domingo, 30 de dezembro de 2012

O tigre e o extraordinário

Faz um tempinho que manifestei meu desejo de ver "As aventuras de Pi", de Ang Lee, que concorre ao Globo de Ouro de melhor filme, diretor, trilha sonora e que deve receber também indicações ao Oscar. Confesso que a primeira coisa que me atraiu nele foi a figura soberana de um tigre de Bengala. Adoro tigres. Adoro grandes felinos - e os pequenos também. Sou uma cat lover.


"As Aventuras de Pi", de Ang Lee, conta a história do jovem Pi que viaja com sua família da Índia para o Canadá, com os animais do zoológico de seu pai. O navio afunda e restam ele, Pi e o tigre, à deriva no mar. Foto: divulgação

Assim que vi o trailer no YouTube, meses antes de o filme entrar em cartaz, eu me prendi à história: um jovem náufrago em um bote com um tigre, os dois lutando para sobreviver. A proposta em si já desafia a mente. Ainda mais uma mente como a minha, tão apaixonada que sou por tigres e tão sabedora dos perigos de se lidar com animais selvagens (não se iluda: eles não são amiguinhos fofinhos. Se tem dúvida, veja o documentário "O homem urso", de Werner Herzog). Observação: digo sabedora porque há dois assuntos em que me considero boa de fato, que são música e bichos.



Outro apelo forte - e que bela estratégia de comunicação para divulgar o longa - é o lema do filme: acredite no extraordinário. Muito bem! Eu sou filha de bolivianos. E o que tem isso? Talvez seja a sorte de ter nascido na minha família, porém carrego em mim a crença de que latino-americanos têm a tendência de narrativas de realismo fantástico, uma característica forte entre meus parentes. Quando eu leio Gabriel Garcia Marquez ou Isabel Allende ou Manuel Scorza, eu penso na minha família. Na minha mãe contando histórias. Nas aventuras relatadas pelo meu pai (que "caçava tigres", embora eu dissesse que tigres não são nativos da América e ele me respondesse "pois nós dizíamos tigres"). E em outras tantas vezes em que ouvi de tios, primos ou amigos de meus pais casos em que havia um quê de mistério, de fantasia. Cresci ouvindo histórias assim. Eu tinha mesmo de gostar de narrativas extraordinárias. Tinha de gostar de realismo fantástico.


O filme concorre ao Globo de Ouro de melhor filme, direção e trilha sonora. Deve receber indicações ao Oscar. Foto: divulgação

Depois desse preâmbulo, vamos ao filme. Resolvi escrever sobre ele porque estou pensando nele. "As aventuras de Pi" é uma daquelas obras que guardarei bem na memória pelo espetáculo que me proporcionou aos sentidos. Gosto de Ang Lee. Sua versão de "Razão e Sensibilidade", com Emma Thompson, é arrebatadora. E falo isso como fã ardorosa dos livros de Jane Austen. Curto tanto "Razão e sensibilidade" que já fui motivo de chacota do ex-marido. Mas também adoro "O tigre e o dragão". Nesse filme, é sublime o amor não-consumado de Li Mu Bai pela lutadora que também enfrenta a ladra da espada “Destino Verde” (quando está morrendo, Li Mu Bai diz que desperdiçou sua vida e que amava a lutadora, e que prefere ser um fantasma cavalgando ao lado dela em vez de entrar para a eternidade sem ela). Eu esqueci o nome da personagem, que também ama o mestre de kung-fu.

Outros filmes de Ang Lee:


O Tigre e o Dragão



Razão e Sensibilidade



O Segredo de Brokeback Mountain





Ang Lee tem um cuidado especial com a paisagem, com a fotografia e com a poesia das cenas. A história pode ser uma luta de kung-fu, um romance do século XIX na Inglaterra, ou um naufrágio no Pacífico. Ele constrói imagens que arrebatam. E posso dizer que, pela primeira vez, vi sentido total no 3D. A tecnologia adotada é um elemento que dá mais força à narrativa. Ok, a história é boa também mesmo sem a terceira dimensão. Mas o recurso vale muito a pena.

Ang Lee produz imagens belíssimas. É uma marca sua. E ele soube utilizar muito bem a tecnologia em favor da narrativa. Foto: divulgação

O esmero em criar as cenas das tormentas e tempestades é tanto que teve horas em que senti certo enjoo do mar. Eu não costumo enjoar em cruzeiros (que são navios obviamente muito maiores do que o bote do longa-metragem). Então, é curioso que eu tenha passado por isso no cinema. Aquele sacudir, aquele balanço que causou enjoos para o tigre na história me abalou igualmente, influenciada que fui pelas imagens.

Li que o diretor afirmou que esse foi seu projeto mais difícil. Foram quatro anos para realizar o longa. Ele voltou para sua terra, Taiwan, para construir um tanque imenso onde foram feitas muitas partes das cenas no mar. Li ainda que Ang Lee, agnóstico declarado, até voltara a rezar. Cansado que estava da complexidade que criara para ele.


Mas o esforço valeu.

Recomendo que se veja o filme em 3D. Vale cada real a mais. Foto: divulgação


Não pretendo revelar detalhes importantes da história. Colocarei uma ou outra coisa, porém vou sinalizar o spoiler. Assim, quem não quiser saber do trecho em questão, bastará pular o parágrafo.

Alguém escreveu que “As aventuras de Pi” não são exatamente para crianças, que podem se sentir seduzidas pela figura do tigre. Acho que o longa não é mesmo para os muitos pequenos, mas dá para assistir. Outro crítico apontou que haverá gente a se irritar com a mensagem religiosa – ou de fé – no filme. Mais do que religião – e isso tem mesmo –, vi ali questões filosóficas que eu não sei responder.

Vivo meu processo particular de questionar a vida, e nisso questiono muito minha pessoa também. Vendo o filme, veio à tona um pouco desse meu debate interno. Até que ponto, afinal, conseguimos ou devemos suportar desafios? Até a corda arrebentar, até virarmos para o céu de tempestade e gritarmos: “pode vir. Estou pronto”?

Ao falar disso, relembro uma cena forte.




SPOILER.




O mar revolto e as tempestades acabam sendo personagens do filme também. Foto: divulgação

Não leia se não viu o filme.

SPOILER.

Depois de muita superação – com água e peixes obtidos na sorte e no esforço, o que ainda assim não basta aos dois, o náufrago e o felino –, Pi se confronta com mais uma tempestade. Ele e o tigre, que se chama Richard Parker (ótima sacada), estão debilitados, magros, moribundos. E vem a tormenta. Pi se ergue e grita aos céus que está feliz por ir ao encontro de sua família (que tinha morrido no naufrágio). Ele questiona Deus por ter tirado tudo dele. A família, o amor (ele deixou a namorada na Índia), seu país (a família estava de mudança para o Canadá). E Pi tira a lona que cobre parte do bote, local onde o tigre se abriga. E grita para Richard Parker olhar aquela beleza. E a tempestade e as ondas caem sobre eles. Sinto o sofrimento do tigre, que está mais desprotegido do que nunca. O animal não vê beleza alguma na fúria da natureza. Ele enxerga apenas a destruição. Pi, meio louco pela dor e atordoado pelas consequências da inanição, enfim se entrega. E grita que a morte pode buscá-lo. Ele está pronto. É uma cena tão intensa que não aguentei. Chorei. E outros choraram no cinema. A gente não está preparado para ver alguém entregando os pontos. Na sequência, Pi recobra um pouco da razão e corre a estender a lona e amarrá-la no bote, fechando-o e protegendo-o do baque das fortes ondas. Entendo que o sofrimento do tigre o traz de volta.


FIM DO SPOILER.


Pode voltar a ler agora, se você não viu o filme.


