sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Há remédio: corrida

Outro dia ouvi o relato de uma amiga que comentava a meu respeito para outra pessoa: "e de repente ela começou a correr". Dei risada. Não foi "de repente". Mas é que talvez a corrida tenha entrado na minha vida de uma maneira surpreendente. Inesperada. Antes, nunca tinha falado de correr. Nem cogitara entre as pessoas do meu convívio que poderia fazer isso. Até que... comecei a correr.

Uma corrida que fiz no Hyde Park, em Londres: 6 km, mais ou menos

Claro que não foi bem assim. Já abri um pouco neste blog coisas que em outros tempos não abriria. E até recebi retorno de alguns amigos muito queridos afirmando que eu não deveria ter me exposto tanto. "Não precisava", disseram. Mas, honestamente, não vejo problemas em ter comentado sobre isso. O "isso" quer dizer a depressão. Não é algo agradável de se falar. E contar que se tem o problema é ainda mais complicado. Na verdade, é um tanto delicado. Expõe. As pessoas temem ser vistas de uma maneira desfavorável. Gostaria de escrever "bobagem!", mas não dá. Tudo isso é real. Os medos estão aí. Só que a depressão também. E ela me sugou muito. Jogou bem pra baixo, lá abaixo da linha do fundo do poço. Assim, uns 200 metros além do fundo do poço. Talvez 300.

O psiquiatra, na primeira conversa que tivemos, recomendou-me fazer algo novo. Novo? Estranhei. Falei que no passado tinha o hábito de pesquisar músicas, conhecer bandas novas, descobrir sons que nenhum dos meus amigos ainda descobrira. Era coisa de ouvir rádios estrangeiras, ler revistas especializadas, fuçar mesmo... Daí, ele me olhou com toda a paciência do mundo. "Você já fazia antes?" "Sim, mas parei faz tempo, nem lembro quando". "Então, não é novo".

Naquele instante, arrisquei outra proposta. "Gosto de fotografia." "Já saiu fotografando por aí?" "Não", menti, receosa de não conseguir pensar em nada novo. Ele demonstrou satisfação com a sugestão. Eu sabia que mentia. Tinha consciência. Estou sempre fazendo fotos ao acaso. Se vejo algo que me interessa, tento registrar. Mas achei melhor tentar isso porque, de fato, não saía para fotografar, e sim fotografava algo enquanto fazia outra coisa. Fotografar não era minha primeira atividade. A psicóloga (tive de passar pela psicóloga também) disse-me o mesmo: descubra algo novo. Fotografia? Ela achou ótimo. E assim mantive minha mentira. Lamento ter agido dessa forma. Só que minha mente vivia um estado de absoluto abandono. Nada me ocorria. Havia um branco.

Dai que eu fui ao parque fotografar e vi um monte de gente correndo. Eu tirava uma foto aqui, outra ali. E as pessoas corriam, passando por mim. Não registrei ninguém nesse momento esportivo. Apenas via o povo passando e eu admirei cada um deles, em suas passadas, em seus esforços, o suor molhando o rosto e os cabelos. O sol atravessando as árvores e iluminando a trilha. Os seixos rolando e o silêncio ao redor fazendo crescer o som das pisadas, da respiração. Não falavam. Não cantavam nenhuma musiquinha vinda dos aparelhos (celulares, iPods). Apenas corriam.

E eu lembrei que a São Silvestre estava perto de acontecer (isso foi em dezembro). Recordei-me das reportagens com gente criticando o novo trajeto (a chegada não era mais na Paulista). Então me ocorreu que eu nunca corri uma São Silvestre. Espere. Eu nunca corri. E foi assim, em meio a essas divagações, que decidi. Eu iria correr e me preparar para disputar uma São Silvestre, a do ano seguinte. Certamente isso era novo na minha vida.

Voltando de uma corrida no Parque da Luz (olha o rosto avermelhado), com a papelada para ser conselheira  do local. Dou muitos conselhos. Pode pedir ;)

Correr mesmo, a primeira vez que fiz foi em janeiro. De dezembro até esse dia em questão, eu caminhei, forcei o ritmo, pratiquei um pouco de musculação nos aparelhos do Parque da Luz. Tinha tentado correr um trechinho, mas não consegui nem completar uma linha reta entre a rua Prates e o início da Pinacoteca. Fiquei assustada com isso. Como podia ser tão ruim se eu nem fumava? Sedentarismo era a resposta.

Mas isso mudou. Aos poucos, consegui correr mais de um quilômetro. Depois, dois, cinco, sete. Um dia corri 11 km, sem imaginar que isso seria possível. Minha primeira prova foi de 5 km. Em seguida, uma de 8 km e eu perdi para uma subida de ponte (terminei, mas sofri). Aí, vieram os 10 km. Fiz uma sucessão de provas com essa distância, uma delas disputada inclusive com forte gripe. E veio o desafio maior nessa minha jornada: dez milhas. Ou 16 km. Mais do que uma São Silvestre. Corri, andei, sofri com o calor, voltei a correr, completei e achei que podia morrer já. Fiquei bem feliz em disputar as Dez Milhas Garoto, entre Vitória e Vila Velha (falo mais depois). E aí veio o dia em que abriram as inscrições para a São Silvestre.

Dez Milhas Garoto - Ponte Terceira
Sério. Foi muita emoção preencher aquela inscrição. Senti como uma pequena vitória, apesar de a prova estar longe. Fiquei exultante, embora tenha permitido a rotina atrapalhar meu ritmo e tenha trocado as corridas diárias pelo trabalho (ando trabalhando demais). Isso me obrigará a fazer um treinamento especial, mais puxado do que eu previa lá naquele sonho do início do ano. Mas tudo bem.

A corrida funcionou mesmo para mim. Foi um remédio diferente. Houve dias em que a depressão foi mais forte. E eu, que estava mal, fiquei ainda mais derrubada nas vezes em que não consegui sair e encarar minha trilha do parque. Dava a sensação de que não poderia superar o mal que me atacava. Foram dias ruins, que ficaram para trás. Tem horas que eu lembro disso e vejo como avancei. Não virei maratonista - isso está ainda longe, mas não descarto a possibilidade de um dia correr 42 km.

Com isso, não quero dizer que a atividade substitui remédio. Não. De jeito nenhum. Você deixa de usar o medicamento seguindo a orientação do especialista. Essa é a maneira correta. A corrida, no meu caso, foi meu reforço. Foi o que me deu apoio para seguir me tratando, além do suporte que tive das pessoas ao meu redor (isso não falhou). Correr foi bom. Disputar provas também. A cada medalha conquistada eu vibrava.

A mais recente (até o momento): a medalha do Circuito das Estações - Primavera/ Adidas

Já tive vontade de chorar no isolamento em que me encontro nas provas (eu encaro a largada e a chegada sem ter ninguém na torcida. Mas isso não chega a ser problema). Já chorei correndo fora de provas também, por razões variadas, às vezes até sem motivo. Enquanto corria, enxugava discretamente as lágrimas, fingindo que secava o suor.

Ver a medalha, ver que superei a distância, ver que consegui avançar mais um passo para me sentir saudável no corpo e na mente. Tudo isso mexe com a gente. Por isso, já me deu vontade de chorar sim numa prova. Mas segurei. Se for para chorar depois de uma conquista, que seja na São Silvestre. Aí será o cumprimento de uma meta estabelecida quando eu nem tinha condições de enxergar qualquer luz que fosse no túnel em que me encontrava. Será a melhor vitória, ainda que eu chegue em último lugar.

Minha inscrição feita logo no primeiro dia em que abriram