Bom Retiro. Foi bem legal por alguns motivos: nunca tinha visto o Boca Livre e eu gosto bastante das músicas deles; o Bom Retiro é meu bairro do coração - e o quarteto contou que fez sua estreia no Teatro Taib, no Bonrá (pertinho de casa); o dia estava bonito e eu curti ter passado no Sesc aquelas quase duas horas; show no Sesc é mais barato do que a maioria dos lugares onde vou para ver uma banda tocar.

Pensando nisso, peguei um vídeo curtinho que fiz na última canção apresentada ontem (Ponta de Areia). Só para embalar num ritmo suave. O Boca Livre disse que deve muito a SP. 



Lembrei de uma das frases de uma das músicas tocadas: o vento bateu dentro de mim. Naquela hora, o vento bateu mesmo dentro de mim e eu fiquei imaginando as razões que eu escreveria aqui para mostrar o quanto gosto de SP. São coisas do tipo show!

- Correr pelos parques. A gente não tem praia, mas tem muito parque bacana. O Ibirapuera é o que primeiro vem à mente quando você quer apresentar a cidade para alguém. Mas o meu favorito é o parque Jardim da Luz, o primeiro jardim botânico de SP



- Correr pelas ruas. Se não tem parque por perto, dá para escolher outros recantos. Quando comecei a correr, não via muito isso, de ver muita gente fazendo seus treinos pelas avenidas. Agora é bem mais comum. Não acho que é preciso fazer concurso de beleza pra correr no espaço urbano. O importante é começar a ter mais estrutura e mais adeptos. E em São Paulo isso está cada vez mais visível

Bowie, o border collie, me acompanhou numa corrida pelas ruas de Santana

- Ver shows. Alguns dos melhores que passam pela América Latina. Vem desde o artista blockbuster para o qual eu não ligo nem um pouco até a banda independente ou o cantor que você acha que pouca gente conhece (alguém já se pegou pensando que iria a um lugar onde haveria meia dúzia de gatos pingados e você descobre no local que o show lotou? Foi o que aconteceu, por exemplo, com Lokua Kanza no Sesc Pinheiros, uns bons anos atrás). 

Eddie Vedder


Jorge Drexler


- Fotografar a cidade. Ninguém precisa ser um profissional. Com alguns macetes, dá pra fazer belos  registros da Pauliceia Desvairada. Aliás, é esse lado que eu curto mais. Não que não existem bonitos ângulos para captar. Mas tem coisas que parecem que teriam de acontecer na loucura que é SP, cidade de gente que é apressada, que vive entre as paredes e o concreto, mas que vem redescobrindo o prazer de estar ao ar livre, de fazer uma pausa, de parar num cantinho e ver as pessoas passando, de voltar a pedalar, e de ver artistas, performances e movimentos nas ruas.

Ed. Martinelli

Auditório do Ibirapuera
Manifestação na Consolação

Corrida no Minhocão

Luzes no velho centro

A Paulista aberta

- Comida para todos os gostos. Como SP abraça todas as culturas, existe um universo gastronômico esperando por nós. Não falo só de restaurante exclusivo, chique, metido. Falo de opções. Para provar a comida boliviana, vale ir à feira Kantuta, perto do metrô Armênia. Para comer aquele que eu considero o melhor ceviche de SP, tem de ir para a rua Aurora, no centrão velho mesmo. Perto de casa tem um restaurante thai. Modesto, mas bom. E na mesma rua tem um restaurante de comida oriental em que um yakissoba muito bem feito e farto sai por R$ 25 o prato grande, suficiente para alimentar 3 pessoas. É possível também comer um ótimo filé de frango à cubana no Bom Retiro por cerca de R$ 60, um prato que serve 4 pessoas! 

Bom, este post vai subir agora porque tenho de correr para um show! Marcelo Jeneci & Tulipa Ruiz.

Preciso ir. Atualizo mais depois.

Feliz aniversário, São Paulo.




terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Sob o sol da Toscana. Mas em Santana. Ou... sob o céu de Londres. Mas em Santana

Uma porta é a razão da minha alegria. Uma porta?

Vou explicar.

Há uns bons anos escrevo contos, que mostrei para pouquíssimas pessoas. Alguns dos textos mais velhos estão amarelados em uma pasta antiga. Entre eles existe um em que falo de uma mulher que está para bater em uma porta. Desse ato, três ideias se descortinam. Três destinos. Três finais, todos parecendo ser a real situação vivida pela personagem. É um formato clichê (percebi depois). Mas quando escrevi o conto, no século passado, eu não sabia desses clichês.

Diversas vezes portas são evocadas para abrir a mente para situações misteriosas ou para explorar algo sem explicação aparente. Portas são representações tão comuns daquilo que está por vir que meio mundo já deve ter lido uma narrativa ficcional retratando as expectativas que cercam uma pessoa diante de uma porta. Bem, agora isto não é ficcional. Fiquei feliz por causa de uma porta de verdade, recentemente instalada na minha nova casa.

As portas e o imaginário. Foto: http://www.thedoorswarehouse.co.uk

Há motivos para o júbilo. Faz uns três meses que decidi, após estudar a proposta de um arquiteto, que meu quarto deixaria de ter uma janela para ter uma varanda no lugar. A porta em questão é dessa varanda. Eu não sabia, na ocasião, quanto "sofrimento" ela me traria. Não por causa dela. Mas devido ao tempo que tive de esperar para vê-la montada. Reforma pode ser uma delícia nos nossos sonhos (tudo vai ficar como imaginamos), mas custa muito, e não só no aspecto financeiro. Existe reforma sem que a pessoa sofra um pouco, um bocado, um tanto? 

