segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Quem corre 10, corre 15. Quem corre 15, corre meia

Tem gente que diz não ver prazer nenhum na corrida. Não poderia responder que basta insistir para encontrar. Nesses meus dois anos de trilhas e ruas, percebi que isso não é algo que você deva tentar explicar como se fosse uma verdade universal. Prefiro compartilhar minha experiência para que as pessoas tirem suas conclusões. Conto que há dias em que iniciar a atividade é realmente um tremendo esforço. Às vezes o problema está na cabeça. E esse assunto merece um capítulo à parte (que deixo para depois). Outras vezes o problema está no corpo. Sem falar de condições físicas específicas - machucados ou gripe, por exemplo -, nem sempre o organismo parece responder ao exercício. Pelo contrário, ele fica contestando logo nas primeiras passadas: "para que correr? Estava tão bom ficar quietinho". Nessas ocasiões, acontece o seguinte comigo: é após três quilômetros que vem a plena aceitação. Em geral, é quando sinto que o organismo captou a mensagem de que o exercício é pra valer. E fica tudo em paz. Eu, corpo, mente.

Pelo menos, é assim que funciona comigo. Se a pessoa, depois de tentar algumas vezes, não se sente feliz ou satisfeita seja correndo ou terminando o treino, então, creio que a atividade não seja a mais apropriada. Escrevi "terminar o treino" porque normalmente a gente estabelece metas e é legal superá-las. Bater marcas pessoais é um dos prazeres da atividade. Sim, tem a endorfina (hormônio do prazer e do bem-estar) liberada pelo exercício, mas é ótimo ver que você atingiu o resultado. Ou que ele foi melhor do que o esperado. Exultei quando conclui minha primeira volta sem parar no Parque da Luz, meu local rotineiro de treinos. E isso era bem pouco. Mas nos primeiros dias eu não conseguia cumprir o trajeto sem ter de fazer uma pausa. O interessante é que os corredores sempre te estimulam a ir além. Inclusive aqueles que não te conhecem direito. Ouvi várias vezes comentários como "quem corre 10k, corre 15k". No começo, essas frases me pareciam forçadas. Eu sabia como me custou chegar primeiro a 5k, depois 10k, depois 16k (dez milhas). Foi tudo muito suado. Mas com a prática percebi: os comentários fazem sentido. Claro, para chegar lá é preciso disciplina. É importante também reconhecer o tamanho do passo. Há aqueles que vivem dizendo que é bom sonhar grande. Sonhar pode ser legal, só que não é suficiente. Quem corre 15k, tem de treinar um bocado para correr uma meia maratona na boa, exceto se você for queniano (piadinha). É o que senti na pele.

Um dos prazeres da corrida envolve a superação de metas. A endorfina liberada pela atividade é legal, mas é ótimo quando se bate uma marca pessoal, ainda que, para os mais experientes, não seja algo para o "livro dos recordes"

Desde que comecei a correr pensei que seria o máximo fazer uma meia maratona. Confesso que um dia pensei em maratona, mas conclui que o desafio é demasiado para mim. Sou uma corredora muito mediana. Para chegar nesse estágio, tenho uma estrada longa para percorrer. Não sei se estou disposta a tanto. Não tenho planos de ser super atleta.

Mas a meia maratona era um desejo que julgava estar ao meu alcance. Minha primeira prova nessa distância (21k) veio de repente. Recebi um convite da Mizuno para correr uma meia maratona, no Jockey, em maio. Fiquei na dúvida por alguns dias. Sabia que não estava preparada para isso. Imaginei, porém, que, com três semanas de treinamento (o tempo que restava), poderia fazer algo. A ideia, por si, era temerária. Tinha consciência que o tamanho do passo não condizia com meu condicionamento. Três semanas? Só vinha correndo duas vezes por semana: sábado e domingo. Nada mais. Mil coisas vinham me atrapalhando. E corria sem qualquer foco mais audacioso. Era só colocar o tênis e correr. Porém quis arriscar. O convite me seduziu.

A cara de "seja o que Deus quiser". Assim fui para minha 1ª meia maratona 
Decidi aceitar, dentro do espírito "vou correr até onde der". Na sequência, veio outro convite para correr mais uma meia. No Rio, em julho. Achei que até lá eu poderia treinar legal e fazer algo decente. A prova de maio seria mais teste. Foi desse jeito que projetei. O problema é que, após aceitar o desafio da Mizuno, não treinei como devia. Aumentei um pouco os treinos. No entanto, era preciso mais para encarar a distância. Não deu tempo para mais nada. Do jeito que estava, não ia conseguir correr os 21k na boa. Aliás, não daria para fazer uma São Silvestre (15 km) decente, com o nível de exercícios praticados no período. Resolvi insistir na linha "seja o que Deus quiser". Queria testar minha resistência, meu fôlego. Apostei no "devagar se vai longe".

