sábado, 20 de julho de 2013

Fio branco

Do Huff Post (leia em http://migre.me/fxZdF) - Grace Lehman
Healer, writer and artist (b. 1950)
"I never dyed my gray hair. I never associated it with age. I always associated it with the art of being"

Estava tomando um banho sem aquela pressa do meio da semana quando deparei em minhas mãos com um fio branco. Inteiro, da raiz à ponta. Eu o apreciei com certo vagar. Esse é um verdadeiro sinal dos tempos. Um fio branco. Testemunha bioquímica do que já acumulei de histórias.

Lembrei que pouco mais de um mês atrás eu tinha me deparado com outro fio branco solto assim. Eu estava fora do País, trabalhando. Ao sentar-me para batucar um texto, reparei no espelho que havia defronte. Não tinha como não reparar nele. Olhei-me. Tirei uma foto e postei uma brincadeira no Instagram. As pessoas gostaram. Falaram do corte novo. Do ar jovial manifestado na imagem. De fato, aparento ser mais jovem do que sou. Não é algo para se gabar tanto assim. A gente é o que a gente vive. E não pretendo aparentar ter vivido menos (nem mais) do que vivi. O mais importante, acredito, é que, de um modo geral, vivi bem os anos que passei. Não me encanei com isso da idade. Não aos 30, nem aos 40. Vamos ver se aos 50 permanecerei incólume.

Mas eu falava do fio. Postei a tal foto. Recebi comentários rapidamente - o povo do Brasil é madrugador. Tinha de sair para fazer entrevistas. Então, ao me levantar, reparei naquela "linha" prateada solta sobre a minha calça. Peguei na mão. Não era linha. Era um dos três fios brancos que conseguia enxergar na cabeleira. "Bem, estou com um a menos".

A tal da foto no espelho: com um fio branco a menos na cabeleira

Esses dois mínimos, quase ridículos acontecimentos me fizeram voltar para o passado. Época em que meus pequenos tinham a idade da inocência (pequenos é minha maneira de falar. Eles já votam!). O filhote era um menininho cheio de ideias. A filhotinha era uma criaturinha de derreter corações só com o olhar cristalino e esperto, acompanhando o irmão-herói (era a fase do irmão-herói) em brincadeiras, atitudes e argumentos. Estavam os dois no quarto que dividiam. A gente ficava às vezes juntos na cama, vendo algum desenho e conversando sobre a vida, dentro da perspectiva que eles tinham (e havia cada conversa boa).

Porta-retrato: os filhotinhos na idade da inocência

De repente, o filhote me encara e diz surpreso que eu tinha um cabelo branco. A filhotinha, que é mais jovem, levantou-se e me olhou, com carinha indagadora, tentando entender a surpresa do irmão e buscando minha resposta. As consequências da questão escapavam ao seu entendimento, tão pequena era ainda. "Ah, um fio branco. Não é nada demais", respondi. Ele me perguntou por que tinha surgido aquele fio. Expliquei da maneira que julguei correta. "Porque estou envelhecendo". Seguiu-se uma transformação no rosto do menino. Primeiro um misto de choque. Depois de angústia. "Arranque", rebateu, com uma voz que parecia conter raiva. "Mas por que? Eu não tenho problemas com este cabelo branco", continuei, divertindo-me. Então, ele se atirou em mim, abraçando-me à beira do choro. "Não quero que você envelheça". Então, compreendi. Ele estava com medo de me perder. Estava com medo de que eu envelhecesse porque assim me aproximava da morte.

Conversamos sobre isso naquele dia. Eu e as crianças. Pedi que não se assustassem com isso. Que às vezes um fio branco surgia até antes do tempo. O filhote ainda insistiu mais um pouco que eu arrancasse aquela coisa. A filhotinha seguiu o irmão. Expliquei mais um pouco sobre minhas crenças. "A gente não precisa arrancar. A gente só precisa entender que a pessoa está vivendo mais. E vivendo mais tem mais cabelos brancos. Se viverem que nem o vovô, que é forte e está sempre contando histórias pra vocês, está muito bom".  Mostrar que meu pai estava bem foi importante para que eles aceitassem esse processo chamado envelhecer. Poderia ter falado que pintaria meus cabelos para disfarçar? Sim, mas eu não queria pintar. Afinal, era apenas um fio. E minha relação com os dois sempre foi de sinceridade (jamais usei mentirinhas para convencê-los de algo). Essa é uma virtude valiosa para a gente.