Confesso que não esperava passar por tanta angústia por causa da decisão de ter uma varanda. Até porque a casa estava em bom estado. Precisava fazer apenas pequenas reformas para que ela tivesse a minha cara. Claro que o mundo sabe que, se uma reforma está marcada para durar um mês, você espera que seja concluída em dois e ela termina em três. Mas vamos lá... havia pouco a fazer. Não estava derrubando paredes. Ops, quer dizer...

Nas últimas semanas lembrei muito do filme Sob o Sol da Toscana. Eu não tinha adquirido uma propriedade como a do longa. Nem precisava fazer tanta coisa assim, como expliquei no parágrafo anterior. Mas tinha hora que me dava um desespero. Na verdade, o desespero começou logo no princípio. Depois que contratei os pedreiros e fiz com que eles e o arquiteto se entendessem, a parede da janela do meu quarto foi derrubada, fato que me estremeceu por dentro. Não foi a parede inteira. Somente uma parte. Porém foi difícil ver aquelas marretadas e não sentir que estavam destruindo o que eu tinha acabado de comprar. Depois que vi a janela arrancada – que foi posta no box do meu banheiro e lá ficou por semanas – tive dúvidas se o plano daria certo. Todos me tranquilizaram. Sim, daria certo e eu teria uma bela varanda.

Quantas angústias cabem numa reforma? (Cena do filme Sol o Sol da Toscana)

O maior problema disso era a porta. O desenho em si da varanda era simples. O material também (ela tem tijolos aparentes). O lance era a porta, que seria de correr, com três folhas: de alumínio branco, de vidro e de tela (porque eu não queria bichos entrando no meu quarto). Um dos pedreiros comentou que em 60 dias eu teria a porta que queria. Quase tive um treco. Tudo isso? O arquiteto e o serralheiro que contratei contestaram: ela ficaria pronta em 15 dias. Suspirei de alívio. Sendo assim, quando eu me mudasse, teria a varanda prontinha.

Ah, ilusão.

Eu me mudei sem ter a varanda. Por sinal, fiz a mudança num caos completo. Era uma semana tumultuada. Estava em um trabalho insano, que me obrigava a só pensar no trabalho. Mal pude arrumar as caixas da mudança. Mal pude ver o que estava sendo despachado. Mal consegui prestar atenção na equipe da transportadora. Ao chegar na nova casa, vindo com as duas gatas que moram conosco (Loony e Lizzy), meu novo lar era um mar de caixas. Mar e torre de caixas. Havia tanta coisa para arrumar que dava desespero. Só que eu não tinha tempo para me desesperar. Meu trabalho continuava insano e eu não podia abrir as caixas e organizar a vida. Deixei de lado por duas longas semanas. 

Também tive de "deixar de lado" o medinho de dormir no meu quarto. Isso porque havia um buraco na parede onde seria montada a porta. Aquele espaço só estava fechado porque colocaram uma folha de madeira (madeirite) no lugar da porta. E por que não havia porta? Os tais 15 dias prometidos tinham se transformado numa espera de tempo indefinido. O serralheiro tinha encomendado material com um fornecedor que simplesmente deu no pinote. Nem o salário dos funcionários o homem tinha pago. E assim, por causa de um caloteiro, fiquei sem porta.

Dias e dias com um improviso fechando minha varanda

Para que eu pudesse dormir no meu quarto improvisaram um tapume. Vivi meus primeiros dias na nova casa como se estivesse no dormitório do Drácula: a luz do sol mal entrava por causa daquele madeirite fechando a varanda. O serralheiro disse que procuraria outro fornecedor, mas pediu-me paciência. Acabaria demorando mais para a porta ficar pronta. E o que eu poderia fazer?

...

Quando morava no Bom Retiro, nos tempos de criança e adolescente, eu achava Santana o bairro mais bacana de São Paulo. Era minha visão da época, uma filha de bolivianos com pais que trabalhavam muito e que não tinham horas sobrando para levar a criançada a dar voltinhas pela cidade. Passeios eram quase sempre os mesmos: casa de parentes (poucos no Brasil), casa de amigos dos pais, zoológico (eba!). Praia era Santos e Guarujá. Família numerosa e de rendimento modesto tem de se adaptar ao possível. Naquele tempo eu não tinha como saber, mas a frase "é o que temos para hoje" cabia perfeitamente ao nosso cotidiano.

Por conta desse meu parco olhar sobre São Paulo, eu achava que Santana era o máximo. Acabei morando no bairro muitos anos depois. Aí, por circunstâncias da vida, ao ter de decidir meu destino, resolvi voltar ao bairro da infância, o Bom Retiro. Adoro a região. Simplesmente adoro. Fui feliz por um tempo lá. Gostava de andar pelas ruas, gostava do Parque da Luz (ou Jardim da Luz), meu parque favorito, gostava do apartamento onde vivia, que tinha uma varanda de nove metros (espetáculo que o velho centro permite). Aprendi a apreciar de outra forma o bairro onde cresci.

Na hora de buscar meu novo lar, tive de trocar o amado Bom Retiro por Santana. É que no Bom Retiro não há casas como a que eu queria: com um quintal onde pudesse fazer uma horta. Quase fui parar na Vila Mariana, bairro onde também morei (na fase adulta, solteira e sem maiores responsabilidades). Lá, encontrei uma casinha na qual cabia apenas um carro na garagem (por mim, tudo bem. Minha família é que dizia "melhor não"), porém tinha um quintal nos fundos. O maior problema, no meu entender, seria o gasto com pedreiros, eletricista, encanador, arquiteto, material de construção... E como ia gastar!

