quarta-feira, 22 de maio de 2013

Cozinhar é fácil. Difícil é arrumar a cozinha

Ando às voltas com questões domésticas. Desde que decidi dizer "adeus, obrigada" à dona Maria, a mulher que vinha todas as quintas arrumar minha casa, tenho investido num processo que deixe meu lar com cara de lar... arrumado.

Sei que escrevo aqui sobre corrida, música e cultura pop, entre outros assuntos, muitos deles inúteis. Mas hoje o tema é mais básico. Fico me perguntando que geração estamos criando. Ah, não se trata de dúvidas filosóficas, dilemas sociopolíticos, preocupações ambientais. Não. Eu disse: o tema é básico.

Analisando a zona de guerra que, por tempos, se instaura na sala da minha casa, imagino se, como eu, outras pessoas estão falhando na educação de crianças e adolescentes no sentido de prepará-los a manter uma casa em ordem. Ou vai ver eu sou a única a errar aqui. De todo jeito, primeiro vamos ao mea culpa.

Não sou uma mulher que se desespera com a limpeza e a organização. Claro que desejo uma casa perfumada, asseada e em ordem. Mas não agonizo se vejo um par de meias esquecido na virada da noite para o dia. "Vá lá. Ficou com preguiça, Depois, quando acordar, pega e leva para a lavanderia", imagino, no momento "boa vontade". Outro exemplo: ver uma pia com louça para lavar no dia seguinte também não me atormenta (quem nunca fez isso, especialmente depois de um jantar com amigos que terminou bem tarde?). Além disso, jamais serei aquela mulher que anda pela casa com um produto de limpeza e um pano na mão para tirar resíduos praticamente invisíveis a olho nu. Prefiro ações concentradas - "vamos num levante arrumar essa bagunça" - a atitudes contínuas, sem parar, quase paranóicas para tirar a sujeira da frente. Relaxe, gente! É o que defendo.

Talvez por isso nunca tenha sido rígida nas cobranças para colocar "ordem na casa". Não sou mulher para ficar gritando "arrume essa bagunça" na porta do quarto. Eu peço. Uma, duas, três vezes. É minha maneira de viver (não gosto de gritos). Pois agora, com dois adolescentes maiores do que eu vivendo boa parte do dia em casa, percebo que deveria ter sido um tanto mais enérgica.

Não entendam mal. Esses adolescentes são ótimos. Têm bom coração e valores elevados, tudo o que eu mais queria. São companheiros e inteligentes. Mas demoram a captar algumas urgências. Tipo jogar lixo. Virou ladainha minha dizer que não colecionamos lixo. Isso porque frequentemente os adolescentes esquecem que é necessário retirar os sacos de lixo e colocá-los nos cestos do corredor do prédio dentro do horário indicado pelas regras do condomínio. Esquecendo, fica lá o saco fechado no cesto da lavanderia, como se fôssemos iniciar uma coleção. Porque é desse modo que ironizo o esquecimento.

Por isso é que acho que, se você tem um filho pequeno (sete a dez anos, mais ou menos), tem de se preocupar desde já em formá-lo para os cuidados da casa. "Ah, que horror. Meu filho cuidando da casa?", pode pensar alguém. Mas isso está longe de ser um horror! Porque a gente precisa preparar o filho pra vida (e agora me imaginei falando que nem o Fábio Porchat). Sim. Uma hora ele tem de sair de casa, não é?! E digamos que ele não ganhe essa fábula toda para contratar uma empregada ou uma diarista. Pois então! Deveria fazer parte da educação da garotada o "saber cuidar da casa". Não como se fosse aquela estudante do século XIX sendo preparada para casar. O que sugiro é educar a criançada para um dia perceber, por conta própria, que é preciso limpar a sala, lavar a louça e guardá-la, jogar o lixo, manter os sapatos guardados, mostrar que a roupa não se lava sozinha - e que, aliás, roupa mancha se for misturada sem atenção na máquina. Essas coisas.