FIM DO SPOILER



O que você faria numa situação dessas? Foto: divulgação


Pode ser que o filme pareça longo. Pode ser. No entanto, eu gostei de tudo, do princípio ao fim. Mesmo da abertura, com cenas de bichos em 3D e nenhum diálogo, só a música funcionando como elemento integrador. Eu já disse que gosto de bichos, e, se você não sabe, a trama se trata da família de Pi, que tem um zoológico numa região da Índia que já pertenceu à França. Então, tem uma parte que acontece na escola (infância de Pi), outra nas viagens da família (momento em que Pi se depara com as diferenças e bases de três linhas religiosas, a hindu, a católica e a muçulmana), e aí vem o centro da história, que se passa no mar e também numa ilha misteriosa (ei, J.J. Abrahams, o que você achou disso? Que tal Lost ali?). O final se dá num hospital. Quer dizer, tudo isso acontece na narração de Pi, que é procurado por um escritor interessado em sua história extraordinária.


A narrativa de Pi soa inacreditável e, no finzinho do que ele conta ao escritor, diz que teve de dar uma outra versão para os representantes da seguradora do navio que afundou. Eles não queriam aceitar sua história. Então, Pi faz uma apresentação mais crível dos fatos, para satisfazer os japoneses (a bandeira do navio era japonesa). Ah, a burocracia!

Para quem gosta de bichos, como eu, é a festa. Dá quase uma Nat Geo com o "milagre" da multiplicação digital. Aqui, suricatos em uma ilha que parecia a redenção, mas que se revela outra coisa. Será? Foto: divulgação

Agora, sem maiores delongas: atente para a trilha sonora. É boa mesmo. Envolva-se pela direção, muito bem executada (parabéns, Ang Lee). Aprecie a interpretação do ator que faz o Pi jovem, o náufrago. Chore, se sentir vontade, quando ele é obrigado a abrir mão de seus princípios em função da tragédia (isso está claro no longa). Ou não chore (afinal, é só um filme). Ria da temática religiosa. Ou respeite as dúvidas que Pi tem. Encante-se com as cenas noturnas produzidas pela computação (como resistir aos peixes, algas e plânctons fosforescentes?) e com o 3D perfeitamente utilizado. Admire a recriação digital de animais (há uma ampla variedade, dos bichos do zoológico aos suricatos da ilha misteriosa. Eu me prendi ao estado doloroso de uma zebra e aos gestos e olhares de um orangotango fêmea chamada de Suco de Laranja. Ah, como senti por você, Suco de Laranja). Renda-se à majestosa – e assustadora e até vingadora – figura do tigre. Questione-se quando você teria morrido ou matado (na saída do cinema, a gente comentava isso: um teria morrido dormindo, sem perceber a tempestade; outro teria morrido afogado; mais de um teria matado o tigre logo de cara). Pergunte-se por que exatamente Pi sofre ao ser finalmente resgatado. O que quer dizer aquilo? Qual o fundo da história? E faça sua escolha: a narrativa de Pi ou a versão que ele deu aos japoneses. Em qual você prefere acreditar?

Mais sobre o filme:




quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

São Silvestre, minha meta do ano

Um ano atrás eu estabeleci minha principal meta de 2012: correr a São Silvestre. Talvez não seja exatamente a principal (tive outras), mas vamos encará-la assim. Até porque foi nela que pensei o ano inteiro. E meu desejo de cumpri-la é forte, tanto quanto minha persistência na trilha que criei para atingir esse objetivo.


Em dezembro de 2011 nasceu o desejo de correr. Mas correr com um propósito mais específico: a São Silvestre de 2012 (foto tirada no Hyde Park, em Londres, num treino que fiz lá no final de junho/2012)

Ah, não foi fácil. Tive percalços – coloquei neste espaço uma pequena parte deles. Mas nunca desisti de minha meta. Por mais que tenha me atrapalhado, por mais que tenha sido derrotada por um ou outro problema. Eu mantive minha mente concentrada na São Silvestre.


No frio ou no calor, não deixei de correr. Em casa ou fora, não parei. Mas não posso dizer que foi fácil.


Já são nove provas disputadas. A primeira delas eu descrevi aqui: foram os 5 km do Circuito Vênus, no Jockey Club. Foi uma sensação muito diferente ter cumprido aquele trajeto. Fiz até que um bom tempo, creio (29min53). Mas também não faz diferença agora. Naquele dia eu era ignorante de tudo. Vinha lendo bastante a respeito de corrida já. Nada me prepararia, no entanto, para a experiência de correr. Vale ressaltar para quem não sabe o que é disputar uma prova: não é fácil para quem está iniciando a atividade ter de cumprir uma determinada distância. Parece uma eternidade ver que falta metade do trajeto ou mesmo 800 metros, caso você não tenha treinado bastante ou de modo adequado. No treino, mesmo que você estabeleça uma distância, dá para interromper sem tanto drama (a questão é com você). Numa prova, há realmente um desafio. Você não quer desistir: quer terminar. Mesmo que veja um monte de gente te ultrapassando. Até aquelas senhorinhas japonesas que eu não sei de onde tiram tanta energia.

A primeira medalha veio no Circuito Vênus, em torno do Jockey: 5 km

Agora tenho nove medalhas. Vou em busca da décima no ano


 
Não tenho um orientador especialista. Tenho orientações de quem corre há mais tempo. Tenho esses textos que vejo nos sites que falam de corrida. Tenho os depoimentos de blogs. Desse modo fui montando meu conhecimento. E, claro, com muita corrida por aí.


Corri em alguns lugares diferentes. Em Monteiro Lobato, peguei uma estrada com subida forte e eu lembro de quase ter “morrido” no alto. Tive de parar, sem fôlego, enquanto via um homem subindo no lombo de um cavalo o trecho que me aniquilava. E pensar que parei numa loja de ração animal para pedir um copo de água assim que cheguei ao alto dessa subida. E pensar que eu tinha enfrentado um pouco de chuva antes. Tudo naquela estrada sinuosa e marcada por fazendas e gados, mais um riozinho que circundava o espaço. 
 
Em Monteiro Lobato, numa estradinha bem bacana fiz uma corrida que teve até chuva.


Em Cannes eu também corri. Um dia só, mas foi legal percorrer o caminho à beira-mar. Foi engraçado ter parado num quiosque, quando voltava para o hotel (numa pausa da corrida que fiz porque estava com muita sede), e pedido um Gatorade. Ora, não se vendia Gatorade lá. Optei por um Powerade – meu pedido surpreendeu um outro cliente no quiosque; ele me perguntou por que eu preferia Gatorade em vez de comprar qualquer bebida, como água, chá ou um energético (minha resposta foi: conheço o produto e sei qual sabor me agradaria mais). Eu não tinha a real percepção da disputa das marcas do segmento na Europa. Achava que Gatorade deveria ter em todo lugar do mundo, que nem Coca-Cola, com a devida licença de citar o grupo concorrente.
 
Cannes: uma foto no meio da corrida à beira-mar, na Croisette. Dia lindo.


Londres também me rendeu uma boa experiência. Corri no Hyde Park uns seis quilômetros ou algo equivalente. Nem senti muito a corrida. O que mais me pegou foi o medo de me perder. Que parque grande! Não dei mais do que uma volta no trecho que defini. Mas tive a sensação de me perder algumas vezes (de fato, errei a saída que pretendia). E na Cidade do México eu quase desisti. Peguei uma subida monstruosa no Castelo de Chapultepec e sofri com a falta de ar. Não posso esquecer que estava correndo na altitude. Aquilo foi complicado. Depois, me "habituei". O que estranhei foi notar os olhares sobre minha figura (as mulheres não se exercitam com short de corrida como o que eu usava. Um homem veio falar das minhas panturilhas e perguntar se eu sambava para deixá-las bem torneadas. Respondi que eu não sambo e fui embora). Em Buenos Aires corri pouquinho - inventei de tentar dar minhas passadas no sol da tarde depois de ter almoçado carnes. Foi uma loucura.
 
No Hyde Park, uma corrida de uns 6 km, calculo agora.
 