Ao entrar naquela casa fui pensando "reforma aqui, reforma ali, construir um banheiro aqui, ampliar a cozinha..." A mulher falava que, por ela, não sairia de lá, só o faria porque tinha se separado. Ah, meu deus. Fiquei com aquilo na cabeça. A cada visita em casas (na longa demanda pelo meu santo lar), conhecia as histórias das pessoas e me condoía ou simpatizava com a situação. Sou uma esponja nessas horas. Vou absorvendo as memórias de cada um e tentando extraí-las da mente depois para não influenciar minha avaliação. Não nasci com tino para esse tipo de negócio. Ou, então, poderia revolucionar o mercado, vendendo as casas e suas histórias. "Compre esta casa. Você não sabe como foi feliz a proprietária, mãe de dois moços. Ah, ela foi bem feliz. Tá vendo esta janela? Ela acabou mudando esta janela porque o filho mais velho era um danado. Não é que um dia ele resolveu ir para o quintal andando pela parte externa da casa? Hoje, o filho mora nos EUA, é um homem muito responsável e nem lembra disso. Mas ela, a mãe, lembra que por causa do mais velho mudou a janela, que ficou muito mais segura para quem tem filhos". 

Na casa da Vila Mariana, a dona era uma mulher jovem, com um filho de quatro anos. O marido tinha algo de francês porque o moleque tinha nome francês e falava francês melhor do que eu. A mulher também falava toda hora sobre a França. Apesar da simpatia dela, eu estava desanimada com todas aquelas coisas para reformar no interior da residência. Então, cheguei ao fundo da casa. Era uma área com três árvores (uma delas um limoeiro) e muitas plantas. No limite do terreno, havia um espaço que parecia uma lavanderia abandonada. A casa precisava de muito trabalho, só que eu fiquei tentada por causa daquele quintal. Não estava tão longe do metrô e tinha um espaço generoso cheio de plantas! Esse lugar foi o que esteve na minha preferência por um tempo.



Estava pensando se deveria investir naquele imóvel que exigia reformas extremas ou se deveria continua a buscar casas, quando me disseram: "procure em Santana". No começo, até tinha ido ao bairro, mas os corretores me apresentavam casas com os quintais todos reformados. "Olha que beleza. Todo de piso. Fácil de limpar. Como? Você quer plantas? Ah, mas aqui tem espaço para colocar vasos. Pode colocar um monte de vasos. Fica bom". Ficava frustrada toda vez que ouvia esse tipo de comentário. Porém, vi um anúncio de uma casa com uma boa área nos fundos e fui tentar a sorte. Foi assim que encontrei o que queria: uma casa com quintal, com terra, com grama. Meu novo lar tem até jabuticabeira dando fruta.

Não consegui me mudar rapidamente como pretendia. Descobri que eu não sei nada de casa. Não sei mesmo. Não sabia que escolher lustre é algo complexo. Não tinha ideia de que espelho é importante, embora eu não seja fã deles. Por que deveria saber que cotovelo é a mesma coisa que joelho, na linguagem dos pedreiros e construtores? Por que deveria imaginar que tudo que você encomenda é contado em dias úteis e não em dias corridos? A máxima socrática "Só sei que nada sei" nunca fez tanto sentido na minha vida como nos dias de preparativos da nova casa.

...


Bem, na minha primeira semana morando no novo endereço, o tempo se apresentou como se fosse o de Londres. Achei interessante ver Santana sob uma atmosfera brit. Isso me fez recordar de uns dias que passei na capital inglesa junto com a filhotinha e uma sobrinha. Ficamos num apartamento de espaço modesto, mas confortável no térreo de um prédio pequeno, perto da estação de Willesden Green. Era um lugar tão agradável que eu disse que gostaria de viver lá. Numa manhã fria, em que saí para correr, tirei a foto de uma casa dos arredores e postei no FB algo como "queria que minha nova casa fosse assim". Meu novo lar não se parece com aquela casa. No entanto, meus primeiros dias no novo endereço me remeteram diretamente para aquela temporada em Londres. O céu estava cinzento e chuvoso. Para muita gente poderia parecer triste. Para mim, não. Achei mágico.

Os primeiros dias da nova vida em Santana foram cinzentos e chuvosos. Quem consegue imaginar que encontraria lenha e friozinho em plena primavera paulistana?

(Por causa desse tempo, na minha primeira noite dormindo em casa tive de apelar ao edredom. O tapume que fechava a varanda não era o suficiente para barrar o friozinho que veio. Mas estava tudo bem. O clima me agradava.)

Na semana seguinte, o tempo mudou. Ficou quente. As obras e as torres de caixas continuavam atrapalhando meu dia a dia. Era uma tormenta viver naquela bagunça e com o calor que fazia. Os filhotes aceitaram aquilo na boa, de certo modo. Cada um tinha suas obrigações. Eu também. Ninguém conseguia ter tempo de se aborrecer com a zona, embora todos desejassem muito poder curtir a casa com os pés pra cima. Paciência, de novo, era a palavra mais importante.

Mas quando faz calor nesta terra, ah, faz calor. Para ficar no quintal tem de apelar para a sombra. Só assim

Precisei de mais outra semana até conseguir começar a colocar as coisas no lugar. O trabalho tinha se encerrado, no entanto eu ainda precisava me desligar do outro endereço. Em meio a tudo isso, obstáculos surgiram. Qual reforma não foi interrompida por "acidentes de percurso"? Dio santo!