Foi uma furada. Fiz uma péssima prova. Meu ritmo era lento. No km 15 comecei a ter cãibras. Tive de parar na hora e até achei que não conseguiria dar um passo a mais. Uma pessoa do apoio veio em minha direção. Precisava de ajuda? "Não. Só vou me recuperar um pouco", respondi, tentando, no fundo, me convencer. Voltei a correr em passo de tartaruga. As cãibras retornaram. Era algo violento. Via minha musculatura tremer. Na hora, comecei a amargar uma decepção. Sabia porque aquilo estava ocorrendo. Era a falta de preparo. Tinha apostado que iria até onde desse, mas o corpo respondeu que não tem disso não. Sem condições físicas, não rola.

Estreia sem preparo, sem satisfação, sem energia, sem pernas

Terminei minha primeira meia num misto de frustração e temor. Os 21k seriam sempre tão duros? Aquele dia foi um balde de água fria. A corrida foi bonita e tal. Bem montada. Estava um domingo bacana. Levei a medalha para casa porque, afinal, cruzei a linha de chegada. Chegar foi importante? É, foi. As cãibras não me impediram de concluir a prova. Mas mais importante foi a lição. Em junho, viajei e continuei treinando, tentando ser mais regular. Só que não adiantava mentir para mim. Assumi que não estava apta para a meia do Rio em julho e cancelei minha participação.


Dura lição aprendida nos 21k da Mizuno: é preciso treinar decentemente para obter resultados sem sofrimento

Nos sites e blogs de corrida que visito, poucas vezes vi narrativas sobre o fracasso (agora não lembro de nenhum caso). Parece que tudo dá sempre certo para todo mundo. Pois eu fracassei na minha estreia na meia. Não foi fácil admitir que estava muito longe dos 21k. Quer dizer, sabia que vinha correndo de modo irregular. Não adiantava tentar me enganar na base do "vamos-que-vamos". A partir dessa experiência, tomei a decisão de treinar decentemente. Para isso, eu precisava de orientação séria. Não adiantava mais correr "por mim". Eu, que sempre li sites e blogs sobre corridas desde o início da prática, que sempre colhi informações com corredores mais experientes, que jamais me arrisquei com os exercícios (em dois anos, nenhuma dor ou lesão), percebi que, se permanecesse onde estava, não teria evolução.

Outro motivo me fez amadurecer essa ideia. Tinha mais duas provas para disputar. Uma de 10k. E mais uma meia maratona, um convite que recebi dias antes do início das férias. Por tudo isso, entrei para um grupo de corrida. Escolhi um ligado ao Palmeiras. Essa assessoria esportiva faz treinos em três lugares: Parque da Água Branca, Ibirapuera e USP. Já estava nas férias quando comecei (16 de agosto). Optei por uma imersão na atividade e fui correr nos três lugares, sob orientação do professor. Treinei bem. Quero dizer, fiz os exercícios da melhor maneira que pude e procurei não faltar. Os 10k eu sabia que não seriam complicados. Meu objetivo era não sofrer na meia, como tinha acontecido em maio. Porque não daria nem um mês de treinamentos entre meu início no grupo e o dia da prova.

Treino do senhor Miyagi. Dá para esquecer dessas cenas?
Uma amiga me pediu para que contasse depois se vale a pena entrar em grupo de corrida. Para mim, tem sido bacana. Porque fiz exercícios diferentes para fortalecer a musculatura. Em alguns momentos, lembrava do Daniel-San em Karatê Kid, com o senhor Miyagi mandando que ele pintasse cercas, que polisse carros. Corri de costas, subi e desci escadas uma porção de vezes, treinei na areia, fiz polichinelos, agachamento, flexões e abdominais, treinos intervalados, marcha soldado (brincadeira minha). A subida e descida de escadas é um exercício tão constante que, quando vejo uma, já entro no clima de treino. Engraçado: acho que tenho talento para isso. Mas correr de costas... ah, nisso sou ruim.

Para quem já corre bem há tempos talvez entrar para um grupo de corrida e ter treinamento com professor não seja lá essas coisas. Eu estou sentindo melhoras. E ainda me divirto com as pessoas.