Foto da página do Facebook chamada Ready Set Clean

Estou dizendo isso porque conclui que cozinhar é fácil - a criançada até tem interesse em fazer uns quitutes com a mãe, tipo cupcake. Difícil é arrumar a cozinha! Ou mostrar para a molecada que é preciso arrumar depois a "bagunça" que a gente faz. Inclusive na cozinha, depois de toda aquela alegria fazendo o cupcake.

Vamos às dicas que dou, com a experiência de quem, a essa altura do campeonato, tem de ensinar as "artes da arrumação da casa" a dois adolescentes já aptos a votar e que ainda desconhecem umas tantas nuances dessa vital lição. Tudo isso porque fui relapsa no passado (e pensar que eu tive minha mãe me colocando na "lida" quando eu era criança; sábia dona Emma).

- Lavar louça - tarefa simples, não? Pegar uma esponja (ou bucha, você escolhe como quer falar), o detergente e esfregar na louça, certo? Calma, calma. Há peças da louça que engorduram muito facilmente. Demais até. Cabo de talher que for de plástico, então. Aliás, tudo de plástico. Você sabe disso, né?! E seu filho? Sabe? Não. Por isso, ensine. Quando for lavar a louça, separe por categoria. Ah, coisa chata! Categoria? Mas funciona. Separe os pratos em pilhas (rasos, fundos, pequenos...). Peças de plástico devem ficar longe de panelas e outras louças engorduradas. Panelas também ficam separadas. Talheres, de preferência, junte tudo para lavar numa tacada só. Organize, portanto, a pia antes de iniciar o trabalho. Eu acho mais fácil começar pelos pratos, que vou empilhando no escorredor de louça. Daí, parto para os plásticos (o lance da gordura). Em seguida, copos, talheres e panelas. Tem de chamar atenção para a gordura. Please. Senão vai ser uma luta depois para convencer seu adolescente que aquilo está mal lavado. E tem de explicar que, depois da louça lavada, deve-se  limpar a pia. Parece óbvio? Pois bote seu adolescente com a missão de lavar a louça do domingo, por exemplo. Talvez ele não perceba que a tarefa inclui a pia.

Frame de vídeo do site da marca Scotch-Brite 

- Roupa - um dia, sabe-se lá por que, você precisará que alguém lave as roupas pra você. Pode ser que a diarista faltou e você tem de viajar no dia seguinte e está sem tempo. Ou não tem grana pra lavanderia. Ou o marido ou a esposa viajou e você está só... Enfim, você vai precisar de alguém. Daí, resolve pedir para o adolescente. Não é nada demais, afinal. "Basta colocar para lavar que você logo, logo chega e estende. É só para dar um adianto, ok?" Exemplo simples. Comum. Se não passou por isso, você um dia passará. Aí, você liga para o seu adolescente, que nunca antes se perguntou como as roupas são lavadas, e pede para ele quebrar o galho. Passa as instruções. Acha que explicou tudo direitinho. E as máquinas são tão modernas, não?! Praticamente lavam sozinhas as roupas. Calma. Não se iluda assim tão facilmente. E se sua máquina estiver balançando demais e seu adolescente ficar desesperado com aquele barulhão e ele apertar a "pausa", ou o botão que interrompe lavagem, tirar o plug da tomada por causa daquela confusão toda e você, chegando em casa, se deparar com aquele mundo de roupa ainda mergulhado na água? E se ele botou sabão demais? E se esqueceu o amaciante? E se juntou na mesma lavagem uma calça azul que solta tinta com uma camisa branca, aquela que você comprou tem uma semana? Pois é o que eu digo: não levamos a criança para ver como fazemos nossas tarefas domésticas e daí, quando chega na adolescência, fase em que tudo é boring, ela não presta atenção direito (isso porque você obviamente é "chata"). Ou, voltando para a questão da roupa, o caso é outro: você pede para estender. "Vou deixar lavando, Pedro Ernesto. Volto daqui a duas horas. Você estende a roupa para mim, por favor?". E vem de lá, do quarto, aquela voz desinteressada: "tá". Aí, quando você volta, as peças não estão estendidas (duas horas dentro da máquina, Jesus! Ou, pior, o dia inteiro!). Ou estão todas lançadas sobre o varal, de qualquer jeito, ou os pregadores seguram as roupas das formas mais esdrúxulas que você já teve a oportunidade de conhecer na vida. É culpa do Pedro Ernesto? Ah, um pouco sim. Porque adolescente tem preguiça. Não negue! Você já teve também. Mas a boa parte da culpa é nossa, se não dividimos com nossas crianças o trabalho que dá cuidar de uma casa.