Os dias foram passando assim. Meu canteiro de lavandas ficou pronto (sem as lavandas). Meu canteiro para a horta ficou pronto (sem a horta – toda essa parte "orgânica" eu deixei para fazer quando a reforma terminasse). O aquecedor solar foi instalado (depois de muita bronca) e está funcionando bem. O espelho do banheiro da filhotinha e os novos azulejos ficaram prontos. A troca da rede de água para fazer a lava-louça funcionar também ficou pronta.  Os novos eletrodomésticos, que comprei na Black Friday, chegaram. O granito preto que finalizava a reforma da cozinha também foi instalado. Só a porta da varanda que não vinha.

Com os percalços, meu humor foi variando. Exatamente como o tempo nesse período. Havia os dias muito quentes e os mais frios. Havia dias em que eu me deprimia e outros em que parecia que daria conta de fazer tudo. De novo, as ilusões. Toda hora eu pensava na reforma do filme Sob o sol da Toscana. O engraçado é que o filme passou estes dias na TV paga. Assisti, fiquei animada e depois melancólica. Onde poderia encontrar a alegria que se via no longa quando tudo ia chegando ao fim? Eu não encontrava. Porque parecia que meu "fim" não tinha fim. Tive dias de depressão mais pesada. Alguém já viu uma pessoa ter depressão em dias de reforma? Vinha gente me dizer “calma. Pense que você realizou um sonho: ter a casa que queria, com jardim”.

Era verdade. Eu pensava nisso. Mas quando olhava para o jardim e notava que, de tanta tranqueira sendo levada para cá e para lá (cimento, pedra, bloco, areia, caixas), ele já não estava tão bonito como nos primeiros dias, vinha uma tristeza. E tinha também o fato de o novo membro da família, Bowie, o border collie, detonar aqui e ali os canteiros e algumas plantas.

O jardim estava assim nos primeiros dias da reforma (pacotes de material de construção estavam empilhados na área da churrasqueira). Hoje, ele precisa de cuidados, depois de tantos carregamentos de coisas. Mas tudo bem. A gente se recupera 

Os dias estavam sendo difíceis. Até um dos pedreiros, o que vinha sempre em casa para fazer reparos, sentia aquela angústia pela porta. Tudo se encaixando aos poucos e nada... nada da minha varanda. “Eu falei que seriam 60 dias. Já está chegando a 90”, exagerava. 

Loony, a gata aventureira, observa o mundo atrás da porta, a que me trouxe alegria. Faltam detalhes para dar por encerrada a instalação da porta e assim a varanda ficar pronta

Até que, enfim, ela veio. Chegou tarde. Eram 18h da quinta-feira. O pedreiro já tinha ido embora. Apenas trouxeram a porta. Prometeram voltar no sábado para fazer a instalação. No sábado choveu forte e a instalação não pode ser completada. Agora a porta está lá, esperando a finalização. Minha varanda está quase pronta. No primeiro dia, não me atrevi a abrir as portas (são três, como contei mais acima). E se eu fizesse algo errado? Mas ver aquela estrutura montada, com sua moldura branca, me deu alegria. Não chega a ser como aquela torneira jorrando água no finzinho de Sob o Sol da Toscana. Mas logo estará assim. Quer dizer, a porta não vai jorrar água (#piadinha). Só que vou me sentar na varanda e escrever um texto ou rabiscar um desenho sobre qualquer coisa quando estiver lá, com as pernas soltas no espaço. 

Estou esperando esse momento. Já não é tão angustiante como foram os dias de novembro e o início deste dezembro. Enquanto isso, aproveitei uma bela manhã de sol no jardim para batucar estas letras. Desde o primeiro instante em que botei os pés nesta casa fiquei sonhando com a hora em que estaria no jardim escrevendo algo diferente das minhas demandas profissionais. Pois aqui estou, diante do gramado, sentada no meu banco de madeira de demolição vendo o Bowie fazer peraltices inocentes pelo jardim. É uma hora feliz. Ah, não! Ele atacou um canteiro. Mais um canteiro no currículo dele. Bem, nem todos os sonhos são perfeitos.

Ainda tem muita coisa para arrumar. Blocos de concreto, por exemplo, servem para proteger as plantas do lado "jardineiro" do Bowie. Tenho certeza que ele tem planos mirabolantes na cabeça para melhorar o jardim. Só não entendo quais são

domingo, 31 de maio de 2015

O dia em que me chamei Luana

Meu passaporte carimbado
Breve introdução

Comecei escrevendo a respeito do dia em que me chamei Luana no exato dia em que o fato aconteceu. Mas a data passou e ela não importa mais. Escrevia um post no Facebook sobre o dia em que subi a Machu Picchu. Como o achei incompleto (havia tanto a ser dito) e meus olhos se fechavam sob o peso do cansaço, publiquei o princípio do relato na rede social só para mim. Ficou um registro para que eu me lembrasse dele depois. Às vezes faço disso no Facebook. Ninguém precisa ler tudo o que escrevo, obviamente. Só que tem hora que esse “ninguém” é a mais pura verdade. Ninguém mesmo.

