sexta-feira, 29 de março de 2013

A arte de recomeçar

Pegue um pouco de boa vontade, adicione as melhores lembranças da temporada passada, salpique novas metas e prepare tudo em fogo médio. Nem muito lento para evitar a demora e a impaciência. Nem muito forte para não correr o risco de estragar tudo de uma vez.

Bem, na verdade não tem receita para recomeçar uma atividade, um amor, um livro. Para uns, o que vai valer mesmo é a força de vontade. Para outros, nada vai valer e o que era passado permanecerá passado.


Olhar para frente e recomeçar


Mas não quero que seja assim com a corrida. Fiz um bom ano em 2012. Comecei na mais humilde das condições: abaixo do fundo do poço (treinando devagar para ganhar condições físicas e fazendo do exercício minha terapia). E terminei com o júbilo e as lágrimas de ter concluído a São Silvestre, minha principal meta do ano. Foram dez corridas, só que eu nunca pensei em colocar um número de provas disputadas na minha lista. Tudo o que aconteceu comigo aconteceu aos poucos, fruto do meu empenho, fruto de cada um dos passos que dei nos parques e nas ruas - e também na areia das praias.

Aí, no dia primeiro de janeiro me vi livre da grande meta estabelecida um ano antes. Foi primeiro uma grande alegria. Depois veio a dúvida do que fazer. Pensei em tentar correr uma meia maratona. Bom objetivo, calculei. Mantendo o ritmo, poderia estar preparada para o desafio em poucos meses.

Só que a vida, como sempre, nos surpreende. Então, o resultado é que corri poucas vezes em janeiro e, quando chegou fevereiro, fiz uma viagem internacional (trabalho) e fiquei muuuuuuuuuuito doente. Tanto que o médico recomendou que eu ficasse de molho até me recuperar plenamente. Conclusão: fevereiro também foi magro em corridas.

Passei dias muito gelados fora do Brasil (na foto, o estádio de Wembley). Acabei bem doente e não pude correr



E assim me veio a sensação de que recomeçar pode ser bem difícil. Claro que, sem os treinos que vinha fazendo, meu rendimento caiu. Às vezes me pego pensando, na estrada ou na trilha: "puxa, mas já corri 12 km sem parar. Por que agora me sinto morrendo nestes 4 km?" Porque isso aconteceu de fato. Estou correndo e sentindo que não dou conta do recado.

Já corri em tanto lugar... Aqui, uma estrada em Monteiro Lobato (SP)


Esse é um sentimento que, se não tomar cuidado, leva à desistência. Porque você fica lamentando que a performance caiu, que você não dá mais conta de distância longa, que vai ter de recomeçar do zero. Pois bem. Percebi que NÃO tenho de recomeçar do zero. Estes meses em que fiz pouco não representaram um abandono. O rendimento não é mais como estava em dezembro. Não. Mas o corpo me diz que, adicionada a perseverança, eu me recupero.

Outro dia, numa corrida noturna, fui pega pela chuva. Minha meta nas corridas cotidianas têm sido fazer 5 km (ao menos, 5 km!). Teve dia em que não deu - ou porque o fôlego acabou ou porque o mau tempo me impediu. Naquela noite, a chuva veio, assustou, diminuiu e eu resolvi continuar. Perdi-me no parque, mas tudo bem. Sempre há uma saída. Basta perguntar. Quando me encontrei, tinha corrido 6,20 km e ainda poderia correr mais. Minha mente tinha trabalhado a favor.


Refletindo sobre a corrida acabo refletindo sobre minha vida. Esta cena é para inspirar momentos assim. É um belo entardecer na Ilha de Comandatuba (BA), onde corri 5 km sob sol intenso. Corrida puxada até...


Nesse dia em questão, fiz uma reflexão sobre um detalhe importante: alguns dos quilômetros foram corridos em ritmo mais lento do que costumo fazer. É para me lamentar? Nem tanto. Com quem estou correndo? Ou contra quem estou correndo? É uma pergunta que faz diferença.

É isso. Não estou correndo contra ninguém. Não pretendo ser melhor do que aquela mulher mais velha do que eu e que tem as pernas moldadas pela corrida (vejo que ela é persistente). "Putz, ela me ultrapassou". Foi o que pensei na última prova que fiz ao me ver nessa situação. Era a Meia Maratona Internacional de São Paulo, que aconteceu no meio de março. Na hora, dá mesmo essa sensação meio humilhante. Felizmente, meu cérebro voltou a trabalhar em meu favor. "Mas peralá... Ela tem tempo treinando. Dá para ver pelos músculos. Não posso me abalar." Desse modo, minha cabeça funciona durante uma corrida de rua: vivo conversando comigo.

Pretendo retomar meu ritmo, pretendo aprimorar minha velocidade e minha resistência. Não estou querendo exibir um super pace para os outros como se eu fosse uma atleta etíope (até porque está muito longe disso. Anos-luz). Tenho de reconhecer minhas deficiências e falhas. E, reconhecendo isso, não estabelecerei metas inalcançáveis. Não pode ser assim comigo. Tenho o pé no chão. Tenho consciência de que preciso construir minha melhora passo a passo, sem pressa.

Medalha conquistada em março, na Meia Maratona Internacional de São Paulo, na região do Pacaembu. Calma. Não foram 21 km. Foram apenas 5 km, a outra modalidade de corrida que havia para a prova 


Mas também não posso deixar barato. Conforto, nesse caso, não é muito legal. É preciso ir além. Para mim, os primeiros 3 km são cruciais. Tem de persistir. O corpo fica dizendo que correr não é necessário. "Para que? Descanse". Sou capaz de jurar que ouço meu organismo chamando-me para interromper o ritmo. Aí, essa é a hora de teimar (caso, claro, você já tenha atingido condições físicas para isso). Transposto esse obstáculo, a corrida fica mais fácil. É o que sinto. Vem uma paz, com seu corpo aceitando que, não tem jeito, você está correndo e assim ficará por mais um tempo.

Então, este post é para afirmar que, mesmo que venham mensagens contrárias do seu corpo, vale a pena insistir no recomeço. Insistir se você tiver condições. Nada de forçar o coração. E isso vale para a corrida ou para a retomada de um relacionamento. Forçar o coração não pode. Botar para trabalhar os músculos que se mantiveram íntegros do passado, ok. E comemore cada conquista (na corrida ou no relacionamento... Ou comemore cada fim de capítulo daquele livro que você tinha interrompido).

Se posso dar algum conselho, aqui vai: siga no ritmo que puder, recuperando aos poucos as condições que tinha antes. Não desista por não conseguir logo de cara atingir os quilômetros desejados no ritmo planejado. Às vezes vai ser demorado. Às vezes, porém, você pode se surpreender. O importante é não esmorecer. Não morrer na praia (aliás, como é difícil correr na praia... Duas experiências em ilhas diferentes me mostraram isso).

Enfim, bora correr.