- Mesa da cozinha - não sei quanto a vocês, mas não consigo entender em que ponto falhei na educação das crianças. Porque, ao que parece, elas não entendem que a mesa da cozinha não deve ficar com todos os produtos e peças que você usou durante o dia. Açucareiro? Pote do Toddy? Caixa do suco (vazia. Ou pela metade e fora da geladeira, o que dá ainda mais raiva)? Migalhas do sanduba? Ô, meu pai. Se a mesa da sala está desarrumada, com cadernos, fone de ouvido, uma revista e mais o laptop largado, isso não me incomoda tanto. Paciência. Organizemos. Mas aí você passa o dia inteiro trabalhando e entra na cozinha para providenciar o jantar e dá de cara com aquela mesa tomada de coisas. Não é uma boa recepção. Então, já ensine desde pequeno: "a mesa da cozinha é uma parte muito importante da casa, meu filho lindo. Por isso, não deixe o copo aqui, tá. Coloque na pia." "Tá tomando leite com chocolate, Maria Cristina? Que legal que você já é crescida e faz seu próprio leite, acho ótimo. Mas não esquece de guardar o Toddy, tá. Não, você guarda! Não posso guardar tudo para você, linda."

- Banheiro - tudo bem. Não serei tão radical quanto minha mãe que me botava para lavar o banheiro com ela toda sexta-feira, dia de faxina pesada. Era eu chegar da escola e tirar o uniforme para vestir uma roupa velha e correr a ajudá-la na arrumação da casa, que só acabava de noite (sim, de noite. Ela ia para cozinha cuidar do jantar e eu meus irmãos íamos tomar banho). Ok, sem provas de fogo para a garotada hoje. Mas a criança - e o adolescente - tem de saber que o piso do banheiro tem de estar seco! Ou, pelo menos, não-molhado. Tudo certo até aí? Repito: isso tem de ser de pequeno. Criançada tomou banho, saiu limpinha, com a tolha no corpo e sorriso largo. Ah, que lindos! "Bom, mas você puxou a água do piso do banheiro? Sei. Agora você não quer porque ainda está molhado e está sentindo frio? Pois volte, pegue o roupão, feche bem fechado, amarre com o cordão e pegue o rodo para tirar toda essa água que você esparramou. Ah, tem de ser agora, sim. Que pena, né?! Ah, você está cansado. Tadinho, meu amor. Eu também estou. Mas volte lá e seque o banheiro. Não precisa passar pano que essa parte eu faço por você. Eu te ajudo. Tá bom assim, Nando?".