 
Palermo, em Buenos Aires. Acho que não corri 4 km, tão mal me senti.


Eu estava bem magra nesse período, o do primeiro semestre. Até demais. Depois, recuperei peso – porque voltei a me alimentar decentemente e porque diminuí o ritmo de treinos já que estava encarando seriamente o futebol de terça à noite (que se tornaria futebol de sábado de manhã). Futebol era ótimo, mas eu precisava descansar no dia seguinte porque disparar atrás da bola é muita explosão de energia.
 
Encarei uma prova de 10 km com uma gripe muito forte. Não pensei em desistir. Mas a gripe me cobrou o esforço durante a corrida no Jockey


Quando vi, deixei de correr diariamente (na minha rotina do primeiro semestre, eu tinha a segunda-feira de folga, dia em que fecha o parque da Luz, meu local de treinos; nos demais, eu corria) e me vi dedicada aos treinamentos unicamente nos finais de semana. Mas falhei tantas vezes no meu propósito que houve semana que passei em brancas nuvens. Não saberia contabilizar quantas foram. 
 
Em certos momentos nem parece que vai dar para terminar a prova. Mas, quando você percebe, acabou.
 
Fiz duas provas de 8 km. Nesta, a W Run, fui vencida pela ponte estaiada. No finzinho, andei. Mas terminar a prova dá a contrabalançada. Você fica feliz ao cruzar a chegada, mesmo suando em bicas
 


Tanto que, em uma prova ou outra, senti meu rendimento bem abaixo do que eu teria se mantivesse o pique do primeiro semestre. Tudo bem. Resolvi fazer o possível. Tinha muito trabalho e a prioridade era outra. No entanto, jamais abandonei a corrida.


Tive outros problemas. Assuntos pessoais. Fui seguindo. Minha meta estava estabelecida havia tempos e não seria um ou outro obstáculo que me tiraria do objetivo. Para isso, só uma perna quebrada ou algo do gênero.

[Observação importante: quando digo que não foi fácil, levo em consideração que estava enfrentando um problema complexo, de longo tratamento. Esse quadro dificultava minha caminhada. Dificultava meu dia a dia, na verdade. Mas correr fez parte da terapia - dois dos especialistas que me tratavam recomendaram uma atividade diferente de tudo que fazia. Se eu estivesse com saúde 100%, certamente essa vida na estrada, na trilha, nas pistas, nas ruas teria sido facilitada. Quero dizer com tudo isso que, se eu consegui, outras pessoas também conseguem. Não quero desanimar ninguém. Pelo contrário. Quero dizer que é possível, sim, uma pessoa comum (até fora do peso) correr 5 km ou 10 km ou mais, se você persistir. Eu estava doente, com depressão, porém, aos poucos, com paciência e perseverança, fui atingindo os graus necessários nessa trajetória. Outro detalhe importante é que, porque eu estava em tratamento, passei por outros médicos. Um cardiologista, por exemplo. Para entrar em qualquer atividade física é preciso fazer uma avaliação. O cardiologia que me examinou fez até um comentário que me fez rir. Depois de olhar mais um dos exames que pedira, disse assim "mas que coração bonito". Estava liberada para a corrida. Então, é isso: fazer uma avaliação médica é o primeiro passo. O segundo pode ser consultar um profissional da área. Uma avaliação esportiva dirá o quanto você pode mergulhar de cara na corrida. Eu não fiz isso, admito. Mas estudei tanto por minha conta que não creio ter feito nada arriscado. Fui aos poucos. Primeiro com caminhadas. Depois, corridas leves. Fazendo alongamento, usando calçado adequado, respeitando limites e condições do tempo. E assim fui subindo a barra dos desafios. Acho legal ter o apoio de uma consultoria esportiva ou um orientador expert no assunto, caso se tenha dinheiro e se pretenda disputar provas. Vale também entrar em grupos de corridas, trocar experiências. Ou seja, eu tive de me esforçar bastante porque enfrentava um problema particular. E se eu consegui chegar onde cheguei (que não é grande coisa, mas é algo), outros também podem.] 

A genética andina me configurou pernas para grandes deslocamentos e subidas. Correr não estava no código. Correr está no DNA de quenianos, por exemplo. Não de quem tem família do altiplano. Assim, parece que tenho de dar mais passadas do que os outros para percorrer a mesma distância


Em setembro, corri 16 km, uma distância pouco maior do que a da São Silvestre. Entretanto, foi muito difícil. Isso me mostrou que eu poderia sobreviver a um percurso mais longo e sob sol e variação de temperatura (que, no caso, foi extrema, saindo de 18 graus no início para 28 graus no fim da prova). Já não tenho esperanças de fazer bonito na prova da virada do ano. Não me preparei o suficiente para isso. Mas tenho condições de terminar sem sofrer muito.


Ponte Terceira, na prova de Dez Milhas da Garoto (ou 16 km), entre Vitória e Vila Velha. Esse sol nos mais de 3 km da ponte impôs um enorme sacrifício


Fiz nove provas e delas cinco foram de 10 km. Meu melhor tempo nessa distância foi no Jockey, numa prova que teria feito abaixo de uma hora se não estivesse muito gripada, a Meia de Sampa. O detalhe importante é que o percurso quase não tinha subida. Meio “fácil”. Meu segundo melhor tempo foi na 1ª Corrida de Natal de São Paulo, no centro de São Paulo. Ops, talvez seja o terceiro melhor tempo (comparo com a última prova de 10 km que fiz – Circuito das Estações Adidas/ Verão. A velocidade média das duas foi a mesma. Na Corrida de Natal fui um segundo mais veloz, mas a distância dessa prova foi 100 metros menor na contagem do Nike Running. Ou seja, corri 100 metros a mais no Circuito). O fato, porém, é que fiz a prova com boas condições e até corri bem. Também tive um momento de passar mal, na subida para a Sé. Ânsia de vômito que me obrigou a parar. Isso chama atenção para o cuidado com alimentação na véspera. Alimentação e “bebeção”. Eu tinha tomado um copo de cerveja mais densa e de teor alcóolico um pouco mais alto. Nada demais. Realmente um copo. Creio, entretanto, que esse pouco bastou para tirar meu bom equilíbrio.

A Corrida de Natal foi no centro de São Paulo. Sentia-me bem na largada. No final, passei um pouco mal. Mas na avaliação geral foi legal - minha maior velocidade em provas de 10 km alcancei lá


Ok. Foi uma boa prova. Depois fiz outro percurso de dez quilômetros (a última prova que disputei antes da São Silvestre, que aconteceu na região do Pacaembu), com um tempo de conclusão ligeiramente superior, conforme contei acima. No entanto, fiquei bem feliz porque não parei de correr e porque venci o Minhocão. É um elevado que exige bastante do organismo.

Fiz duas provas do Circuito das Estações: Primavera e Verão. Na primeira, não fui bem. Na segunda, eu me senti satisfeita. Venci o elevado (não andei nenhuma vez)
 
Aqui a largada dos 5 km do Circuito das Estações Adidas/ Verão, no Pacaembu. Nessa prova, uma de minhas irmãs correu. Eu fiz a de 10 km


Ainda tenho alguns treinos pela frente antes de encarar os 15 km da São Silvestre. Já disse: não me julgo suficientemente preparada. Poderia estar melhor se tivesse procurado uma assessoria esportiva ou um personal trainer. Só que eu não tinha tempo para isso. Nem tempo, nem pique. Tampouco cabeça. Sobre meu ânimo, estou bem melhor. Meu quadro de depressão está bem estabilizado – graças a todos meus esforços para combater esse mal. Lembro do meu médico que brincou comigo tempos atrás que, quando eu dissesse que estava ótima, ele me daria mais seis meses de tratamento. Meu médico foi muito bom e eu o recomendaria sem pestanejar. Não tenho certeza se em algum momento do segundo semestre eu poderia dizer: “estou ótima”. Não tenho certeza porque jamais me fiz a pergunta. Eu apenas entrei de cabeça nas 200 mil atribuições que tive pela frente. E encarei tudo com o melhor dos espíritos.