Agora, no entanto, posso escrever sobre esse dia. Tenho tempo e estou descansada. O detalhe é que a inspiração daquele dia se foi. Ou melhor, foi-se aquele grau de inspiração. Não vou recuperá-lo mais. Era como uma fagulha. Tudo o que eu poderia escrever influenciada por aquela fagulha mágica não tem como emergir. Poderia ter sido, talvez, o meu melhor texto. Quem diria. Meu melhor texto e ninguém o conheceu. Nem mesmo eu.

Deixemos de elucubrações. Vamos ao relato - e ao post até então exclusivo para meus olhos.

...

O post pra ninguém

Esta história deveria começar às 3h30 da madrugada, quando acordei para me preparar para Machu Picchu. Mas começará ao redor das 16h, quando atravessei uma das pontes que liga os dois lados da pequena cidade de Águas Calientes, a base para subir à cidade inca. Já estava no meio da ponte quando percebi:

Cruzando uma ponte de A. Calientes
- Ei, meninas, está acabando.
Uma das minhas duas companheiras de viagem deu seu costumeiro sorriso doce. Eu continuei.
- Hoje foi um dia cansativo pra caraio (mudei a palavra para não ofender leitores mais sensíveis). Mas estou feliz. Estou feliz por tudo que fizemos nestes dias.
Antes que meu discurso virasse uma coisa brega, apontei para o alto.
- E ainda estamos no meio destas montanhas. 
Parei e fiz alguma piada sobre alturas e montanhas para não deixar aquele momento ainda mais piegas... 

Mas é fato. Estes dias no Peru têm sido ótimos. Tivemos alguns perrengues (minha tendinite no indicador da mão direita no início da viagem e o mal da altitude, por exemplo). Porém esta jornada vai muito bem, obrigada.

Hoje estava programado para ser o ápice da nossa viagem. Mesmo ainda tendo alguns dias pela frente, creio que está confirmado para mim como ápice. 
No caminho de Machu Picchu, no ônibus

O caminho para Machu Picchu começou pra mim às 3h30 quando acordei para tomar banho e me arrumar para a jornada. Vesti segunda pele, camiseta, blusa, casaco (anorak). Virei uma cebola: estava vestida em camadas para enfrentar o frio da madrugada e o calor da montanha sob o sol. Chegamos à estação de ônibus na intenção de pegarmos o primeiro ônibus a chegar em Machu Picchu. Não conseguimos. Às 4h30 da manhã já tinha gente na fila. E o ônibus sairia às 5h30. Bem, pegamos o segundo.

Entramos em Machu Picchu bem cedo. Não eram nem 7h da manhã. Queríamos ver o sol subindo entre as montanhas e iluminando a cidade dos incas.

Visto o ‘nascer’ do sol entre as montanhas (falo mais outra hora), fomos encontrar o guia do grupo.”

Lendo agora, creio que este não seria o melhor texto da minha vida. Mas tudo bem. Vou seguir com o relato, dias depois de ter iniciado esta escrita.

...

Elvis em Machu Picchu? Eso no ecsiste 

No dia anterior à subida a Machu Picchu tínhamos conversado com um guia chamado Félix, com quem fechamos o tour. Ele disse que se não fosse ele a nos conduzir seria seu parceiro, Elvis. Claro que não esqueci esse nome. Chegando ao ponto de encontro (para onde fomos depois de termos visto o nascer do sol na cidade dos incas), tratei de buscar o Félix. Não o encontrei no local marcado. Sabíamos que o grupo se chamava Kosmos. Sem saber a aparência do Elvis, eu e minhas duas parceiras de viagem ficamos esperando alguém se manifestar ou perguntar pelo Kosmos (havia vários grupos no local, todos com nomes desse naipe). Enquanto isso, passei a fazer piadas infames (maldita mania). “Elvis no morió. El está en Machu Picchu”. Imaginei também como seria o Elvis. “E se ele viesse vestido de Elvis, com aquelas roupas brancas cheias de franjas. Ele poderia até cantar. Are you lonesome tonight...” 
Na noite anterior à subida, "invocando" proteção

Estava no maior embalo quando virei pra trás e fiquei vermelha e com o maior calor no rosto (efeito da vergonha). “Hola, Félix. Como estás?”. Felizmente (olha o trocadilho), não era o Elvis a escutar a piadinha. O Félix fez sinal de que estava tudo bem e eu me tranquilizei um pouco (apesar da vergonha). É provável que muitos tenham feito piadas com Elvis. Já estava achando que seria ele a nos levar no tour quando apareceu outro cara com um colete escrito Kosmos. Logo tasquei:

- Você é o Elvis?

- Não. Sou Wilfredo.

Epa, esse cara não estava na história. Bem, Elvis não apareceu mesmo. E quem ficou com a gente foi o Wilfredo. Como desforra involuntária, ele sacou do bolso um caderninho cheio de nomes e fez uma chamada ali no ato. Era para saber quem estava faltando. Lá pelas tantas falou:

- Luana Castellano?

Hein? Seria eu? Tinha alguma semelhança. Aguardei uma reação do grupo. Ficou o silêncio. Ele repetiu o nome e continuou sem resposta.

- Luana Castellano?

Hesitante, perguntei se não poderia ser o meu nome e o pronunciei. Wilfredo me olhou, um tanto confuso, e releu o caderninho.

- Cuantos más?

- Dos – e apontei minhas companheiras de férias. Na lista dele era Luana e mais duas pessoas. Seria eu?

O Félix, que voltava, fez que sim para o Wilfredo. Era eu.

Putz, ele não era Elvis. Nem eu, Luana. Mas era assim que estava escrito. Wilfredo corrigiu meu nome em cima da anotação e parecia que estava tudo bem. Mas a história não acaba assim.