Mais um porta-retrato: eu e os filhotes, uma relação de sinceridade. Não escondo o que penso. Apenas explico (adequando apenas as palavras à situação e à idade). Desde que eles eram bem pequenos é assim

Tenho apreço pelos meus fios brancos. Não pretendo pintar os cabelos. É o que venho pensando nos últimos anos. Por que esconder-me atrás de uma tinta? Gosto de avançar no tempo. Isso se refere a mim, a meu jeito. Envelhecer pode ser muito ruim para alguns. Para mim, é um fato inevitável. Então, não entrarei em guerra contra esse processo. O que posso fazer é viver bem. E para viver bem tenho de tirar proveito do que consigo fazer hoje: ler muito e deixar a mente afiada, correr e manter o corpo em dia, comer decentemente e evitar problemas de saúde pela frente, beber um vinho ou uma cerveja de vez em quando e cultivar os prazeres da vida no cotidiano... É dessa maneira que enxergo a coisa.

Não sou exatamente uma pessoa vaidosa. Prezo mais o "ficar confortável e sentir-me bem comigo" do que "quero ficar bonita e impressionar". Claro, tenho minhas manias. Meus cuidados. Minha estética. Não uso muita maquiagem. Quando quero usar, em geral é batom. Curto anéis, brincos e colares. Um lenço. Creme para hidratar a pele. Filtro solar (preciso lembrar mais disso). Um perfume suave. Tênis, jeans e camiseta. Meus óculos. São coisas tão simples. Eu prefiro assim.

Então, quando pensei nos meus cabelos brancos, decidi que não iria camuflá-los. Eles são até meio feios. Grossos, meio tortos, desalinhados. Mas eu os deixo lá. Não quero arrancá-los, nem pintá-los. Estou bem comigo em relação a eles. Deixem que me lembrem que vivi histórias.

Cada um tem seu processo. Não estou aqui para dizer que o meu é o mais certo (embora as pessoas ganhem mais seguindo minhas opiniões... piadinha). Não estou dizendo que tudo é legal em envelhecer. Mas espero esse avançar do tempo de maneira suave. Sei lá se um dia faria botox, por exemplo. Realmente, não tenho rugas de preocupação por isso. Melhor assim ;)

O fio branco dizendo: estou aqui. Meus cabelos aqui parecem mais claros do que são. Efeito da foto. Eles são escurinhos mesmo. Sem tinta, sem luzes, sem reflexos... Somente reflexões

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Quando os dias são difíceis



Foto - Lena Castellón
Subterrâneos da Quinta da Regaleira (Sintra). Fotos: Lena Castellón


Não adianta insistir muito.
Forçar sentimentos.
Parecer legal.
Melhor é assumir nossa dificuldade. Há dias que você sente como se não devesse vivê-los.
Deveriam simplesmente se desvanecer no calendário.
Na folhinha eles sumiriam. Você olharia para o papel e veria o espaço vazio.
Você teria a certeza, então, do sentimento. Não se questionaria tanto. Apenas saberia: este é um daqueles dias. Desassossego.
Talvez fosse mais fácil encarar seu espírito. Não ficar brigando tanto com suas entranhas, seus meandros cerebrais, suas veias.
Mas a vida não permite isso, o espaço vazio. O calendário está lá. E as horas transcorrem.
A existência, numa situação dessas, é como o ar dentro de um saco de papel. O saco se mantém de pé. O ar está lá, sem que ninguém perceba. Não se desespere, porém.
Se o dia está difícil, o melhor é andar.
Não falar. Escutar. Ou até silenciar. Mover-se por ação da gravidade, quiçá.
Também respirar. Observar. Respeitar-se.
Não se impor nada que não exista. Sim, é verdade: não forçar.
Não se magoar. Não se torturar. E se ninguém te entender... para quê? Às vezes não é isso que importa. Há momentos em que você não busca o entendimento dos outros. Você quer apenas ficar recolhido.
Se for assim, recolha-se.
O dia passará.
Até lá, bote uma música.
E ande...


Foto - Lena Castellón
Você pode concordar em partes. Pode discordar totalmente. Mas andar é importante. Eu sei.