Voltando de um treino no Parque da Luz. Carrego comigo som, celular e uma toalha (não aguento ficar suando muito no rosto). De vez em quando um boné, quando ameaça chuva. Não tem como correr sem óculos. Ou isso ou tropeçar e cair
 
Correndo fiz "amigos" anônimos: as pessoas que treinam no mesmo lugar que eu e que costumo encontrar nas "madrugadas" e manhãs no parque da Luz

Correndo pude conhecer outras pessoas que já têm a prática em suas vidas, mesmo quando a prática era em terras estrangeiras, caso do argentino aí, Sebas, que posa comigo no Pacaembu

A corrida é muitas vezes uma experiência solitária para mim, mesmo estando entre os "amigos" anônimos do parque. Sou eu falando comigo - ou com o meu som. De vez em quando, uma novidade surge, como esse cão numa estrada de São Francisco Xavier, que me encontrou correndo numa subida no meio do mato, voltando de uma cachoeira. Ele veio se engraçar comigo e eu o apelidei de Timão (me lembrou o Timão de "O Rei Leão"). Ele me acompanhou até chegar perto do centro
 

Mas nessa minha trajetória também tive boas companhias junto comigo na largada. Como nesse caso do Palmeiras Run, que reuniu três palmeirenses da família (elas correndo 4 km e eu, 8 km)


Correr faz parte da terapia. Correr tem horas que dá preguiça (porque tenho de levantar cedo, mesmo cansada, e o que mais fiz neste semestre que acaba foi trabalhar intensamente). Mas correr dá uma sensação imensa de satisfação quando você cumpre a meta do dia, do mês, do ano.


A São Silvestre ainda está para acontecer. Depois voltarei para contar como foi. No entanto, ela já me dá esperanças para pensar no próximo desafio. Quem sabe uma meia maratona em 2013. Pode ser. Por isso, por me permitir sonhar assim, tenho de agradecer a muita gente, que me apoiou. E tenho um agradecimento especial também. Obrigada, minhas pernas e meus músculos, minha cabeça e meu espírito por me levarem adiante na trilha. Toda trilha, nesse sentido, é boa. Muito boa.
 
 

sábado, 8 de dezembro de 2012

Fora da nuvem

Estou atrasada com tantas coisas na minha vida que eu deveria ser destituída do posto de CEO de mim. Já não dou conta do recado. Chamem alguém mais competente!

Enquanto isso não é possível - e eu permaneço em débito com as coisas que queria contar antes -, escrevo agora movida por um artigo. Ah, aquela velha sanha de tudo contestar. Ou de quase tudo contestar (eu envelheço e aprendo a aceitar que o mundo não pensa como eu, embora certamente ele esteja perdendo ao se comportar dessa maneira).

Li um texto de um jornalista que normalmente acompanho para saber de música (ele morou por anos em San Diego, onde tem um show bom a cada semana). Desta vez ele falou de suas estantes e de como um amigo o criticou por ter esses móveis já que os livros de papel e os CDs estavam com os dias contados. Não é essa parte que me chamou mais atenção. Em um trecho do texto, esse jornalista - um entusiasta dos livros digitais - comentou do barulho que Bruce Willis deve causar  porque ele pretende deixar sua biblioteca musical construída no iTunes para as três filhas, e, pela lógica da Apple, isso não será possível. Vai dar uma baita briga.

Uma parte da minha estante principal. 

Uma questão levantada pelo jornalista é que temos muita coisa já guardada na nuvem e que escasseiam as pessoas que guardam seus conteúdos digitais nos próprios computadores - ou, acrescento, dentro de casa (lembrei dos HDs e dos CDs e DVDs gravados). E se houvesse um colapso mundial e a internet não ficasse acessível por tempos? Estaríamos todos condenados ao vazio?

Eu guardo minhas coisas em casa e tenho uma parte do conteúdo que curto na nuvem. E sou uma pessoa razoavelmente antenada. É muito difícil que meus amigos venham me ensinar novidades da vida digital. Em geral, sou a primeira a saber. Só podia. Tenho filhos adolescentes!

Mas, por outro lado, gosto de simplicidade na vida. Prefiro ficar tranquila. Não tenho vontade de correr atrás da mais recente traquitana hi-tech que surgiu na esquina. Não. Claro, até queria um mini iPad (mas não um iPhone 5). Tem tecnologia que me seduz logo de cara. Só que eu não sou consumista.

O que curto consumir sem medo é música. CD e DVD sim. Gosto de tocar nesses objetos de prazer. Também tenho meus arquivos digitais. Normalmente, ter uma canção em formato mp3 é o primeiro caminho da paixão por um álbum. Isso quando se trata de banda nova ou grupo que estou conhecendo agora. Os ídolos eu prefiro ter em casa, no bom e velho modelo físico. Morrissey em CD, Radiohead em CD também. Ou DVD. E ambos estão nos pendrives da vida para poder tocar no carro. O acervo físico, no entanto, se mantém.

Não sei se eu teria tudo na nuvem. Para mim, a ideia de ter arquivos disponíveis em qualquer lugar é básica. Quero levar certas coisas comigo para onde for. Porém não seria tudo. Não dá. Nem quero. Não preciso levar todos meus livros para passar uma semana em Cannes durante a cobertura do Festival Internacional de Criatividade, por exemplo.

Nessas ocasiões, longa vida ao meu iPad, santo equipamento. No entanto, eu o vejo como acessório. Até porque nele não estão as obras favoritas. Não procurei ainda, mas tem Grande Sertão: Veredas para eu baixar??? Já deve ter. Alguns meses atrás não tinha. Outro dia achei no Iba, a banca de nome ruim da Abril, um livro do Eduardo Galeano que eu adorei (li anos atrás). Fala de futebol. Comprei, paguei, fiz o necessário para baixá-lo. Só que ele nunca apareceu no aplicativo. Deve ter sido tragado por alguma tempestade digital. Nem na nuvem está. Como estou muito atrasada com as coisas da minha vida, até hoje não procurei os encarregados do Iba para me queixar disso e pegar meu livro digital.

Por isso, não é o iPad que salvará minha vida como leitora voraz (agora nem tanto. A falta de tempo me tornou uma leitora lenta, o que não combina com voraz). Não é a nuvem que me trará paz de espírito quando eu quiser rever meus livros queridos. Eles estão lá na estante. Às vezes bagunçados. Às vezes perdidos (aliás, dona Maria, por favor, onde a senhora colocou os títulos que estou buscando tem tempos? Ah, por que a diarista lá de casa gosta de brincar assim comigo?).

Enfim, eu não sei se alguém abandonou tudo que era físico e hoje só faz sua leitura ou sua apreciação musical pelo conteúdo digital. Se abandonou, lamento. É como deixar para trás o velho amor, aquele que ficou todo esse tempo ao seu lado, e partir para uma nova conquista porque quer se sentir rejuvenescido. Moderno. É bobagem. É bobagem querer parecer jovem. A gente tem de curtir a idade que tem, tenha aparência fresca ou a aparência da idade real. Isso, de fato, não importa.

A gente tem de aprender a viver bem, sem sofrer por se sentir envelhecer (é inevitável, ora). Sem sofrer porque gosta das coisas que envelhecem. Sem dramas porque prefere livro de papel ou sem se achar o máximo por ser mais afeito aos livros digitais. Tanto faz, no fim.

Eu só não apostaria numa única via. Curto bastante os livros digitais e revistas interativas. Mas acho legal o bastante o folhear de páginas. Ainda consumirei por bastante tempo. Quiçá pelo resto da vida.