- Meias - isso merece um capítulo. De novo, faça um exercício e volte ao passado. Você já foi criança e adorava andar de meia pela casa. Eu, pelo menos, adorava. Seu filho também gosta. Mas não adianta explicar que dá o maior trabalho lavar meias impregnadas de sujeira. Mesmo que esse trabalho seja da dona Maria, pegue seu filho um dia e junte as meias, aquelas bem pretinhas de tanto andar pela sala, pela varanda, até pela cozinha. Lave seu filho para o tanque. Que horror, que horror. Calma. Peça para ele esfregar até tirar aquela sujeira. Se vai funcionar, eu não sei. Talvez continue a andar pela casa de meias, pouco se importando com o trabalho que dá. Mas ao menos você tentou. Outra lição importante: peça para ele recolher as meias - e as demais roupas - do quarto e levá-las à lavandeira. Não recolha você e não permita que outra pessoa recolha. Aliás, deixe de lavar as roupas do moleque e nem as coloque passadinhas no guarda-roupa. Faça com que ele entre em pânico ao perceber que não tem roupas! Aí, você diz muito calmamente: "isso é para te mostrar que você complica muito minha vida por atirar suas meias em qualquer canto: na sala, debaixo da cama, até na estante, Luiz Paulo. Então, é assim. Já que você não tem de lavar a roupa, então, demonstre seu reconhecimento pelo trabalho feito e  pelo menos entregue a roupa suja direitinho, tá bom. De preferência, entregue direto no cesto" (ah, quanta dureza neste meu coração). Por que eu falo de meias? Porque elas somem! Elas desaparecem e, com sorte, você encontra nos lugares mais loucos. Debaixo da cama é básico. Adolescentes têm esse hábito de jogar debaixo da cama. Acho que até colecionam lá uns pares. Ou uns pés (porque aparentemente o objetivo é desparear as meias). Mas a coisa não termina aí. Você encontra as meias, lava, estende, recolhe e... pede para o adolescente guardar. Guardam? É que dá preguiça juntar os pés e guardar os dois bonitinhos... E, então, eles amontoam tudo num bolo só e te procuram num dia em que você está correndo, atrasada, e te param para perguntar onde tem meia.

- Guarda-roupa - outro trabalho cão, que me leva a pensar que falhei na educação. Vá lá, ter um armário mega organizado não é fácil nem entre adultos. Mas mostre, por exemplo, que não se joga de qualquer jeito a roupa passada. "Ah, não. Por favor. Respeite sua mãe." É que, no meu caso, sem ter uma passadeira (passadeira, pra mim, é tipo mordomo. Nunca tive), sou eu que cuido de passar a roupa. Desde que meus adolescentes eram bebês essa tarefa sempre foi minha. Aí, você vai levar as mudas limpas para os quartos dos adolescentes e encontra as camisetas passadas todas jogadas, mal dobradas, largadas, amontoadas, amassando. É de dar nos nervos. Em casa, eles já passaram uma ou outra peça. Ficou um serviço ruim. Ok. Agradeça a ajuda. Mas eles têm de aprender. Então, um dia, chame seu adolescente (porque ensinar a passar roupa só pode ser para adolescente) e mostre como se faz, chamando atenção que certas estampas "queimam" e borram a camiseta, que tem diferença de tecido, que tem jeito de passar camisa, a manga da camisa, as dobras, essas coisas. Hummm, você não sabe nada disso?! Não sabe como ensinar? Você, adulto, nunca tentou passar uma roupa? Bom... melhor aprender. A gente nunca sabe o dia de amanhã.

Detalhe importante: se você já perdeu a "janela de oportunidade" para educar seu pequeno para as tarefas domésticas, então procure ser prático com seu adolescente. Não adianta falar e falar e falar. Não dá certo. Monte uma planilha, que você ajusta a toda semana, com as tarefas que cabem a ele e a você. Porque não se deve transmitir a sensação que agora é "tudo ele". Não. Tem de ficar claro que cuidar da casa é um trabalho de todos. Não está dando certo uma determinada tarefa (jogar lixo, por exemplo)? Estude uma nova estratégia. Não desista. "Ah, você está esquecendo do horário. Bote um despertador para tocar uma hora antes do prazo do condomínio se encerrar". Cobre-se também. Vire para ele e diga: "nossa, era para eu ter feito as compras e eu não fiz. Desculpe. Estou em atraso com minha tarefa". Se for preciso, troque a atividade porque um dos dois - ou dos três ou dos quatro, conforme o tamanho da família - não poderá cumprir naquela vez (tem uma prova importante, por exemplo, e precisa estudar mais). Mas troque já fazendo uma adaptação. Se na semana não pode colocar roupa para lavar, na seguinte, além de colocar a roupa para lavar, ainda vai cuidar das compras do meio da semana. Pra compensar o esforço do outro que o substituiu.

Detalhe importante 2: essas minhas dicas não são para todos os casos. Pense no que você precisa realmente. Pense no que está vendo diante de seus olhos (tipo, a zona dos brinquedos espalhados pelo chão do quarto do pequeno). E crie suas próprias estratégias. Fundamental é não deixar o tempo escapar e encontrar lá pra frente um adolescente irritado com suas chatices... Porque aí fica mais difícil ele adotar algumas práticas. O mundo é um tédio, lembra?

