domingo, 27 de outubro de 2013

Tudo se apaga tão rapidamente...

Hoje já não era um dia normal.

Acordei e senti isso. Algo no ar. Algo na luz. Eu... que coisa mais besta... mas eu sentia.

Saí pra correr acompanhada da minha irmã. Fomos ao Ibirapuera. Não havia sol como nos outros dias da semana. Tudo bem. Prefiro assim para correr. Fiz o percurso habitual. E mesmo sem ter aquele sol senti um forte calor, mas não era no corpo inteiro. Era como se me queimassem os pés. Eu maldizia as meias.

Mas ainda não era isso.

Voltei pra casa. Tomei meu banho. Aí veio um mal estar. Leve. Seria da corrida? Do calor que senti na hora?

Não era.

Deitei-me. Fiquei vendo House. Vários episódios. Uma morte. Outros pacientes quase à morte. House pegando sua guitarra e tocando.

Às vezes só a música salva.

Então, resolvi olhar algo na internet. Tinha terminado um episódio. Olhei. Parei. Não quis aceitar no primeiro minuto. Lou Reed morto?



Nessas horas tudo desaparece. Tudo some. Esqueço tudo. Meu cérebro me atingia com a frase "Lou Reed morreu". Como se eu e Lou Reed fossemos grandes amigos. Como se um dia tivéssemos tomado umas cervejas juntos. Eu menos que ele, certamente.

Em junho eu o encontrei. Lou Reed era um dos convidados super esperados do Festival de Criatividade de Cannes. Todo ano tem alguém da música no painel de uma rede de agências chamada Grey. Já teve Roger Waters, já teve Yoko Ano. Nenhum deles me fez ansiar tanto por esse momento quanto Lou Reed. Desde o primeiro minuto que soube que ele estaria lá eu quis entrevistá-lo. Como se entrevista alguém que você admira muito???

Difícil, bem difícil. Quem já se pegou nessa situação me entende.

No dia do painel lá estávamos nós, eu e Gigi (uma das minhas grandes amigas; temos várias afinidades, uma delas é a música). Lou Reed entrou no palco demonstrando uma debilidade que nos fragilizou a todos. Ele tinha feito um transplante de fígado em abril.



Foi uma hora de debate interessante. Fotos explodiram com ele, o mito, entrando. Fotos explodiram quando ele encerrou o painel. Ele foi aplaudido várias vezes. No final, leu um poema. Eu bebia tudo com os olhos. A gente via ele andando e aquilo doía. Pelo menos para mim doía. É muito triste ver um homem fraco assim, mesmo lutando, tentando, resistindo.



Depois disso, houve uma coletiva com ele. Mr. Reed teve de se sentar. Quer dizer, sempre havia cadeiras para os entrevistados se ajeitarem e falarem com os jornalistas. Mas a dele era diferente. Jenson Button e Ron Dennis (McLaren), por exemplo, ficaram em cadeiras altas, rindo, exibindo cores no rosto. Lou Reed se instalou, afundou um pouco na cadeira, apoiou seus braços nos encostos e respondeu aos jornalistas. Por vezes era ácido. Tudo bem. Parecia que todos ali estavam se sentindo intimidados. Seria por ele estar visivelmente convalescente? Seria por que todos tinham admiração e timidez diante do astro? Seria por que ninguém se julgasse à altura? Podia ser tanta coisa.

Eu estava ali, esperando meu momento. Queria fazer apenas uma pergunta. Estava aguardando a hora em que as perguntas morressem. Havia questões meio bobas. Havia questões um pouco fora de contexto. Alguns jornalistas pareciam querer demonstrar conhecimento demais. Lou Reed os jantava todos. Eu disse da acidez? Perguntaram o que ele fazia para se manter criativo. Respondeu de pronto: "eu me masturbo todos os dias". Depois de mais um comentário carregado de sarcasmo, ele projetou a voz com mais força: "ei, vocês não têm humor?". Risos nervosos soaram pela sala. Éramos como crianças diante do mestre. Não, não creio estar exagerando.

Então, surgiu minha oportunidade. Peguei o microfone. Tinha pensado nela por causa da música "Perfect Day". A assessora de imprensa apontou para mim. Era minha vez. "Mr. Reed, what´s a perfect day for you... these days?" Eu abaixei o microfone e ele respondeu quase imediatamente. "Today". As pessoas aplaudiram. Ele olhou para meu rosto e senti muito profundamente que a resposta era mesmo para mim. Ele tinha entendido minha pergunta. Eu tinha entendido a resposta dele. Tive a sensação que iria derramar lágrimas ali. Mas segurei. Acho que aplaudi também. Não tenho mais certeza dos meus gestos. Ele completou a resposta para minha pergunta. "Gosto de encontrar gente. É importante ver o rosto das pessoas que amam música".