Sobre os livros de papel tem algo que não existe hoje (ainda) para os e-books. Muitos dos volumes que tenho em minhas estantes trazem anotações minhas. Desde adolescente adquiri o hábito de escrever nas primeiras folhas meu nome e a data da aquisição da obra ou do presente dado por alguém. Tenho livros em que identifico a grafia de estudante (algo meio empolado, o que não tem a ver comigo hoje). Tenho livros em que sublinhei alguma parte por ter amado as palavras (mesmo morrendo de medo; me ensinaram que não deveria fazer isso... mas, puxa, o livro era meu). Tenho livros adquiridos em sebos que carregam pequenas mensagens do antigo dono - e isso me levou a pensar várias vezes em quem seria a pessoa. Ou mais: como seria a pessoa?

Tais possibilidades e devaneios não encontro hoje nos arquivos digitais. Uma hora alguém inventará isso. Tudo bem. Que venha o progresso. Não tenho medo. Assim como não terei medo de passar com meus dedos enrugados pelos meus objetos de afeição e mostrar às novas gerações da minha família (como mostro hoje a meus filhos) essas velhas histórias perpetuadas desse modo físico.

"Veja, este livro meu pai comprou porque eu precisava ler para minhas aulas de literatura inglesa no colegial. É, eu tive aulas de literatura inglesa. E americana. Eu assinava assim. Não é engraçado? 'Silas Marner' é um clássico. Mas eu nem consegui entender direito na época. Eu era muito jovem e normalmente não lia livros inteiros em inglês. Lia versões curtas. Naquela vez, tive de tentar. O ano era 1983. Eu tinha 14 anos."


(se quiser ler a obra, tem aqui: http://www.pagebypagebooks.com/George_Eliot/Silas_Marner/ )

sábado, 17 de novembro de 2012

Novembro, bichos e outras coisas

Já gostei muito de novembro. Mas a vida muda. A gente muda. A gente voa e se transforma
No passado, gostava de novembro. Hoje não mais. São circunstâncias. Mas novembro é um mês diferente para mim, sem dúvida.

Em novembro, eu brincava: dia 17. Não haveria dia mais bacana. E encontrei várias pessoas fazendo aniversário no mesmo dia que eu. Sortudos! Eu me divertia.

Montagem que a Laura faz pra mim. Com a bonitinha da Lizzy
Nunca lamentei fazer aniversário. Não lamento. Isso quer dizer viver. Ficar mais velho? Que importa? Isso significa evoluir. E, se possível, aprender (ensinar não digo porque falar que tem coisas pra ensinar, como se fora um mestre, é muita pretensão. Os outros é que devem dizer. Nunca você. Evidentemente, isso não se aplica quando se trata dos filhos em tenra idade. Aí, sim, você ensina: açúcar demais faz mal, não pode chupar pilha, se continuar mexendo assim no gato ele vai te arranhar).

Nunca lamentei novembro. Fica para o final do ano. Não tenho nada contra finais de ano, exceto que você se obriga a se reinventar porque é tradição repensar a vida. Mas esse finzinho me parece legal porque dá cara de que o bom está para chegar. O bom não fica para o final?

Mas a vida mudou. Minha percepção também. Como já escrevi aqui.

Novembro nunca mais será o mesmo. É uma pena. Gostava tanto de você...

Por isso, decidi que este ano não faria nada pelo meu aniversário. Talvez nem no próximo. Talvez nunca mais. Eu e novembro nos desentendemos, por assim dizer. Mas tudo bem. Que ele continue sendo primavera. E bonito. Para mim, ele sempre foi o mais bonito.


Morrissey fez uma canção para novembro: November spawned a monster. Eu curto

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Tenho um certo bode (epa!) de gente que fala de bicho como se falasse de ser humano. Não quero parecer muito radical e causar dor ou braveza em quem pensa o contrário. Mas bicho é bicho. E já é bom o suficiente que seja visto dessa forma.

Não gosto de madames que vestem seus bichos como gente e gastam fortunas para deixa-los engalanados como humanos bobos. O coitado do bicho não pediu isso. Que essas madames façam psicoterapia. O amor e o cuidado dispensam enfeites. 

Escolhi de propósito: Loony está com uma gravata de Natal. Quando me refiro às pessoas que enfeitam seus bichos eu falo do exagero de vestidinhos, sapatinhos, apliques... Essas coisas

Também não curto quem detona os humanos e diz que só os bichos valem a pena. Não é verdade. Conheço muita gente boa. E essas pessoas valem todo seu peso em ouro. Quem prefere detonar nossos demais pares da sociedade e classifica-los como escória é porque quer desistir da sociedade, mas sem abrir mão dela. Viver em sociedade implica em enfrentar os dilemas que surgem porque isto é uma comunidade, com todos seus seres imperfeitos e diversos. Dos animais, o ser humano é o que mais têm consciência de seus atos perniciosos. Mas é também o que mais têm capacidade de atos generosos em nome de quem não faz parte de seu sangue, de seu clã. Uma leoa defende com garras e dentes (literalmente) suas crias e as crias de suas companheiras, quando surge um novo macho dominante (que mata todos os filhotes porque quer ter seus próprios herdeiros). Mas uma leoa não defenderá os filhotes indefesos de um guepardo de um ataque de hiena. 

A cidade pode parecer dura, mas é só a gente que poderá transformá-la. Isso se a gente não quiser abrir mão da sociedade em que vivemos


O ser humano pode nos encher de raiva em certos momentos, mas nós nos igualamos a esses pares se nos deixarmos dominar pelo ódio e agirmos sem lucidez. Ódio impregnando a gente só pode ser danoso.

E há aqueles que realmente são criaturas elevadas. Como surgiram Chico Xavier, Irmã Dulce, Madre Teresa, Gandhi? De que fornada saíram? Ou mesmo minha antiga professora de latim? Que gente fantástica é essa que nos faz pensar que ainda precisamos crescer muito para atingir nosso melhor status de humanidade? Ainda bem que existem para nos inspirar. 

Sempre tem gente para nos inspirar...

Sempre. Mesmo entre as pessoas mais comuns...

Ou, então, minha mãe, uma batalhadora desde sempre. Que tem defeitos, mas que nos criou da melhor maneira possível. Que nos ensinou muitas coisas (obrigada, mãe), entre elas que devemos valorizar o que é bom, e não colocarmos o que é ruim em primeiro plano. E que me ensinou que ajuda a gente presta sem esperar por paga nenhuma. Isso é ajuda!

Chega agora dessa minha defesa do ser humano. Quero falar da minha gata. Sim. De bicho.

Esta é a Loony, aventureira pronta a te cheirar para saber quem você é

Loony é como outros gatos que tive. Discordo de quem diz que gato não se apega ao dono e sim à casa. Meus gatos se apegaram à gente. Mira que o diga. Foi a gata que mais mudou de casa, o que deve ter estressado muito a bonitinha. Ainda assim, até hoje ela me ama. E eu sei que me ama porque, quando a gente se encontra, trocamos olhares de sentimentos mútuos. Eu sinto. Ela sente. Ela não é gente. É gato. Mas a gente se entende. Eu, como humano imperfeito que sou. Ela, como gato. Ela ronrona, me felicita. Me olha com seus olhinhos azuis. Gata siamesa linda e redondinha. Agora já é uma senhora (para os parâmetros felinos). E como eu a amo. No dia em que ela se for um pedaço de mim irá junto. Um pedaço bom (ah, meu Deus, que perigo isso. Vai sobrar mais da parte ruim).

Mira, uma lady dentre os gatos. Elegante, discreta e companheira


Mas eu quero falar da Loony. Ela é uma gata nascida na rua. Sem raça, sem dono. Foi resgatada com uma marca de queimadura de cigarro na ponta do rabo (quem foi malvado assim, não sei. Mas um dia aprenderá que isso não se faz. Gatos não merecem ser tratados como são por muita gente. Não merecem ser perseguidos. Não merecem ter imagem negativa).