Detalhe importante 3: por que as marcas de limpeza não criam tutoriais para aqueles que querem saber arrumar uma casa sem ter muito trabalho (lições práticas que economizam tempo)? Ah, você acha que elas fazem isso bem. Nein, nein. Tem umas dicas, com uma listinha de "to do". E umas abas com conteúdo a ser publicado ainda. Pegar uma pessoa para mostrar como dar conta de uma pia cheia, com vídeo, com fotos, passo a passo, ah, isso não vi.

sábado, 11 de maio de 2013

Renato Russo, ainda espero...

Vi o filme "Somos tão jovens".

Eu sempre quis um filme sobre o Renato Russo. No dia em que ele morreu, escrevi um texto no qual dizia que a gente um dia ia se encontrar depois que a neblina passasse. Era algo assim.

Renato Russo, o mito. Crédito: www.legiaourbana.com.br/ricardo junqueira

O filme que tenho na cabeça não é igual a "Somos tão jovens" - e tampouco será como "Faroeste Caboclo", que está para entrar em cartaz. Na verdade, nenhum filme será igual ao que imagino. Acho que deve ter outras pessoas pensando o mesmo, com suas narrativas rolando pela mente. Claro que me refiro aos fãs. Gente querendo fazer filme e que nem era tão fã assim pode enxergar na figura do Renato Russo a oportunidade de criar um longa capaz de atrair multidões. Quem é muito fã já deve ter criado um filme mirabolante na imaginação.

Falo que teria gente nem tão fã querendo fazer um filme sobre ele porque Renato Russo virou um mito. Até quem detesta Legião vai reconhecer isso. Aliás, um dia me surpreendi que um cara que eu admiro estivesse entre esses que não suportam a música da banda que ainda é a mais popular do Brasil (quer dizer, tem outra??? Ajudem-me a pensar porque agora não me ocorre nada).

É lógico que não vou censurar esse amigo por não gostar. Primeiro porque ele tem um ótimo gosto musical. Tem tanta informação que eu devo ficar quietinha quando se trata de discutir música - ou nem tanto porque também sei um bocado. Segundo porque eu respeito a diversidade, mesmo quando alguém me diz curtir Xuxa (ecaaaaaaa!). Não, calma. Xuxa, não. Tenho de respeitar mesmo?! Tudo bem. Faço careta, mas me calo. E o problema definitivamente não é meu.

Mas voltemos ao Renato que é muito mais agradável...

Minha história com a banda começou quando meu irmão mais velho ganhou um LP em uma promoção da rádio Fluminense FM. Eu não sei como ela pegava em São Paulo, só que meu irmão ouvia e o som era ótimo. Então, sortearam um disco de uma banda nova e ele ganhou.

Lembro da gente pegando o álbum branco em casa e tirando o vinil do plástico, aquela sensação fantástica de ter um disco novinho. Eu não conhecia a banda e foi até meio estranho ouvir português no rock. A gente estava na fase de descobertas de novos sons, todos gringos. Havia aquela troca de fitas, emprestadas ou gravadas por amigos - mais ou menos como "Somos tão jovens" mostra. Então, sabíamos alguma coisa da música que tocava nos EUA e no Reino Unido. Aqui, mal sabíamos de bandas de rock brasileiras.

Essa é a imagem da capa do primeiro álbum: "Legião Urbana" (1985). Crédito: www.legiaourbana.com.br

Legião, eu diria, foi a primeira banda de rock de verdade que nos pegou no Brasil. Falo da minha família. Não da geração (aí, que cada um responda por si).

