segunda-feira, 25 de junho de 2012

Mudando a cabeça, de novo

Estive em Cannes estes dias. Para trabalhar muito. Sempre pensam que dá tempo de a gente se divertir. Até tem uns momentos que a gente se diverte junto, num jantar, num almoço. Mas é tanta coisa pra fazer que no dia seguinte a energia já começa pela metade. Claro, estou falando por mim. Tem quem consiga dar conta disso na boa. Eu não. Nem quero. Curto Cannes de uma maneira muito própria.

Praia perto do Palais des Festivals, bem cedo

Pra começar, acho muito bom o Festival Internacional de Criatividade. Abre mesmo a cabeça. Tenho essa felicidade de poder ouvir nomes muito importantes da indústria da comunicação e fora dela. Bill Clinton esteve em Cannes neste ano, convidado pelo Grupo ABC. De longe, foi a palestra mais disputada do festival. Eu já tive o privilégio de ver o encontro anual do Clinton Global Initiative, em Nova York. Clinton sabe conduzir esta conversa em que diz: é seu papel também cuidar do futuro do planeta. O detalhe é que ele fala com gente de alto calibre. Fala com executivos tops de empresas tops. Em Cannes, ele se apresentou para algumas das lideranças mais importantes do mercado.


Gosto bastante também do festival porque ele representa a oportunidade de bater papo com pessoas ótimas dessa indústria. Pela terceira vez, fiquei do lado direito de Bob Greenberg, sócio da R/GA, na mesa do jantar, sempre em um lugar chique da região (deve ser a PR dele que define que eu fico à direita). A gente tem uma conversa de amigos já. Pode ser que você não saiba de quem se trata. Bem, a agência dele ajudou a criar o Nike+, uma revolução na vida de tantos corredores. Mas eles não pararam aí e ajudaram a lançar o Nike+ Fuelband, um acessório daqueles que você diz para o colega do lado "quero um também". 


Os ganhadores Bob Greenberg, o bonitão Stefan Holander (Nike), Nick Law (R/GA) e Ian Tait (Google Creative Lab, que foi presidente do júri de Cyber)


Além de Greenberg ser uma figura (dou muita risada com ele), ele é amigo do Woody Allen. Ah, isso é demais. Estou a um grau de separação do diretor de Meia-noite em Paris (só para citar um filme). Eu acho bacana.


Falando do festival, é ótimo conhecer os melhores trabalhos do mundo. E é incrível ver as pessoas comemorando. Fiz uma sequência de fotos de gente festejando os prêmios. 

Comemoração pelo Grand Prix de Press, com campanha da Benetton: Unhate


Cannes faz bem para cabeça também pelo visual e astral. É uma cidade bonita. Pequena, mas bonita. Tem muita gente elegante e tem muita gente com pouca roupa ou barras curtíssimas. E isso não atrapalha a vida de ninguém. Relax, people. Cannes tem o Paul onde eu posso comer pain au chocolat, um vício. Cannes tem lojas de grife mas isso pouco me interessa. Mal atrai meu olhar para a vitrine. Mas as vitrines da rue d'Antibes, elas sim capturam minha visão - embora muitos preços sejam salgados. Cannes serve comida muito boa. E você paga um preço justo pelo tamanho do prato que servem (quem disse que comida francesa é só de bocadinhos?). As saladas de chevre chaud que eu costumo pedir bastam por uma refeição.


Este prato foi servido no Colombe D´Or, restaurante trés chic


Em Cannes eu trabalho demais e durmo de menos. Mas tudo bem. Ainda mais agora, que já estou em outra cidade. Minha opção foi viajar para Londres, a segunda cidade que mais amo no mundo. A primeira é São Paulo. E não adianta me falarem que é poluída, suja, sem graça, feia, esburacada, sem praia, enorme, com trânsito... Amo e pronto. Como amaria um ser humano (tem seus defeitos e encantos, às vezes camuflados).