Nesse curto tempo de treinos com orientação, fiz uma prova de 10k, a Lótus. Bonita a corrida, clima bom, só mulheres. Largada tumultuada porque o espaço era pequeno e o número de inscritas, enorme. Então, foi aquele fuzuê. Tudo bem. No começo, nem dava para correr de verdade. Depois, o trajeto ficou mais tranquilo. Quando cheguei ao quilômetro 6 eu estava tão bem, mas tão bem que comecei a cantar a música que rolava no MP3. Era o argentino Kevin Johansen (vídeo mais abaixo). Cantei, acelerei, cantei, abri os braços (um pouquinho), senti a brisa, aproveitei a sombra, acelerei mais um pouquinho. Não foi o meu quilômetro mais rápido (tinha sido o anterior), porém me sentia livre como um passarinho.

Nos 10k da Lótus, prova para mulheres. Não foi o meu melhor tempo na distância, mas mantive uma boa regularidade no ritmo. Foi a primeira prova depois de ter começado a treinar em um grupo de corrida


Aqui a canção do Kevin Johansen que me fez voar: "No digas quizás". E abaixo o link do vídeo oficial, que não consigo fazer subir aqui :(
https://www.youtube.com/watch?v=2d_NPRWMctY


Completei a Lótus tranquilamente. Não fiz meu melhor tempo numa prova de 10k, mas mantive uma boa regularidade no ritmo, sem grandes alterações no pace. Até então, minha melhor marca estava no centro histórico de São Paulo. Numa corrida que fiz sem maiores pretensões. Naquele dia, no inverno de 2012, terminada a prova, encontrei um corredor na fila de um estande para personalizar uma camiseta. Conversamos o tempo da fila. Era um cara comum no cotidiano, que trabalhava de noite como porteiro. Mas que se dedicava ao atletismo no fim de semana. Quando tinha prova, ele se inscrevia, na tentativa de chegar aos primeiros lugares e ganhar algum prêmio. Tinha ocasiões em que ia "virado" para a prova, sem ter dormido nada. Sim, era isso mesmo. Naquela prova do centro histórico, ele tinha saído do trabalho direto para a corrida e chegou em quarto lugar na disputa dos 5k. Tinha feito o percurso em 17 minutos. O terceiro colocado fechara em pouco mais de 15. Eu arregalei os olhos na época. "Como alguém consegue correr assim?", pensava comigo. O sujeito perguntou sobre minha performance. Um pouco envergonhada, disse que tinha feito 1h02 nos dez. E contei que tinha começado a correr naquele ano. O porteiro-corredor me olhou com simpatia: "está bom. É seu primeiro ano. Agora, seu próximo passo é correr abaixo de uma hora". Disse aquilo como quem fala "vamos comprar sorvete na esquina". Naquele dia, pensei que não me custaria muito correr 10k abaixo de uma hora. Algumas corridinhas a mais e pronto.

Mais uma vez, revelo aqui meu fracasso. Não tinha conseguido reduzir. Porque, com o passar dos meses, deixei de correr com a regularidade do primeiro semestre de 2012. Naquele ano, fiz minha primeira São Silvestre, foi lindo e tudo. Mas o ritmo tinha diminuído um pouco no segundo semestre. Em 2013, treinos e corridas caíram pela metade em comparação aos resultados do ano anterior. E até este primeiro semestre eu devo ter corrido um terço do que fiz no mesmo período em 2012. Ou seja, minha prática estava um fiasco.

Mais segura com os treinos orientados. Consegui, afinal, melhorar minha marca nos 10k
Fazendo os treinos com orientação, esperava alguma melhora. Não atinava quando. Na semana anterior à disputa da meia e uma semana depois da Lótus, voltei a correr 10k, mas no Parque da Luz. Corri sem me preocupar com o relógio. Minha meta era apenas baixar o tempo da Lótus. No primeiro momento, pensei em reduzir três minutos. Achei que era muita pretensão. Então, estabeleci mentalmente que tentaria baixar dois minutos. Botei meu som e corri entre as árvores do Jardim da Luz, sem prestar atenção em nada além da trilha. Em algumas voltas, acelerei mais porque temia não cumprir minha meta. Quando fechei minha disputa pessoal, olhei para o relógio. Fiquei surpresa. Quem diria? Tinha feito os 10k em 58 minutos. Para muita gente, isso pode parecer ficha. Mas eu levei dois anos para correr abaixo de uma hora. Não foi simples para mim. Agora já poderia encontrar o sujeito lá da fila e contar que consegui.

E, enfim, falo da minha segunda meia maratona neste post do tamanho de 21k. Treinei, descansei, preparei-me mentalmente. No domingo, dia da prova e da independência, acordei às 4h40 para tomar café (eu não consigo comer e correr. Preciso de um intervalo de duas horas, caso contrário tenho ânsias). Cheguei à USP, local da W21k, prova da Asics só para mulheres, perto das 6h30. A largada estava marcada para as 7h. O local estava bacana, a temperatura fria. O termômetro registrava 11 graus. Suspeitei que, ao término da prova, a variação seria de dez graus, atingindo 21, o que torna o esforço bem cansativo (a temperatura se confirmou). Ok, não estava com medo. Nos meus planos, eu tinha de correr os primeiros 10k com tranquilidade, sem forçar, para poder fazer 15k sem sofrer (na vez anterior, foi quando tive as cãibras). Depois... seria o que Deus quisesse (piadinha). Bem, o espírito não era como o da primeira vez. Tenho mais segurança desde que comecei a treinar com orientação.