Tinha gostado bastante do som. "Soldados" eu devo ter tocado até furar o disco. "Ainda é cedo" também. Mesmo "O reggae", tão menos popular... E evidentemente aprendi a cantar "Geração Coca-Cola" e tudo mais. Ao contrário da turma de Brasília, como o "Somos tão jovens" sugere, nós não estávamos tão por dentro de que a ditadura era um negócio que ainda latejava. Por mais que meu pai fosse bastante ligado em política - e sempre foi - e nos apontasse os caras da Arena (o partido de direita que apoiou os militares) como gente da pior espécie, a consciência política que brotava nas letras da Legião eu não tinha. Mais: tem o fato de eu ser apenas uma adolescente quando eles já estavam tocando, bebendo cerveja e se apresentando por aí.

(Por sinal, uma coisa que me impressionou um pouco no filme foi ver como os jovens da turma do Renato Russo bebiam muito. Eu sempre fui caretinha. Não tenho discurso condenando bebida e bebuns, não. Mas minha primeira cerveja foi quando já estava na PUC - e foi num sujinho da Ministro Godoy, num sábado depois da aula e eu achei aquilo a maior amargura - o paladar era infantil... Ah, que fique claro que hoje sou uma entusiasta da cerveja. A minha pode ser red ale. Eu gosto das ruivas.)

Muito bem, então eu me liguei na Legião Urbana desde o primeiro momento, desde o primeiro instante em que o vinil saiu do plástico. Queria ter visto mais shows da banda, mas sendo caretinha, filha de mãe durona e quase sem dinheiro nenhum, eu só tive mesmo uma oportunidade. Já trabalhava (estava na Folha de S. Paulo) e tinha um show da Legião no Palmeiras. Fui até lá comprar ingressos para mim, para minha irmã do meio e esse meu irmão mais velho, o que ganhou o disco. Mal entrei na fila do guichê e descobri: ingressos esgotados!

(Ô, sina!!! Brasil, você muda e cresce, mas vira e mexe fico engasgada com isso de não conseguir os ingressos que quero porque um mundo de cambistas leva bilhetes de baciada.)

Estava tão espantada e sem enxergar saída que um cara percebeu minha situação e se aproximou. Era um cambista, que logo me vendeu três ingressos. Que presteza, não?! E a coisa era tão armada que o sujeito do guichê viu a cena e deu de ombros. Nem para alertar que isso não ia dar certo. Porque não deu certo. Lógico que eu não suspeitava que não daria certo. Os ingressos eram falsificados. Mas...

Alguém lá em cima queria que eu visse a Legião Urbana. Fomos ao show eu e meus irmãos e encontramos uma fila colossal. Sem brincadeira, creio que nunca mais encontrei uma fila para show tão grande quanto aquela. Dava uma volta no estádio do Palmeiras. A gente chegou de táxi por um lado e teve de contornar o quarteirão inteiro tentando entender aquela muvuca. Em dado momento, meu irmão pegou a gente pela mão e nos enfiou no meio da fila. Isso mesmo. Fizemos aquilo que eu condeno tanto: furamos a fila.

Horrível, não?! Mas isso nos ajudou, confesso. Ao chegarmos no pessoal da organização, eles, que pareciam seguranças, pegaram nossos ingressos. Um homem, com a luz negra na mão, segurava o papel, checava e dizia em voz alta, para outro sujeito ouvir: "falso, falso, falso". De novo fiquei surpresa. Meu cérebro demorou para processar que eu tinha comprado os bilhetes de um cambista desgraçado e pilantra. E eu lembrava da cena: ele sacando os bilhetes e me mostrando e o cara do guichê fazendo pouco caso, como se fosse tudo bem. O segundo sujeito, lá na entrada do estádio, nos empurrou para um canto e eu continuei estupefata. "Falsos?!", repetia para mim. Meu irmão nada falou. Mas minha irmã pegou a gente pelo braço e... mudou a direção, de forma apressada. "Vamos!" Realmente, ninguém se preocupava conosco. Os "seguranças" pegavam outras pessoas na fila e iam tratando assim, aos empurrões. "Falso. Falso" (devia ter rolado uma enxurrada de bilhetes falsificados).