Caramba, aquilo era para mim? Teria visto ele que eu sou dessas pessoas? Provavelmente não. Não tenho essa importância, eu sei. De todo modo, fiquei abalada naquele instante. Tinha sido forte para mim. Lou Reed se foi pouco depois. Eu tinha coisas para fazer. Corri. Passei o dia correndo. Depois soube que o pessoal da imprensa do Festival de Cannes tinha perguntado a meu respeito. Queriam me agradecer pela pergunta. Disseram que tinha sido perfeita.



"Today". O dia perfeito é hoje.

Penso nisso agora. O dia perfeito só pode ser hoje. Mesmo que ele seja ruim. Basta refletir que a resposta foi dada por uma pessoa que passou momentos muito terríveis. Momentos para derrubar. Um transplante de fígado é algo tão... ora, apenas imaginem... E ele estava em um festival falando com um monte de gente que o aplaudia, que o admirava. Estar vivo, depois da nevasca, do temporal, da tragédia... isso é uma dádiva. Reconhecer isso é importante.

E é engraçado que, diante de tudo isso, lendo sobre a morte dele, revivendo aquele momento em que nós nos encontramos num átimo de segundo que nada representou em sua vida - enquanto que para mim representou muito -, vejo formiguinhas andando na mesa. Formiguinhas minúsculas. Daquelas que você se pergunta de onde surgiram. Olhei para uma delas que, atrevidamente, subiu na tela do laptop enquanto eu escrevia este post. Ela me ignora totalmente. Eu posso esmagá-la. E assim sua existência se apagará. Num gesto. Num segundo.

Puuft. E acabou a vida da formiguinha.

Ela não sabe quem é Lou Reed. Ela não sabe quem sou eu. Ok. Deixo que ela se vá.

A vida continua. É certo. Mas tudo pode se apagar tão rapidamente... Um brinde a você, Lou Reed.



A primeira que ouvi dele...




Quantas duzentas mil pessoas já não cantaram "Perfect Day"? Ela embalou dois casamentos de amigos muito queridos.


Mais um dos hits de Lou Reed.

E outro...

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Hora de se preparar para o que falta

Mais um mês acabou. Essa virada de calendário ressalta que o ano também está acabando. Logo as pessoas vão combinar a festa do réveillon, se é que já não estão. Confesso que tenho um tanto de "medo" dessa proximidade do final de ano. Essas coisas de Natal me deprimem. E não é de hoje. Virada, então... mesmo com todos os festejos, os fogos, os desejos de um novo - e bom - recomeço... não sei.

Deixando essa parte de lado, final de ano lembra a hora dos planos. Tempo em que as pessoas pensam no que gostariam de fazer na próxima temporada: emagrecer, ganhar mais, trocar de emprego, conquistar um amor. Também é o tempo de conferir o que se fez. Afinal, você emagreceu? Recebeu promoção? Cargo em outro lugar? Alguém se enamorou de você? Fez o pedido de casamento? Casou? Aprendeu finalmente a surfar? Ou tocar violão?

Agora, neste minuto em que escrevo, toca Jorge Drexler e ele canta: "ya estoy en la mitad de la carretera". Bom, com outubro começando, o caminho já está bem pra lá da metade. E ele continua cantando: "lo que tenga que ser, que sea".

O que tiver de ser... que seja (mais uma corrida no Parque da Luz)

Não tinha feito nenhum projeto específico para 2013, o contrário do que aconteceu no ano anterior. Eu simplesmente adotei a filosofia de Jorge Drexler, sem saber. O que tiver de ser, que seja. Então, eu me pego aqui sem a necessidade de ajustar planos ao calendário. Como não tinha feito nenhum de verdade, sinto-me desobrigada. Para ser honesta, lá atrás, em janeiro, pensei em tentar estabelecer uma meia maratona como meta, mas deixei para avaliar até agosto. Não consegui me incluir nesse plano. Em agosto eu não estava legal. Outro desejo que tive - esse no meio do primeiro semestre - foi viajar para Londres, o que já se cumpriu. Nesse sentido, estou sem metas. Livre feito passarinho.

Talvez por essa falta de comprometimento com planos prévios esteja absolutamente confortável em estabelecer o que quero para este resto de 2013. Vou voltar a correr a São Silvestre. Fiz minha inscrição. Comecei a me preparar. Por enquanto, o ritmo de retomada está piano, piano.

Ao longo do meu histórico de corridas, iniciado em janeiro de 2012, devo ter ficado umas cinco semanas sem correr. Não semanas seguidas. Era sempre um buraco entre semanas. Um hiato. Porém, recentemente, tive duas semanas seguidas sem correr e eu senti muito a volta. Ok, ok. Não estou voando. Mas todo recomeço é meio devagar.