Londres? É a cidade que escolhi amar. A primeira vez que estive aqui foi como atingir aquele ponto que você sonha e julga inalcançável. Não chorei porque naquela época eu quase não chorava. Mas hoje choraria se parasse em frente a Trafalgar Square e a contemplasse nas mesmas condições da primeira vez (fiquei tanto tempo quieta, na mesma posição, na "varanda" da National Gallery vendo aquele cenário que inúmeras vezes imaginara conhecer).

Chegando em Londres, saindo de Nice

Já dei minhas voltas por aí. Mas não vou me aventurar muito hoje. Cannes suga a força física e ainda preciso me recuperar. Até porque quero correr no Hyde Park e registrar meus primeiros quilômetros em Londres. Em Cannes, corri. Foi pouquinho, no entanto valeu muito.

Mudar de ares faz muito bem. Sempre. Seja numa viagem para o interior de São Paulo. Seja para estar aqui, do outro lado do oceano. Pena que não posso contar aqui com as pessoas que mais amo ao meu lado.  Não por temor de viagens solitárias (já fiz tantas... não me incomodam). Mas porque agora eu as queria por perto. Para convidar para um chá. Um autêntico chá inglês.

Escrevendo no Hyde Park

terça-feira, 12 de junho de 2012

Cruzei a ponte


Cruzei a ponte.
De repente veio
a vontade de falar
sobre nada, mas um
nada com café.
Ou cerveja, que é
pra prolongar a conversa.
Vontade de falar
sem regras ou temas.
Escolha qualquer coisa.
Só olhar pra frente
(às vezes pra trás),
sem obrigações,
nem a de concluir algo.
Falar sobre nada,
mas com a liberdade
de se aprofundar
até nada fazer sentido.
Como zerar tudo e
a partir dali
construir uma história,
uma ideia, um projeto
ou nada.
Por que a gente tem de
arranjar razão pras
coisas se elas insistem
em serem assim...
incompreensíveis?
Vamos beber,
então, um café
ou uma cerveja.
E deixar relógio
e celular para quem
ainda está amarrado.
  
(“Histórias que não contei”)


Em Monteiro Lobato (ao pé da Serra da Mantiqueira)

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Vaidade tem grau. E tem jeito

- Você gosta das sardas?

- Minhas sardas? Eu as odeio.

- Então, podemos dar um jeito nisso.

Desse modo, a dermatologista atiçou um lado adormecido em mim. Sempre detestei minhas sardas. Minha mãe ostenta belos olhos verdes - ela tem ascendência supostamente polonesa (o avô, ao migrar para a Bolívia, teria deixado toda sua história para trás, inclusive documentos de origem). E o pai dela era ruivo de olhos azuis. O que fui herdar desses genes polacos?! As sardas. Nem cabelo ruivo. Nem olho claro. Só essas sardas...

Faz tempo que engulo essas marcas, que se manifestaram mais claramente na adolescência. Ou eu as percebi somente na adolescência. Tem gente que gosta. Acha um charme. Eu digo que acha charmoso só porque não tem sardas no rosto. Mas tudo bem. Ser humano é isso: criatura vaidosa e insatisfeita com o que tem.

Apesar de meus resmungos, nunca procurei tratamento para as benditas. Sei que tem. Cobri por muito tempo a área de saúde e beleza. Desta vez, porém, a dermatologista que consultei me provocou. No bom sentido. As demais nunca disseram nada diretamente.

Minha pele é boa. “Macia e sem rugas”, disse-me a médica. Mas as sardas... Não que elas me enfeiem (creio). Elas me incomodam, sempre me incomodaram. Com a dermatologista fazendo aquele approach, resolvi aceitar a proposta. Resultado: passei um produto recomendado por ela para ser usado à noite.

Na manhã seguinte da primeira aplicação, fui conferir no espelho (mesmo sabendo que nada aconteceria de imediato). Pois é, as sardas continuam lá. Vaidade, às vezes, emburrece. Ou faz com que a gente queira se iludir.