O homem prosseguiu lendo nomes...

- Helena Tatiana?

- No. Mi nombre és Lena, no Helena. Esta és Tatiana – adiantei-me, apontando para uma das meninas que estavam comigo, mas ela me cutucou, pedindo para ficar quieta. É que uma mulher tinha erguido a mão. Era ela a Helena Tatiana. Surpreendi-me. Quem se chama Helena Tatiana?! Ok. E quem sou eu pra questionar esse tipo de coisa?! Eu me chamo Lena Karina. 

Nosso guia: Wilfredo
Antes de passarmos pela catraca do parque, Wilfredo foi ler de novo os nomes. O grupo era grande. 

- Fulano? Beltrano? Luana?

- Lena – corrigi.

- Lena – repetiu, escrevendo mais uma vez meu nome sobre o papel, que já devia estar bem rabiscado.

E na sequência da checagem dos nomes veio Helena Tatiana. Quase corrigi de novo ao ouvir “Helena”. Mas lembrei da moça e calei-me antes de causar mais confusão.

Passamos pela catraca. Andamos um pedaço. Ele ia explicar alguma coisa e, raios, resolveu ler os nomes de novo.

- Fulano? Beltrano? Luana? No! Luna?

- Lena!

Wilfredo fez um gesto no estilo “PQP”, impaciente com ele mesmo. Escreveu em cima do nome mais uma vez.

- Creo que hoy serás Luana.

Até me conformei.

...

O primeiro guia de Machu Picchu

Em 1911, o americano Hiram Bingham revelou MP ao mundo

Wilfredo foi um bom guia (na viagem que fiz pelo Peru contei com a ajuda de quatro guias, que foram legais, cada um a sua maneira). Gostei do estilo dele. Sério, consciente da necessidade de preservação do local e desejoso de valorizar a cultura peruana. Várias vezes ele tirou um livro da bolsa para falar mais sobre o lugar por onde andávamos. Qual? A cidade perdida dos incas, escrita por Hiram Bingham, o professor de Yale que revelou ao mundo a existência de Machu Picchu. Quer dizer, a cidade já era conhecida pelos campesinos locais. E até por outro cara, que deixou seu nome marcado numa pedra da cidade anos antes do achado de Bingham (heresia). Como Wilfredo observou, o sujeito não tem lá grandes méritos porque tirou proveito das coisas que encontrou na cidade perdida. Tanto que manteve em segredo a existência do lugar. Teria de ler mais a respeito para formar uma opinião sobre o cara. 

Sei que o que mais me empolgou foi a maneira como Bingham chegou ao local. Ele procurava Vilcabamba, a última cidade inca. Fez uma primeira tentativa. Nada. Fez outra. Nada. Aí, perguntou a um campesino, de sobrenome Arteaga, se sabia de algo. O homem respondeu que não, mas observou que tinha uma cidade nas alturas e escondida na mata. Depois, chamou o filho, Pablito, de 11 anos, para que ele levasse o americano para o lugar onde costumava brincar. Pablito é considerado o primeiro guia de Machu Picchu. Fotos do garoto estão no tal livro (que comprei em Cusco). 
Em 24 de maio de 2015 cheguei à cidade de Machu Picchu

Um dia glorioso em Machu Picchu. Para nunca esquecer

Que dizer?



...

Da cidade à montanha

Não vou me deter muito sobre Machu Picchu, a cidade. Tem tanta coisa a dizer que levaria um bocado de tempo numa mesa com cerveja para isso transcorrer na boa. Adorei cada momento lá. Aprendi um bocado. BTW, Wilfredo, você é bacana, mesmo me chamando de Luana.

Muita subida e descida. Mas com paciência se chega longe

O importante a destacar é que, para mim, o esforço de andar pela cidade não foi lá pesado. Sim, tem escadarias, tem a parte alta. Mas tirei de letra – vamos lá... estou correndo há três anos (ainda que meus treinos sejam muito irregulares). Encontrei três bolivianas de La Paz que ficavam esbaforidas. Estavam fora de forma e deviam ser sedentárias. E não tem nada a ver a altitude nesse caso. La Paz está muito mais alto do que Machu Picchu. Aliás, a cidade está a “apenas” 2.400 metros acima do mar. Cusco está a 3.400. Ou seja, nem para a gente – eu e minhas duas parceiras – aquela altura estava afetando. O que afetava era o sol na hora do tour. Do frio da manhã, antes do amanhecer, àquele horário a temperatura deu um salto. Eu já imaginava. Por isso, vesti-me feito cebola. Com o passar das horas, as camadas de roupa que eu tinha foram entrando na mochila. O calor se instaurou no local. 

Nós, as três, esperando o sol iluminar MP. Estava bem frio. Não eram 6h

A gente tinha um acesso que incluía a subida à montanha. Por causa desse ingresso extra plus mega especial, podíamos sair e voltar três vezes ao sítio arqueológico. Mas havia um horário para que entrássemos na área da montanha. Lá fomos nós a esse trecho, orientadas pelo Wilfredo, que encerrou o tour com o grupo todo no mesmo momento. Foi simpático. Ele agradeceu e saiu de cena como um artista que deixa o palco. 

A montanha Machu Picchu é aquela ali, ó. Alta, não?
Pegamos o caminho da subida (tinha de ser pela parte mais alta), nos desviamos de algumas lhamas, que atraiam os visitantes e enveredamos num caminho estreito. Lá, havia um controle de acesso. Vimos quando chegaram algumas pessoas perguntando o que poderiam fazer para subir a montanha. O cara respondeu que nada poderiam fazer, que deveriam ter comprado antes o acesso. “Benza Deus, Liliana”, pensei, agradecendo mentalmente à chefe da agência que organizou todos nossos tours nos dias em que ficamos em Cusco.