E nasceu espevitada a tranqueira. É um foguete. Corre pela casa. Voa. Dispara feito um foguete. Às vezes é teimosa. Até feroz. Ela gosta de tocaiar. Pula na gente, saindo de um esconderijo, e nos agarra pelas pernas, como se fosse um leão pulando sobre a mesa. Ou melhor, como se fosse um tigre. Loony é tigrada.

Loony filhote mostra como é danada desde pequena.

É doidinha como diz o nome. Mas tem alta sensibilidade. Não é a única assim dentre as gatas da minha vida. Quando eu morava com ela, Mira vinha me ver se me percebia com medo ou alguma tristeza. Ou então vinha do nada. Surgia na porta do meu quarto e esperava que eu liberasse sua entrada. Tinha hora que eu liberava. Noutras, não (quando estava arrumando o quarto, por exemplo). Ela sempre respeitou isso. Eu dizia “agora não”. E ela se virava e ia embora em seu caminhar tranquilo, zen.

Loony não pede licença. É uma “folgata”. Há dias em que pula na porta do meu quarto para abrir. Eu vou lá e fecho (não tranco). Dali a pouco, ela pula de novo. Como se avisasse: “não adianta que se eu quiser, eu abro”. Atrevida.

"Folgata"

Por não pedir licença, ela vem e me salva das horas amargas. Estou lá, triste e escondida. Que nem aquelas aves marinhas atingidas por desastres ecológicos, pelas manchas de óleo na água. Não peço socorro. Que ave pede socorro? Elas ficam ali, tentando levantar as asas pesadas de óleo negro (vi recentemente um documentário sobre o desastre no Golfo do México; daí porque pensei nisso).

Ainda bem que vem ajuda, como aquelas pessoas que resgatam pelicanos e gaivotas. E que levam as aves e pacientemente cuidam delas para tirar o óleo das penas, e assim ajudar a devolver a impermeabilidade que as protege da água gelada e do frio.

Já me vi um pouco assim. E Loony veio me resgatar. Lambia minhas mãos e meu rosto. Era reconfortante sentir esse cuidado. Como se ela tirasse o óleo das asas.

Outro dia ela correu para mim e me festejou, como se tivesse sonhado algo muito ruim comigo. Veio me lamber, me acarinhar, se enroscar em minhas partes e miar enquanto ronronava. Parecia tão feliz: “ainda bem que você está viva. Aquilo foi só um sonho”. Eu imagino que tenha sido isso. Foi mesmo muito carinho e amor dado de repente. Só porque eu saí do quarto.

Ela te surpreende

Então, é isso. Bicho é muito bom. Especialmente se você souber interagir com ele, respeitando-o como bicho que é. Loony é minha parceira. Lizzy veio agora – e como é fofa e linda, com essa carinha e jeito de filhote sem raça definida. Mira é outra companheira. Denki, uma Azul da Rússia (ou quase), é da Laura. Não me ama tanto assim (hehehehe). Tudo bem. Mas já tive o Fellini, meu inesquecível siamês. Meu gato que também me amava e que subia nos telhados e nunca sabia descer de lá. Eu tinha de resgatá-lo. Um dia ele subiu e ficou no alto da garagem em um lugar impossível de eu alcançar. Esperei que ele fosse para o outro lado do telhado, onde poderia colocar uma escada e captura-lo, mesmo recebendo todos os arranhões que me daria por causa do medo (já tinha passado por isso antes). Mas ele nunca apareceu do outro lado do telhado. Nunca mais foi visto. Talvez ele ainda ande pelos beirais e telhas, distribuindo sua simpatia (foi o gato mais simpático que tive). Talvez tenha ido embora para sempre.

Esta é Lizzy, a filhotinha que parece irmã da Loony

De certa forma, eu ainda espero por ele. Já tive essa fantasia de, andando pela rua onde morei outrora, ver um siamês e achar que era ele. E eu chamava: “Fellini, Fellini”. As pessoas deviam pensar que aquela era uma doida cinéfila. Nunca foi atendida por esses gatos que chamei.

Fellini ainda está por aí. Quem sabe no paraíso dos gatos, me olhando lá do alto e dizendo “daqui também não sei descer”.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Há remédio: corrida

Outro dia ouvi o relato de uma amiga que comentava a meu respeito para outra pessoa: "e de repente ela começou a correr". Dei risada. Não foi "de repente". Mas é que talvez a corrida tenha entrado na minha vida de uma maneira surpreendente. Inesperada. Antes, nunca tinha falado de correr. Nem cogitara entre as pessoas do meu convívio que poderia fazer isso. Até que... comecei a correr.

Uma corrida que fiz no Hyde Park, em Londres: 6 km, mais ou menos

Claro que não foi bem assim. Já abri um pouco neste blog coisas que em outros tempos não abriria. E até recebi retorno de alguns amigos muito queridos afirmando que eu não deveria ter me exposto tanto. "Não precisava", disseram. Mas, honestamente, não vejo problemas em ter comentado sobre isso. O "isso" quer dizer a depressão. Não é algo agradável de se falar. E contar que se tem o problema é ainda mais complicado. Na verdade, é um tanto delicado. Expõe. As pessoas temem ser vistas de uma maneira desfavorável. Gostaria de escrever "bobagem!", mas não dá. Tudo isso é real. Os medos estão aí. Só que a depressão também. E ela me sugou muito. Jogou bem pra baixo, lá abaixo da linha do fundo do poço. Assim, uns 200 metros além do fundo do poço. Talvez 300.

O psiquiatra, na primeira conversa que tivemos, recomendou-me fazer algo novo. Novo? Estranhei. Falei que no passado tinha o hábito de pesquisar músicas, conhecer bandas novas, descobrir sons que nenhum dos meus amigos ainda descobrira. Era coisa de ouvir rádios estrangeiras, ler revistas especializadas, fuçar mesmo... Daí, ele me olhou com toda a paciência do mundo. "Você já fazia antes?" "Sim, mas parei faz tempo, nem lembro quando". "Então, não é novo".

Naquele instante, arrisquei outra proposta. "Gosto de fotografia." "Já saiu fotografando por aí?" "Não", menti, receosa de não conseguir pensar em nada novo. Ele demonstrou satisfação com a sugestão. Eu sabia que mentia. Tinha consciência. Estou sempre fazendo fotos ao acaso. Se vejo algo que me interessa, tento registrar. Mas achei melhor tentar isso porque, de fato, não saía para fotografar, e sim fotografava algo enquanto fazia outra coisa. Fotografar não era minha primeira atividade. A psicóloga (tive de passar pela psicóloga também) disse-me o mesmo: descubra algo novo. Fotografia? Ela achou ótimo. E assim mantive minha mentira. Lamento ter agido dessa forma. Só que minha mente vivia um estado de absoluto abandono. Nada me ocorria. Havia um branco.

Dai que eu fui ao parque fotografar e vi um monte de gente correndo. Eu tirava uma foto aqui, outra ali. E as pessoas corriam, passando por mim. Não registrei ninguém nesse momento esportivo. Apenas via o povo passando e eu admirei cada um deles, em suas passadas, em seus esforços, o suor molhando o rosto e os cabelos. O sol atravessando as árvores e iluminando a trilha. Os seixos rolando e o silêncio ao redor fazendo crescer o som das pisadas, da respiração. Não falavam. Não cantavam nenhuma musiquinha vinda dos aparelhos (celulares, iPods). Apenas corriam.

E eu lembrei que a São Silvestre estava perto de acontecer (isso foi em dezembro). Recordei-me das reportagens com gente criticando o novo trajeto (a chegada não era mais na Paulista). Então me ocorreu que eu nunca corri uma São Silvestre. Espere. Eu nunca corri. E foi assim, em meio a essas divagações, que decidi. Eu iria correr e me preparar para disputar uma São Silvestre, a do ano seguinte. Certamente isso era novo na minha vida.