Recomeço devagar... Tudo bem. Recomeçar é importante. Aqui, um descanso pós-corridinha rotineira (5 km)


Neste domingo que passou, 29, disputei mais uma prova e foram 11 km. Epa, 11? É que uma das marcas patrocinadoras, a Rexona, teve a ideia de propor um quilômetro a mais aos corredores para quem apoiasse o ginasta Arthur Zanetti, medalha de ouro nas últimas Olimpíadas. Fiquei a metade da corrida pensando se iria encarar o quilômetro extra. Vou ou não?

Tinha na cabeça que esses mil metros a mais não me custariam muito. Se me perguntassem em agosto, eu não toparia. Em agosto, minha prática estava tão abandonada e irregular que corria uma vez por semana. Desde que decidi encarar a São Silvestre, na segunda metade de setembro, coloquei as duas corridas por semana nos eixos. Logo vou passar para três. Por isso, como já estava nesse espírito, fiquei namorando a ideia de alongar a prova.

Evidentemente, tudo dependeria da minha performance durante. Larguei sentindo-me estranha. Já tive saídas muito melhores. Pés leves, corpo suave. Dessa vez, os pés pareciam mais pesados, como se reclamassem da obrigação de carregar toda minha estrutura. Estranha sensação. Não tive alterações de peso significativas nos três últimos meses. Então, não sei o que foi aquilo. Por isso, larguei um pouco encanada. Outro detalhe importante é que, por uma atrapalhada minha, entrei no grupo dos corredores metidos a profissionais. Opa, escrevendo assim soa ofensivo. Mas não é isso. Estava na turma dos "velocistas". Entrei por uma passagem e quando vi já era... "Vamos lá correr com os papa-léguas", pensei na hora.

Não que eles larguem muito diferente. Não percebi grandes diferenças. No início, tudo é igual. Um mundo de gente se espremendo e controlando as passadas para não atropelar ninguém. Ao menos é assim para mim. Você larga devagar, o caminho vai se abrindo e você começa a acelerar quando passa aquela multidão. Eu faço desse jeito. Não gosto de correr forte na muvuca. Primeiro porque parece exibicionismo. "Saiam da frente, seus lerdos". Sempre tem alguém que faz isso, como se fosse The Flash. Segundo porque posso atropelar alguém. Isso me soa até como falta de educação. Ou de atenção, no mínimo.

Uma largada diferente. Não a largada propriamente dita. Mas a maneira como larguei: Circuito das Estações - Primavera. Na região do Pacaembu. Último domingo de setembro

Corrida é algo que você faz com você, mesmo estando na multidão. Quer dizer, não sou do tipo que vai disputar pódio. Então, não olho para o lado, pensando que posição vou pegar, quem vou ultrapassar. Ultrapassagem, aliás, é só naquele instante secreto em que você mira alguém mais devagar no trajeto e estabelece para si que deixará esse alguém para trás. Isso para diversão.

Ao mesmo tempo, enquanto se corre, os olhos estão abertos. Você vê o caminho, as pessoas, os esforços. Correr é muito interessante.

De volta à prova do domingo, a primeira desde que resolvi disputar a São Silvestre, o Circuito das Estações. Costumo dizer que os três quilômetros iniciais são aqueles que, para mim, o corpo cobra, dizendo que não preciso correr. Sinto essa chamada. Meu organismo não entende por que decidi submeter meu corpo a tamanho desgaste. Depois disso, ele se aquieta e compreende que não adianta protestar. Em geral, é assim comigo. Na prova, essa resposta veio no km 2. Tive a largada estranha, corri, ouvi as reclamações internas, prossegui, acelerei, veio a aceitação.

Daí, terminei a avenida Pacaembu e peguei a viradinha. Ah, a viradinha...

Esse trecho é o início de uma subida puxada. Você sai do plano e pega a rua na ascendente. Que grau de inclinação. É forte. Falam da Brigadeiro. Se toda a Brigadeiro fosse como essa rua, tinha gente infartando no finzinho da São Silvestre. Vá lá, um exagero. Mas ela custa. Você só ouve gente bufando. Nessa hora, também pode surgir algum The Flash Super Fantástico, que acelera tudo e procura demonstrar que ele é o bom.

Beleza, eu também gosto de subida. Gosto de acelerar um pouco, mas é um pouco. É meu desafio pessoal. Posso estar cansada, porém se vejo uma subidinha (poucos metros) isso me dá um pique. Meu cérebro diz: "vai". E eu vou. Essa subidinha, entretanto, eu respeito. Mantenho o ritmo. Em seguida, surge o viaduto, o Minhocão. Ida e volta deve ter quase cinco quilômetros de percurso.