Assim, saímos da cidade e começamos a subida da montanha Machu Picchu, a que deu nome ao local descoberto por Bingham. Os primeiros metros até me pareceram fáceis. Hey, há três anos que corro. Fácil?! Tudo ilusão. O caminho é constituído basicamente de escadas. A montanha tem cerca de 3.100 metros. É maior do que o Huayna Picchu (montanha jovem), que fica em frente à cidade dos incas e que aparece em todas as fotos. Alguém me disse que o Huayna Picchu tem 700 degraus. Machu Picchu deve ter duas vezes mais... Chute, mero chute. Mas a trilha é punk. Na primeira vez em que tive de subir apoiando-me também nas mãos, com degraus estreitos, pequenos e íngremes, ainda nos metros iniciais, tive consciência de que a tarefa seria complicada. No topo da montanha há mais um controle, que fecha o acesso às 12h30. A razão eu não sei. Deve ser medo de que alguém fique mais tempo lá e não consiga voltar. Subir é difícil. Descer também. 

As subidas na cidade não me cansaram

Minhas parceiras no início da trilha
Fomos subindo, subindo, subindo. Eu doida para ver terrenos “planos”. Tudo o que não tinha escada eu dizia que era plano. Minhas companheiras de viagem responderam que não era plano. Claro que não era. Só não era escada, o que soava como alívio. O sol castigava também. Havia trechos de sombra e havia trechos de calor forte, com os raios castigando a gente. E havia trechos de abismo. Não escorreguei nenhuma vez, nem dei topadas. Mas a subida exigia muito dos músculos, principalmente das minhas pernas curtas – eu tinha de fazer um esforço maior para galgar certos degraus. Chegou uma fase em que eu liderava o trio e escolhia os momentos para dar uma descansada (procurava sempre sombras).

Numa dessas, vimos uma brasileira subindo. O marido tinha ficado para trás e iria alcança-la no topo. Era esse o combinado.

- Qual é o seu nome mesmo? – perguntou-me ela.

- Lena.

- Ah, é você. Aquela que o guia chamava de Luana.

Rimos.

A moça em questão era a Helena Tatiana. 

Ela prosseguiu a subida. Estar sozinha às vezes facilita. Nós continuamos a subida, sentindo o esforço e o calor. Esqueci de contar que antes de avançar muito eu tirei a roupa em plena trilha. Calma. Não foi nada demais. Eu estava com uma camiseta no estilo segunda pele debaixo de uma camiseta de manga curta. Tive de tirar a segunda pele porque estava quente demais. Aproveitei um momento em que estávamos somente as três naquele pedaço da trilha e executei meu breve striptease. Não foi nada demais realmente. 

Degraus grandes, pequenos, à beira do abismo. Tinha de tudo
Já estávamos com quase duas horas de subida, mais ou menos, quando as forças se foram. Acho que eu ainda teria gás para tentar galgar mais degraus. Mas minhas parceiras já não conseguiam. Então, encontramos uma clareira, de onde víamos o topo e a estreita e a tortuosa passagem até o alto da montanha. Nesse espaço, também enxergávamos o Huayna Picchu e a cidade. Tudo láááááá embaixo... No primeiro instante, bateu a sensação de fracasso. Afinal, a escada para o céu estava ali, nos desafiando. Mas havia também a preocupação com o bem-estar. A subida tinha custado caro a minhas parceiras. E não chegaríamos ao topo até às 12h30. Ou seja, fizemos uma escolha consciente. Eu não queria seguir adiante quando minhas companheiras queriam começar a descida naquela hora. 

Desse modo, depois de tirarmos umas fotos e aspirarmos o ar da montanha, descemos. Embora meus músculos fossem menos exigidos, minha concentração teve de aumentar. Talvez eu não seja uma pessoa muito preparada para descidas. Além disso, creio que por ser pequena meu corpo acaba sendo projetado muito para frente. Se a descida é muito forte, a gravidade vai me jogando mesmo. Não consigo impedir muito meu corpo de cair ladeira abaixo. Usei bastante os “freios” do tênis (um calçado apropriado para trekking). Mais para o final da trilha, senti dois dedos meio esfolados de tanto que tive de frear a descida. 

As três com o rio Urubamba ao fundo. Ainda subimos muito mais depois desse lugar


O longo caminho, com acesso separado. Não adianta ter ticket para a cidade


Quando passamos pelo abismo, deu um bolo na garganta. Eu estava preocupada com uma das meninas que tem medo de altura. Lamentei não estar na frente naquela hora. Acreditava que isso poderia ser melhor. Como isso poderia ser melhor, não tenho ideia. Mas, de qualquer forma, ela foi bem. Mesmo com medo, agarrou-se à parede e às pedras e desse jeito foi descendo os degraus que tinham uma profunda queda à direita.

Eu e Tati até onde conseguimos subir: a cidade está lá embaixo
A volta foi muito mais rápida que a ida. No fim, chegamos ao “controle” e nos deparamos com dois argentinos, que logo sacaram que somos brasileiras. 

- Hey, Brasil, vocês chegaram ao topo?

- Não – respondi, apertando os lábios, num sinal de desapontamento. - Chegamos perto.

- Ah, foi como na Copa...