Eu me considero uma pessoa pouco vaidosa. Quase não uso maquiagem, por exemplo. Cabeleireiro? Só para cortar os fios mesmo. Evidentemente não quero que ninguém me veja como uma mulher horrorosa. Tampouco espero que me digam que sou linda. Não gasto rios de dinheiro em salão, nem fazendo unhas, nem comprando roupas ou pagando tratamento cosmético. 

Não sou de usar maquiagem. Nem para disfarçar as sardas (se elas não aparecem é por causa da foto, da luz, dos óculos disfarçando)
De fato, estou me permitindo a vaidade do clareador de manchas para ver se as sardas somem. Se não sumirem, não morrerei. Há coisas piores a me atormentar, mas isso não é objeto deste post.

Acho engraçado como nós, mulheres, temos esses graus variados de vaidade a determinar nosso comportamento no cotidiano ou em uma situação especial. Mulheres fazendo make no carro, a caminho do trabalho, virou algo mais comum do que imaginava. Mas eu não faço isso. Mulheres marcam um compromisso para a outra semana e no ato pensam que tem de reservar para a véspera do tal compromisso um horário no cabeleireiro ou na manicure. Err, eu também não faço isso.

Certo. Não faço mesmo um monte de coisa. Sou esquisita. E pobre da minha mãe que teve de se acostumar com meu jeito: tênis, calça jeans, camiseta, uma tiara e meus óculos. E invariavelmente um par de fones para curtir meu som quando quiser. No entanto, até para gente como eu existe a vaidade. Ela muda de figura, mas existe.

Zumba, zouk, kuduro... ou um ritmo com letras inusitadas no nome

Eu estava nessa semana da dermatologista quando fui buscar meu kit de corrida para uma prova, a W Run – São Paulo, que largaria na Ponte Estaiada. Na primeira corrida de que participei, a primeira de SP do Circuito Vênus, havia na véspera um evento inteiro preparado para a mulherada. Mas eu não fui. Já tinha meu kit (obrigada, Nike) e só precisei ir ao local da prova (Jockey) no domingo cedo.

Desta vez, recebi um convite da Nestlé para correr (obrigada, Nestlé). Também havia um evento especial na véspera para entrega do kit e mais uns mimos para as corredoras. Fui até o WTC buscar o material e conferi pela primeira vez como é esse dia. É bem feito. Mesmo. Há atrativos para todos os gostos. 

W Run: um dia antes da prova (corridas de 4 km e 8 km )

Após pegar minha bolsa – há variações conforme o tipo de inscrição paga, que vai da econômica até a superluxo, com diferenças no tamanho da bolsa e no número de brindes –, resolvi fazer uma massagem. Não se trata aí de vaidade, né?! É um carinho misto de cuidado. A massagista disse que eu estava com ombros muito duros, tensos. Eu sei. Os ombros suportam o mundo, como escreveu Carlos Drummond de Andrade. 

Tive minha cota de massagem. "Os ombros suportam o mundo"

E como citei CDA prossigo com ele. Logo pensei em algo parecido com “e agora, José” assim que saí da massagem. Não sabia o que fazer naquele “day-before”. Fui olhar a loja Mizuno instalada no evento. Vaidade ou puro consumismo? Claro que não precisava de nada do que estava ali. No momento, o que eu gostaria de ter é uma chuteira bonita, boa e segura para pé feminino (jogo futebol com amigas nas noites de terça). Não comprei nada.

Saí de lá e fui para o andar inferior descobrir o que mais havia. O som me surpreendeu. Tocava zumba. Não conhecia. Disseram que era hit de academias. Mas eu desconfio. Sempre que alguém fala “é hit”, eu desconfio. Se fala é porque já era... Meu pensamento. Mas tocava a zumba e muita gente se exercitava, dançava, brincava. Estava, de fato, divertido.