Viadutos não são linhas retas, caminhos planos. Há subidinhas e descidinhas. A gente tem de estar preparado para isso. Por duas vezes, em corridas passadas, acabei andando no Minhocão. É porque não sabia o quanto ele cobrava. Agora que sei, vou no meu ritmo. Sem bancar a superatleta. O negócio é manter a corrida.

Uma prova no Minhocão no ano passado. Subidas e descidas no caminho. Pela foto nem dá para sentir o real esforço que se faz. Eita, que correr aqui, sem parar nem uma vezinha sequer, não é bolinho

Na corrida de domingo, não parei nenhuma vez. É uma satisfação pessoal. Ninguém está ali do seu lado para você virar e dizer: "consegui. Não andei nenhuma vez. Venci o viaduto de novo". Poderia até andar na avenida, devido ao cansaço. Mas ali eu tinha vencido. E isso importava mais.

Depois do viaduto, era vez de pegar aquela rua de volta, não mais como subidinha. Na descida, me ensinaram, você controla seus movimentos. A tendência é acelerar. No entanto, é preciso concentração. Não vá arrebentar suas pernas, seus músculos, seus joelhos porque você deixou o corpo desembestar. Lembro de um corredor que disputa pódios para ganhar dinheiro (eu o conheci numa prova no centro de São Paulo). "Ah, na descida eu corro mesmo. Aproveito. Mas eu sei correr. Estou acostumado", disse-me.

Eu estava no começo dessa descida e surgiu a placa para quem iria encarar o quilômetro extra. Resolvi que ia encarar. Estava embalada. Ora, tinha vencido o Minhocão. Se nos primeiros metros do viaduto eu tinha sentido o esforço (maldita subidinha), assim que pegara o caminho de volta tive a sensação que eu tinha gás para mais. Fui, animada. Algumas pessoas aplaudiram a empreitada. Mas, nossa, se eu soubesse.

Havia outra subidinha nesse um quilômetro a mais. Percebi na hora em que comecei a descer a rua. Vi as pessoas fazendo o retorno. Muitos andavam. "Cacilda, deve ser um trecho puxado de subida", imaginei. Era. Enquanto descia, passei a dosar a energia, preparando-me para a parte em que seria muito cobrada. Relaxei os ombros. Vamos lá.

Que subida. Você vai até lá embaixo e recomeça. Ladeira íngreme é o que vinha à mente. Fui subindo. Primeiros metros, beleza. Depois, as pernas pesavam muito. Força, força. A respiração acelera. A temperatura do corpo sobe. Você transpira, transpira. Arfa, arfa. Você vê um daqueles tapetes que registram sua passagem. Vai, corre. Mantém. Não desanima. Vai... O ritmo diminui. Sua fraquela! Vai. Falta mais um pouco.

Aí, qualquer trecho mais plano você comemora. Sem fôlego. Mas comemora.

Mais uma medalha para a coleção. Esta contou com um quilômetro extra no final

Completei minha prova com esse quilômetro a mais. Quando faltavam 200 metros para terminar eu só pensava no momento em que pararia de correr. Visualizava. Em momentos assim parece que 200 metros são 500. Mas depois é a glória. Cruzei a chegada, desacelerei. Coração na boca, transpiração molhando o rosto, respiração aceleradíssima. Alguém da equipe médica me olha. "Você está passando bem?". Balanço a cabeça. Paro perto dela. Controlo a respiração. "É, tenho de me preparar mais. A São Silvestre tem quatro km a mais do que fiz hoje", imaginei. 

As subidinhas foram boas para me testar. Gosto delas. São desafiadoras. Elas me aniquilam. Mas eu dou conta delas.

Correr nem sempre é fácil. Isso que dá felicidade logo no primeiro minuto não é uma verdade absoluta. Concluir a meta do dia, porém, é realmente prazeroso. Às vezes o percalço é duro. Mas se você conseguiu, ora, parabéns!

Então, é isso. Não tinha nenhum projeto para 2013. Agora, aos 40 minutos do segundo tempo, estabeleci o que quero para este ano. Quero fazer a São Silvestre inteira, bonitinha, sem parar no caminho como no ano passado (tive de fazer uma pausa porque fiquei apertada e usei um banheiro químico instalado no trajeto... maldição! Isso quebrou meu ritmo).

Para isso, preciso me preparar. A hora chegou. Tenho meus planos. Agora é treinar.

Boa sorte a você com seus planos, caso ainda tenha de cumpri-los. Tem tempo para isso. Reorganize as metas (ou a meta). Esqueça o que ficou pra trás. Já é passado. Estude. Coloque objetivos práticos na missão. Anime-se. E vamos em frente!