O que eu podia dizer?

- É. Foi.

Mas, por outro lado, não foi 7 a 1. Perdemos para a montanha, como muitos perderam. Porém termos chegado até onde chegamos constitui uma pequena vitória. Se tivéssemos iniciado a trajetória mais cedo, poderíamos ter dosado mais a energia e, quem sabe, teríamos alcançado o topo. Não sei. De toda forma, o que ganhamos foi importante. Depois daquela primeira sensação amarga de vermos o alto da montanha sem atingi-lo, veio o reconhecimento do esforço. Bastava olhar para baixo. Aquela montanha não é para qualquer um. A gente encarou. Não chegamos lá em cima, ok. Mas ter feito essa jornada foi muito legal. Só posso agradecer o momento que vivemos lá.

Fora que... bem, isso me dá alento a tentar de novo. Talvez em dois anos eu volte para Machu Picchu. Aí vou enfrentar a montanha mais uma vez. Mais cedo. E com mais preparo, espero. Aguarde-me, velha montanha.

Alegria, meninas, que a jornada foi dura, mas valeu a pena

De volta da subida. Junto comigo, Colin, o coelho viajante
...





O amanhecer 


A cidade ainda sem estar banhada pelo sol
Quando alguém diz que vai ver o nascer do sol em Machu Picchu, é possível que se pense em um horizonte largo e o brilho dos primeiros raios da manhã invadindo a cidade e as pupilas. Não é assim.

O dia amanhece e você ainda está no ônibus subindo uns dois ou três quilômetros até a entrada do parque (tem gente que faz esse caminho a pé). Ver o nascer do sol em Machu Picchu é, na verdade, ver o momento em que o sol ultrapassa a altura das montanhas e começa a iluminar, pouco a pouco, a cidade dos incas.

É um tanto difícil descrever a sensação. Acho que depende um tanto da sensibilidade da pessoa. Eu estava disposta a vivenciar bem aquele momento. Despi-me de vários racionalismos. Senti o frio, tremi um pouco. Enquanto o sol não chega, a temperatura parece ser menor do que é. Faz todo sentido que os incas venerem Inti, o astro-rei.

Enquanto aguardava o amanhecer, observei as pessoas. A imensa maioria preparava suas máquinas. Muitos sorriam. Todo mundo encapotado. Os cliques soavam aos montes. Registros, registros, registros. E por que não? Um instante como aquele fica na memória, mas também pode ficar em fotos e vídeos.


Colin antes do "amanhecer"
Então, os primeiros raios saíram por trás das montanhas. Foi uma pequena comoção. Eu senti um calorzinho subindo. Possivelmente vinha do coração. Os raios atingiram o alto do Huayna Picchu. Não havia som, não havia música, exceto o murmúrio das pessoas e do vento. Aquilo me pareceu tão lindo que senti os olhos marejarem. Ah, eu não sou disso. Porém aquilo era realmente tocante. O sol se erguia, lentamente e a cidade se iluminava. Pensei em amigos, em pessoas queridas, em gente que eu queria por perto, mas que estava longe. Os olhos se umedeceram ainda mais. Comecei a agradecer. Foi um ato quase impensado. Simplesmente brotou na minha mente uma série de “obrigada, obrigada, obrigada”. Agradeci um monte. Pensei de novo nos amigos. Pedi que todos sejam felizes. Soa bobo. Óbvio. Discurso de miss. Mas foi sincero. 

Ver o sol nascer em Machu Picchu é uma experiência que penetra na alma e arranca sensações que você até podia achar que dormiam, mas que existem. Em Machu Picchu senti-me mais perto da vida do que poderia imaginar. Deve ser coisa dos apus. Não sabe o que é apu? Está aí algo bom para pesquisar. ;) 

(*Ou leia mais abaixo*)


Atrás da cidade tem essa cadeia de montanhas. O sol avança


O povo esperando Inti chegar
O sol lançando seus raios sobre o Huayna Picchu

O sol, enfim



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Thanks

De novo, tenho muito a agradecer. Viajar ao Peru é algo incrível. E foi ainda melhor graças às minhas companhias. Às pessoas que ajudaram nesse trajeto mais diretamente (valeu, guias!). Às pessoas que estavam distantes, mas que ficaram em meus pensamentos. Elas sempre me dão alento. Enfim...
Tenho 200 mil fotos registrando esses 11 dias. Mas aqui só vou colocar mais algumas relativas a Machu Picchu, entre a chegada e a partida.
Ah, sim: Apus são as montanhas. Ou o espírito das montanhas. Os incas admiravam toda aquela cadeia, todas aquelas alturas. Eram sagradas. Quando olhar para uma montanha, tenha respeito. Sempre.
:)

Backpackers partindo de Águas Calientes. E a gente chegando...



Nosso lado backpacker. Ah! Mochila grande como essa não entra em MP (um visitante morreu pq foi atingido pela mochila de um cara que tinha se virado de repente. Ele se desequilibrou e despencou de um andar p/ outro, caindo sobre pedras)


Águas Calientes é uma cidadezinha bem pequenina

Chegamos em MP e nos instalamos aqui primeiro. Estava feliz como criança

Há muita coisa a aprender em MP. Recomendo guia

Alguém me chamou?


É tanta beleza ;)


Espelhos d´água. Para ver estrelas? Não há certeza disso. Detalhe do reflexo. Junte cabeça e corpo :P


E tem muita vida na cidade. Flores e pássaros


As três janelas!


Colin e a casa do vigilante lá no alto


Thanks!