Mulherada gastava energia dançando
Olha a zumba!
A mais bonitinha das "dançarinas". Ela deu show

Fui para outro lado. Loja de produtos de beleza. Ah, a vaidade. Do lado, um balcão oferecendo óleo para massagem corporal. Amostra boa. Gostei. Não tem vaidade aí, né. A menos que a pessoa queira aparecer besuntada e sedutora para o namorado, embora “estar besuntada” não soe como atrativo sexual.

Pertinho desses estandes, em que havia mulheres escolhendo produtos para a pele, tinha um canto para fazer unhas. Nem tentei pegar senha. Esses espaços são disputadíssimos. Lota de pedidos. É uma guerra para ter direito a uma manicure. Guerra disputada à unha e dente. Tente falar com uma manicure para saber detalhes do mimo. Você sente olhares assassinos da mulher que está ali sentada, recebendo as esmaltadas. 

Momentos absolutamente femininos na véspera da corrida
Em outra parte do evento, havia um curso de automaquiagem. Talvez devesse fazer esse. Não sei fazer maquiagem. Não saio do básico batom-lápis-rimel. Esfumaçar? Pintar o côncavo da pálpebra e... Esqueça. Não tenho essas habilidades. Mas também não gosto de muita cor no rosto. Não seria eu. Sempre acho que se tentar inventar bossa sairia com cara de palhaça. Daí porque não me arrisco. Ei, de certa forma isso é vaidade


Aula de automaquiagem. Não sei me maquiar

Deixei o evento com a tarde se despedindo. O céu tinha uma cor muito bonita. O outono torna as cenas mais interessantes. Olhei para o alto e torci por um tempo bom para a corrida no dia seguinte. 

Torci, no final do sábado, por um domingo radioso

O domingo amanheceu frio, mas estava claro. Acordei às 5h e pouco para poder me arrumar. Olhei para meu rosto. As sardas não pareciam ter clareado. Tomei um copo de leite e parti. No carro, o origami que está pendurado no espelho interno fazia um contraste bacana com as cores do dia nascendo.

Como o local da corrida é longe da minha casa e eu não manjo muito dos arredores, acabei perdida nas ruas (o acesso mais conhecido estava fechado). Via a hora escoar. A largada seria às 7h. Eram 6h45 já e eu ainda não tinha retirado meu chip para correr. Isso eu achei ruim. No Circuito Vênus, o chip vinha com o kit de inscrição. Ou seja, era chegar ao Jockey e correr (agora parece que estou falando de cavalos). Lá, não. Eu tinha de pegar esse chip e ainda tinha de levar minha mochila para o guarda-volume.

Cheguei sob a ponte e já ouvi de umas meninas que o estande para entrega do chip estava para fechar. Corri. Isso foi injusto. Eu tinha de reservar minhas energias para a prova. Mas tive de disparar para retirar o tal chip. Assim que o tive em minhas mãos, corri para o guarda-volume e depois corri para o local da largada. E eu pensando “não é hora de correr”. Afinal, seriam 8 km de prova! 

Muita gente pra correr. OMG!

Havia muita gente na ponte e na hora da largada eu estava lá atrás. Desviei das mulheres que estavam mais conversando do que andando até me aproximar da largada propriamente dita. Acionei o RunKeeper no celular. Não funcionou! Tentei de novo! Nada. Putz, não ia ter o registro pelo GPS. Maldito aplicativo que foi falhar justo naquele momento. Mas eu estava com o Nike Plus. Então, quando passei pelo tapete que registra a largada, apertei o botão e iniciei minha corrida.