Balões coloridos na largada da W21k, meia maratona da Asics só para mulheres. Na USP

A largada da W21k teve festa e balões. Mulherada é sempre animada. A prova esteve muito bem organizada. Água, Gatorade, gel para dar energia, banheiro químico no meio do trajeto (só tinha visto isso na São Silvestre) e até protetor solar lá pelo km 18. Enquanto corria, eu me divertia. As placas de trânsito me fazem rir. Tirei uma foto delas. Já as placas de incentivo colocadas no caminho chegavam a me irritar. Algumas estavam em inglês. Não gosto de mantras tolos que, dependendo da construção, mais te diminuem do que te estimulam. O prazer da corrida não está em palavrinhas mágicas. Está em ver, por exemplo, uma senhora mais velha do que eu (e com alguns quilos a mais) correndo com regularidade, sem diminuir o ritmo. Eu a admirei por um bom tempo e fazia questão de ficar perto dela. Primeiro porque assim eu controlava minha corrida. Segundo porque estabelecia uma competição saudável. Às vezes, eu a ultrapassava. Mas aí eu pegava água e ela emparelhava (detalhe fundamental: eu procuro cestos de lixo e jogo nas plantas a água que sobra antes de me livrar do copo. Porque não curto atirar nada na rua, nem copo, nem saquinho de Gatorade ou gel. Prefiro carregar essas tranqueiras e me desviar do percurso para encontrar uma lixeira e fazer o descarte). Ficamos nessa, uma acompanhando a outra, por um tempo. Aí, pegamos uma ponte por volta do km 7 e eu a deixei para trás. Gosto de subidas e rendi bem nessa parte. Não a encontrei depois. Mas queria ter agradecido a essa senhora a estimulante companhia do início da prova.

Diversão na corrida: respeite seu limite de velocidade. É bom quando você consegue dar risada no meio da prova. Se consegue cantar (ainda que só para você, baixinho) também é legal

Meu plano de corrida foi cumprido até o km 15. Continuei correndo, mas em ritmo mais lento. Dali em diante precisei recuperar o fôlego por alguns momentos. Aproveitava uns segundos para beber água e refrescar o corpo, molhando os pulsos e a nuca. Senti um pouco o cansaço. Andei em alguns trechos já no finzinho, sobretudo quando havia sombra. A prova se encerrava na pista de atletismo da Cepeusp. Quando cheguei na USP e coloquei meus pés lá nessa pista, antes das 7h, tive a sensação de que andava sobre nuvens. Na hora em que adentrei a pista, faltando poucos metros para a meia terminar, não tive essa impressão. As nuvens tinham sumido? Não, era só a energia que faltava para me dar a leveza necessária. Acelerei na reta final. Queria diminuir o tempo da primeira meia maratona para a segunda o máximo que desse. Fui 20 minutos mais rápida.

Meia maratona finalizada sem sofrimento. Cansei, sim, mas não tive dores. Para quem tem menos de um mês treinando com orientação, considero um bom resultado

Agora com cara de dever cumprido. E com o restinho de filtro solar que foi distribuído pelo km 18 da prova. Só depois é que reparei que o rosto estava todo branco ;)

É, tenho um bom caminho ainda a percorrer. Posso melhorar. Não é uma promessa. Sinto de verdade que posso melhorar. Tenho essa confiança. Nessas idas e vindas da corrida, nesses dois anos, aprendi muito. Uma das lições mais valiosas é que cada passo vale. Sim, vale. Se posso dar uma dica, que seja esta: mesmo que você esteja sentindo cansaço, dê um passo. Se não consegue voar como gostaria, então, dê um passo. E outro. E outro. Voar é bom, sem dúvida. Mas não desistir e confiar que você vai completar a prova é importante. Por isso, a menos que tenha sofrido uma lesão ou um mal repentino, complete, nem que seja passo a passo. Esse "passo a passo" pode ser aplicado não apenas para uma corrida, mas como parte de um processo para atingir desafios maiores. Assim, aos poucos, mas com empenho, você diminui a distância entre seu sonho e a realidade.

Objetivo: diminuir distâncias entre o que desejo e o que consigo fazer. E sem deixar de curtir a trilha