Voltando de uma corrida no Parque da Luz (olha o rosto avermelhado), com a papelada para ser conselheira  do local. Dou muitos conselhos. Pode pedir ;)

Correr mesmo, a primeira vez que fiz foi em janeiro. De dezembro até esse dia em questão, eu caminhei, forcei o ritmo, pratiquei um pouco de musculação nos aparelhos do Parque da Luz. Tinha tentado correr um trechinho, mas não consegui nem completar uma linha reta entre a rua Prates e o início da Pinacoteca. Fiquei assustada com isso. Como podia ser tão ruim se eu nem fumava? Sedentarismo era a resposta.

Mas isso mudou. Aos poucos, consegui correr mais de um quilômetro. Depois, dois, cinco, sete. Um dia corri 11 km, sem imaginar que isso seria possível. Minha primeira prova foi de 5 km. Em seguida, uma de 8 km e eu perdi para uma subida de ponte (terminei, mas sofri). Aí, vieram os 10 km. Fiz uma sucessão de provas com essa distância, uma delas disputada inclusive com forte gripe. E veio o desafio maior nessa minha jornada: dez milhas. Ou 16 km. Mais do que uma São Silvestre. Corri, andei, sofri com o calor, voltei a correr, completei e achei que podia morrer já. Fiquei bem feliz em disputar as Dez Milhas Garoto, entre Vitória e Vila Velha (falo mais depois). E aí veio o dia em que abriram as inscrições para a São Silvestre.

Dez Milhas Garoto - Ponte Terceira
Sério. Foi muita emoção preencher aquela inscrição. Senti como uma pequena vitória, apesar de a prova estar longe. Fiquei exultante, embora tenha permitido a rotina atrapalhar meu ritmo e tenha trocado as corridas diárias pelo trabalho (ando trabalhando demais). Isso me obrigará a fazer um treinamento especial, mais puxado do que eu previa lá naquele sonho do início do ano. Mas tudo bem.

A corrida funcionou mesmo para mim. Foi um remédio diferente. Houve dias em que a depressão foi mais forte. E eu, que estava mal, fiquei ainda mais derrubada nas vezes em que não consegui sair e encarar minha trilha do parque. Dava a sensação de que não poderia superar o mal que me atacava. Foram dias ruins, que ficaram para trás. Tem horas que eu lembro disso e vejo como avancei. Não virei maratonista - isso está ainda longe, mas não descarto a possibilidade de um dia correr 42 km.

Com isso, não quero dizer que a atividade substitui remédio. Não. De jeito nenhum. Você deixa de usar o medicamento seguindo a orientação do especialista. Essa é a maneira correta. A corrida, no meu caso, foi meu reforço. Foi o que me deu apoio para seguir me tratando, além do suporte que tive das pessoas ao meu redor (isso não falhou). Correr foi bom. Disputar provas também. A cada medalha conquistada eu vibrava.

A mais recente (até o momento): a medalha do Circuito das Estações - Primavera/ Adidas

Já tive vontade de chorar no isolamento em que me encontro nas provas (eu encaro a largada e a chegada sem ter ninguém na torcida. Mas isso não chega a ser problema). Já chorei correndo fora de provas também, por razões variadas, às vezes até sem motivo. Enquanto corria, enxugava discretamente as lágrimas, fingindo que secava o suor.

Ver a medalha, ver que superei a distância, ver que consegui avançar mais um passo para me sentir saudável no corpo e na mente. Tudo isso mexe com a gente. Por isso, já me deu vontade de chorar sim numa prova. Mas segurei. Se for para chorar depois de uma conquista, que seja na São Silvestre. Aí será o cumprimento de uma meta estabelecida quando eu nem tinha condições de enxergar qualquer luz que fosse no túnel em que me encontrava. Será a melhor vitória, ainda que eu chegue em último lugar.

Minha inscrição feita logo no primeiro dia em que abriram


sábado, 15 de setembro de 2012

Oh, captain, my captain



Estou triste. Como todo bom torcedor pode se sentir quando acontece algo que foge a seu controle e que não queria que tivesse ocorrido. A gente percebe como é a ponta fraca da corda nessa hora. Eu, a torcida, nada posso fazer. Apesar de alimentar esse clube, eu, a torcida, sinto-me impotente. E isso está tão errado.

Estou triste. Felipão foi embora. Não quis ler notícia. Vi as chamadas, os tweets, as informações se multiplicando pela mídia social. E afastei-me, covarde, para não encarar a verdade. O time vai mal. Perde jogos, sofre com o azar, com os erros, com o vento que sopra contrário. E deve ser por minha culpa. Eu, que me arrasto nas horas, nos dias e meses, malograda pelo infortúnio de estar à deriva, buscando-me. Peço perdão por ser minha culpa.

Estou triste. Vieram me falar com irritação. Não era ninguém do meu time, da minha torcida. Mas se queixaram. Como puderam abandoná-lo? Mas eu não o abandonei. Foi essa diretoria que eu queria ver longe. Defenestrada. Felipão não poderia ter saído assim. Pode ser que minha opinião seja mínima. Represente uma parcela ínfima da torcida. Pode ser que não. Que seja uma voz dentre uma multidão que faz coro. Você pode discordar de mim - e pode discordar muito. No entanto, é real o que sinto.

Estou triste. Nada faz sentido. Sem um técnico como pode um time ganhar? Sem um técnico, que foi despedido agora, quando a equipe está amarga e insegura, como virá o triunfo? De onde arrancar a força para a superação se aquele que tinha a experiência de ter passado por tantas situações parecidas foi abandonado?

Estou triste de verdade. Não gosto de abandonos. Quem abandona é um fraco e inconsequente, que se curva à dificuldade por medo ou comodismo ou por não saber o que fazer ou por falta absoluta de consideração pelo ser humano. Ao menos é isso que penso hoje. Espero nunca estar entre os que abandonam. Não sou infalível, isso é fato. Mas essa marca desejo nunca carregar. Não abandono. Tamo junto, Felipão.


sábado, 8 de setembro de 2012

É proibido criticar?

Estou com um post atrasado, o da corrida que fiz em Vitória/Vila Velha (Dez Milhas Garoto), mas preciso escrever algo antes. Antes, mil desculpas por estar tão atrasada. A vida me atropelou e não estou sabendo lidar com algumas coisas – tenho esperança, porém, que ou eu aprendo a lidar na marra ou... sei lá.

Mas eu ia escrever sobre a corrida, pensava nos detalhes a contar, nas superações e nos desafios... Só que veio um convite para ver a seleção brasileira jogar e eu topei. Nunca tinha visto a seleção em campo. Seria uma oportunidade interessante. O adversário não representava aquele combate de encher os olhos. Não tem problema. Brasil x África do Sul soava curioso.

Fui ao jogo num esquema especial. Vivi uma experiência: um camarote no Morumbi. Vans levaram torcedores até o estádio a partir do WTC, complexo que tem hotel, shopping e torres empresariais na avenida Nações Unidas. Vulgo Marginal Pinheiros. Tudo muito bacana e confortável.

Ingresso na mão para um amistoso da seleção contra a AFS


Havia muita gente com o uniforme amarelo da seleção. Ou com camisetas onde se lia Brasil. Eu fui de azul e na bolsa levei a camisa oficial azul da seleção. Não saí de casa com ela porque, depois do jogo, iria para o show de estreia do álbum “Tudo Tanto”, da Tulipa Ruiz.

O clima era mesmo de torcida. Na van alguém disse que seria 5 a 0 para o Brasil. Outro apostou 3 a 0. Não quis fazer prognóstico algum. No entanto, sentia que não seria essa boiada. Até porque minha memória trazia o jogo do Brasil contra o México na Olimpíada. A seleção tinha me irritado muito na ocasião. Uma bolinha tão pequena... Com isso em monte, fui ao Morumbi sem a expectativa de ver um grande espetáculo. Mas estava disposta a torcer. 