A descida da ponte foi fácil. Porém lembrei das pessoas experientes dizendo que descida é que é ruim: destrói os joelhos. Fui num ritmo ok, embora achasse que podia deslanchar. Enquanto corria, via as figuras mais estranhas possíveis. Mulher inteira vestida de rosa. Mulher com cabelo produzido demais para uma corrida. Mulher com acessórios que deveriam ter vindo de fora. Grupos de mulheres rindo, amigas todas. Mulher acima do peso. Mulher magra. Mulheres altamente competitivas, fazendo gestos e trejeitos de atletas. E lá fui eu, com minha bermuda preta, a camiseta amarela da prova (eu não gosto de amarelo), exibindo os detalhes estilizados de oncinha (não gosto de estampa de oncinha), minha Nike Sportband cor de rosa e meu tênis pink. Eu estava uma explosão de cores. Ainda bem que tinha optado pela bermuda preta.

Descida da ponte foi fácil, mas exigiu cautela (joelhos)
 
Se tivesse de fazer meu perfil na prova seria a empenhada corredora solitária de óculos. Porque eu estava absolutamente dedicada. Meus primeiros quatro quilômetros foram em bom ritmo. Num bom ritmo para mim, no meu atual estágio. Acho. Não estou lá muito segura, nota-se. Mas entendo que estava indo bem.

Correr ao lado da marginal Pinheiros é uma experiência. Você vê o trem passando e até imagina se alguém ali dentro torce pelas mulheres, se curte a cena de ver tanta gente correndo na avenida. Tem também o mau cheiro, que atrapalha um pouco. A avenida é plana e, em tese, não oferece maiores obstáculos.

Daí porque não entendi minha queda de rendimento na segunda metade da prova. Uma semana antes eu tinha corrido mais de 10 km. Não era possível que não desse conta de 8 km. Tinha um fato que me intrigava. Placas sinalizavam os quilômetros percorridos, mas meu Nike Plus apresentava uma diferença significativa. Tanto que na minha cronometragem, ao final, deu mais de 9 km. Como pode? Isso eu ainda não saquei. 

No meio do caminho tinha... o cansaço (eu já sentia)
Depois do quilômetro 6, desisti de acompanhar um grupo de meninas. Eu estava perto delas, mas senti as pernas pesarem, a respiração encurtar. Meu problema de correr com a boca aberta (menina má!!!) estava me cobrando o fôlego. Insisti. Não consegui manter o ritmo. Permite que as meninas se fossem. Fiquei mais para trás. Diminuí o ritmo. Isso me decepcionou um bocado. Eu estava coberta de suor. Tinha corrido bem a primeira metade e tive boas expectativas, só que não adiantava. Minha resistência estava indo embora rápido demais.

Saquei meu celular. O aplicativo não funcionava, mas a câmera sim. Tirei algumas fotos, assumindo que não tinha como manter meu ritmo. Estava já preocupada com a subida da ponte. Se na estrada, em Monteiro Lobato, numa serra, quase tinha deixado os pulmões à margem, ali talvez morresse um pouco.

Já estava no km 7 quando resolvi retomar um pouco do ritmo, numa tentativa de me embalar psicologicamente. Surtiu algum efeito. Corria e nem me lembrava que poucas distâncias atrás tinha sentido cansaço. Fui. Fui. Fui. Peguei um copinho de Gatorade que a organização estava entregando no final. Bebi. Pesou. Peguei um copo de água, para me refrescar, não para beber. A temperatura subia, subia.

Estava chegando, tinha meus planos...
Estava naqueles de imaginar minha chegada como meio de me incentivar. Run, Lena, run. O que tinha acontecido comigo que não estava aguentando? Corri mais um pouco. Já era a subida? Surgiu a placa de 500 metros. Mantive o ritmo. Subia. Minhas coxas sentiam o esforço. 400 metros. Mais um pouco, força... 300 metros. Não tinha mais energia. Minhas pernas resistiam ao esforço que me impunha. Tinha um fotógrafo perto da placa. Não. Não podia ser fotografada desistindo. Forcei mais um pouco. Passei o fotógrafo e... comecei a andar. Estava sem forças. A respiração arfava. Meu orgulho estava abalado naquele instante. Perdi para a ponte. 

Ah, minha vaidade. Achava que não deixaria de correr na ponte. Achava que minhas pernas de povo andino resistiriam. Achava que, mesmo que perdesse muito o fôlego, um fiapo de energia sobraria e eu não teria de caminhar. Vaidade. Foi um tapa leve na cara. Para mim foi. Voltei a correr depois dessa breve caminhada e não parei mais. Cruzei a linha de chegada. Mal ouvia os gritos comemorativos das demais participantes. Dei mais algumas passadas e parei no muro, com a respiração tão acelerada que eu me comparei imediatamente aqueles cavalos de corrida que a gente vê nos filmes. O bicho com a boca aberta, o ar saindo ruidosamente e ele caindo na terra ou para ser abatido ou para ser o herói que surpreende no fim por sua resistência. Estava mais para ser abatida.

Fui para o muro alongar as pernas enquanto recuperava minha respiração. Veio de novo uma preocupação vaidosa. Meu rosto estava molhado. Detesto suor na face e eu estava completamente banhada. Minha toalha tinha ficado na mochila, no guarda-volume. O cabelo grudava na testa, na nuca. Se viessem me dizer que o homem mais bonito da Terra estava vindo me conhecer, diria para ele passar amanhã. Ou nem aparecer.

Feito o alongamento, comecei a descer o resto da ponte. Muitas mulheres tiravam fotos para registrar o momento. Era bonito de ver. Quanta gente feliz. Vinham homens, crianças e outras mulheres comemorarem o fim da prova junto com as mães, esposas, parentes, namoradas. Eu? Continuava sendo a empenhada corredora solitária. Peguei um Gatorade, comi uma banana, ganhei uma maçã (que se distribuem no final da corrida) e fui receber minha medalha. Que efeito redentor. 

Minha medalha, um Gatorade e uma maçã. Ótimo

Quando você olha para trás e vê o que fez e segura o objeto que indica que você cumpriu o desafio, aí vem uma sensação boa. Vem alegria. A aparência deve estar um lixo, mas aí você ri. Quem deveria estar com você, comemorando, é você. Outras pessoas podem se juntar nesse sentimento. Mas a primeira pessoa a agradar naquele minuto é você. Isso não é egoísmo. É o reconhecimento que você dá a suas perninhas, a suas coxas que gritaram na subida, aos pulmões que aguentaram tudo o que você faz de errado.

Ah, não escreverei “dane-se minha aparência”. Posso não ser do tipo que se preocupa com maquiagem ou unhas feitas, mas não quero parecer um espantalho. Fui buscar minha mochila, tratei de usar minha toalha para enxugar o que restava do suor, tentei arrumar o cabelo. E, antes de partir de volta para casa, fui ver a festa que se faz no final da prova. Professores de academia estavam ali de novo. Na hora em que fiquei de frente para o palco tocavam kuduro (o mundo das academias deu uma mudada desde as últimas matérias que fiz a respeito do universo fitness). Aquelas mulheres repetindo os exercícios não tinham nada das patricinhas de academia que via no passado. Ok, algumas podiam até parecer. Mas se via que elas estavam se divertindo. 

Mais uma vez, a festa. Mesmo depois de correr tanto

Acho que a corrida tira um pouco disso de a gente querer exibir uma linda aparência para as outras (eterna competição feminina) para exibir uma linda performance na rua. Não adianta nada ser a bela do bairro na prova. Tem de ser a atleta do bairro. Agora, se a mulher for a bela atleta do bairro, ah, cacilda, vai ter sorte assim na China.

Fiquei mais uns instantes vendo aquele pessoal todo se balançando no ritmo. Fui embora, com minha medalha e meu Gatorade. No final do dia, estava morta de cansaço. Tive de dormir cedo para me recuperar. E na manhã seguinte... corri para o espelho. É. As sardas são mais resistentes do que eu. Paciência.

Tá bom. Vamos tocar o som pós-corrida: Don Omar - "Danza Kuduro". Ft. Lucenzo