Torcida esperava que a seleção decolasse

Detalhe importante que todo torcedor de verdade sabe: você dá mais apoio ao seu time do que à seleção. Se o Palmeiras enfrentasse a seleção brasileira, eu gritaria pela Academia. “Verdão querido, do coração”. Paixão é pelo seu clube. A seleção vira quase um dever cívico. Mas também tem sua beleza. Quando toca o hino brasileiro, na parte “dos filhos deste solo és mãe gentil”, isso é lindo. E acho que deveria ser incentivado que todos cantassem em alto e bom som. Não aquele canto tímido, com medo de errar a letra (o Morumbi falhou nessa; o Pacaembu coloca a letra no placar).

As arquibancadas pareciam vazias uma meia hora antes do jogo. Li (quando a conexão da Claro permitia) que havia fila para retirar ingresso, fila para entrar. Aquela coisa, aquela falta de tratamento decente para o torcedor, para o consumidor. Depois, encheram. Foram mais de 50 mil pessoas no Morumbi. 

O pessoal teve paciência. As primeiras vaias vieram depois de 20 minutos de um jogo sonolento, arrastado, sem brilho, sem empenho, sem um lance de encher os olhos. Tudo isso diante do mega poderoso escrete da África do Sul

Ao contrário do que dizem os que NÃO estiveram no estádio, a torcida estava dando apoio. Levaram uns 20 minutos para surgirem as primeiras vaias. E por que elas aconteceram? Porque a seleção estava jogando uma bolinha. Time sem inspiração, sem dedicação, sem beleza no toque, sem um passe bonito. O Neymar corria. Buscava a bola. Oscar estava muito fraco, apagado. Ele precisa comer ainda muito arroz com feijão para ficar perto da admiração que eu tinha por outro Oscar, o zagueiro do São Paulo dos anos 80. Marcelo estava pesado, se arrastando.

Sobre Lucas, eu tenho dúvidas. Mano não gosta dele. Tenho isso para mim desde que ele o deixou no banco na partida contra o México, colocando-o só no final. No jogo contra a África do Sul, ele teve atuação discreta. Mas teve lampejos. Um lance dele, por exemplo, serviu para a arquibancada levantar e gritar seu nome. O problema é que ele sozinho foi até a linha de fundo, se livrou da zaga, lutou e... não havia ninguém no apoio. Ninguém. Sei, o calor deveria estar forte naquela hora. Mas pera lá!

O que quero dizer com isto? Lucas tinha apoio da torcida. Recebeu gritos das arquibancadas. Vão falar que isso aconteceu porque o Morumbi é a casa do São Paulo. Ora, que seja! O Morumbi é a casa do São Paulo e a torcida são-paulina queria apoiar seu atleta. Justo. Se o jogo fosse no Itaquerão e a torcida corintiana quisesse apoiar um representante de seu clube também tem direito. Quem faz o futebol é a torcida. É ela que leva os clubes a buscar bons atletas e conquistar títulos e continuar a investir no esporte. É a torcida! É dela o direito de criticar quando a coisa não está boa. 

Lucas teve atuação apagada, mas teve lampejos. A maioria dos jogadores também atuou sem brilho. A torcida apoiava o camisa 7. Era um amistoso. Por que tirá-lo? Por que perder o laço de empatia que os torcedores tinham com o time?

Então, vejamos: a torcida tinha um nítido carinho pelo Lucas. O jogador não estava fazendo a diferença. Como nenhum estava. O jogador estava com uma atuação discreta, como também estava o Neymar. O jogador não estava comprometendo, como faziam Marcelo e Rômulo (que cara ruim!) pela baixa qualidade do futebol e pela capacidade zero de criar algo. Por que sacar o Lucas?! Caramba, eu não sou são-paulina, mas eu estou vendo o jogo! Aí, o Mano bota o Jonas que fez o fino. Ops, não. Estava ironizando. Ele não fez nada disso. Aliás, alguém consegue lembrar de algum momento bom dele na partida? Acho que nem a família dele.

Daí porque eu fecho com a torcida. Mano, você foi burro. Tirou o cara por quem a torcida tinha simpatia. Trocar um jogador discreto, mas com bons lampejos, por outro que nada faria (lembro do México de novo)... ah, burrice mesmo.

Não sei se o Lucas faria algo diferente no restante do jogo. Talvez não. Mas certamente tem mais talento do que o Jonas. Poderia num lance individual fazer algo. Tudo bem. Não saberemos.

Ganhar por 1 a 0 foi pouco. Mas foi o que aquela seleção conseguiu fazer. A atuação do Brasil merece um seis para mim.

Eu iria para minha casa e faria um post depois sobre ter visto a seleção. Só que começou esse chororô de não poder vaiar. Como assim? Os caras jogam aquela bolinha e a culpa é da torcida? Queriam mais apoio? Que se entregassem mais, ora.

É proibido vaiar? É proibido criticar? Quem disse? A vaia, expressão mais sonora da crítica, é um direito de torcedor sim. Se exageraram? Não acho. Ah, os paulistas são frios e não apoiam? Mentira. Se um time faz um jogo bom, tem grito, aplauso, canto. É só frequentar estádio.

Torcidas diferem por time. Palmeirense é mais chato, chega a ser ranzinza (o que não é legal). O corintiano tende a apoiar o tempo todo, mesmo quando o time está uma droga. Fica cego - ou até banca o bobo. Geralmente corintiano reclama de corintiano que critica. Isso sim é uma bobagem. Disse o grande Sócrates que é a derrota que ensina. Não é a vitória. Vi isso numa matéria da ESPN e achei genial. É isso mesmo, doutor. Faço a analogia. A crítica obriga a rever conceitos, a olhar e analisar erros. Puxação de saco não ensina nada. Camufla. Gera ilusão.

Arbitragem argentina não se rendeu às quedas do Neymar. Diante da TV e nos bares, torcedores reclamam que é um cai-cai. Há jornalistas que tb o fazem. Se criticam no estádio, aí vira absurdo. Tirem a seleção de SP

Falaram também que as vaias vieram de torcedores de outros clubes, no caso do Neymar. Que seja. Não dá para tirar a alma do torcedor e fingir que ele não é quem é. Se o Neymar tivesse jogado tudo o que sabe, haveria são paulino, corintiano, palmeirense, flamenguista, bugrino, torcedor da lusa apoiando. Nessa hora, a do super jogo, não vale pensar se o torcedor tem time, só vale na hora do aperto? 

A troca de Mano no fim do jogo. Estava de brincadeira, não é possível. O que ele queria com isso? Poupar por 2 minutos o jogador que atuou a partida inteira?! Neymar saiu sob vaias. Hulk era o novo queridinho da torcida naquela hora

Pelo que conheço de futebol, você vê jogo da seleção e sempre fala. “Ah, mas se tivesse o fulano do meu time, aí a zaga estava bem”, “esse goleiro é muito inferior ao beltrano”, “não sei por que convocam esse cara se o atacante do meu clube é que tem feito um monte de gol”. Seleção tem disso e sempre teve. Não finjam que não é assim quando se está em casa, diante da TV. O problema é que foi no estádio? Beleza. Façam jogo sem torcida! 

Talvez a torcida paulista seja a mais exigente. Ela gosta de bom futebol. Mas fazendo o certo ela comemora também. Ela sabe fazer festa se o que recebe é bom, bonito, cativante ou, no mínimo, dedicado. A seleção tem de entender isso. Receber só aplauso não ensina nada

Acredito que jogar em São Paulo seja realmente desafiador. Pois muito bem. A missão da seleção deveria ser fazer uma partida boa e conquistar essa torcida, a mais difícil, a mais exigente. Às vezes, por ser quase inatingível, a menina se torna a mais desejada da festa. Claro que se ela não tiver atrativos não adianta ser assim tão complexa. Mas eu acho que a torcida de São Paulo tem sim sua beleza. Seleção, faça por merecer e a conquiste. Vai ser uma vitória bem bonita.