Ainda estava prestando atenção nisso quando minha irmã insistiu. Corremos com ela para dentro do estádio. Ninguém notava a gente no meio da balbúrdia, com as pessoas - com ingressos verdadeiros - andando rápido para pegar o show inteiro (foi muito tempo perdido na fila). Aí, paramos numa segunda barreira, com uma mulher pedindo nossos ingressos. Como os caras nos devolveram os bilhetes falsificados, a gente apresentou exatamente o que tínhamos na mão, sem falar nada. Fomos liberados. Isso mesmo. Foi tudo errado, atrapalhado, confuso. Mas, no fim, deu certo.

Entramos. Avançamos pelo gramado, corremos até o palco. A gente se ajeitou num canto e de repente começou o show. Foi fantástico. Víamos o Renato Russo de perto, ouvíamos o que ele dizia, sua interação com o público, conhecemos músicas que eram novas na ocasião. E havia muita gente hipnotizada, encantada. Foi uma apoteose.

Renato Russo em show no Metropolitan (RJ). Crédito: www.legiaourbana.com.br/ isabela kassow

Saímos de lá felizes. E cansamos no caminho de volta para casa, a pé. Não é uma distância longa do Parque Antarctica ao Bom Retiro, onde morávamos. Mas o stress esgotou a gente.

Toda essa história demonstra como sou ligada à banda e ao Renato Russo. Muitos anos depois, comprei um livro para saber da vida dele. Li, curti, emprestei. Vi diversas reportagens a respeito dele. Sou uma fã realmente. Com a vantagem de entender algumas coisas daquele tempo. Somos, eu e ele, integrantes de uma geração (a diferença de idade é de oito anos). Os novos fãs talvez não captem certas nuances da história. Ou não. Pode ser que eles sejam bem espertos e informados e eu queira apenas me gabar de ter vivido na mesma época que o Renato Russo.

Um filme bom, mas longe de ser o que eu queria. Normal...

Ao ver "Somos tão jovens" fui transportada a um tempo que conheci. Minha irmã caçula, que também adora Legião, é dez anos mais nova do que eu e não deve ter percebido o clima daquela época do surgimento da banda (ela era uma criancinha). O ator que interpretou Renato Russo provavelmente também não sentiu isso na pele como eu, embora ele tenha feito um poderoso trabalho de imersão. Consegui ver o músico nele (ligeiramente forçado em certos momentos, na minha opinião).

Não é um filme perfeito. Achei bom. Não mais do que isso. Há momentos em que parece meio sessão da tarde, confesso. Mas resgata um período do Brasil (resgata ou apresenta, dependendo do grau de conhecimento de quem vê). Tem o mérito de trazer de volta essa atmosfera do início dos anos 80, que era um pouco perdida, um pouco em busca. Quem éramos nós, afinal?

Thiago Mendonça interpreta bem o Renato Russo jovem. Muito verossímel

O longa tem bons atores. Conta uma história direitinho e inventa um personagem para ser ponte para a complexidade do jovem Renato Manfredini Jr ("Ana", uma mulher que representa diversas amigas). Só que, na hora em que imaginava ver Renato Russo tornando-se o cantor das multidões (sem comparações com Orlando Silva, ok), o filme acaba. Parece pedir uma continuação. Mas também não fornece elementos que preparem o espectador para uma continuação. Por que foram botar no fim o vídeo real de uma música tocada no Circo Voador? Não precisava disso. Gerou-me esta impressão: "até aqui é filminho, agora é documentário, coisa real". E o vídeo ainda foi longo. Nada contra esse registro da realidade. Como fã, gosto. Só que ele tem de estar inserido no contexto certo, não para deixar gente "felizinha". O objetivo foi esse? Agradar com um bônus?! O longa é uma ficção, não um documentário. Não necessita de apelações.

De todo modo, se pensaram em fazer "Somos tão jovens 2" eu sou contra. Um bom filme sobre Renato Russo não deveria ter sequência. Tem de ter princípio, meio e fim. Não estamos falando do Homem de Ferro, ora (ops, eu adoro o personagem!). Trata-se de um homem de carne e osso, que viveu, amou, apaixonou, sofreu e morreu. Começo, meio e fim.

Outros filmes podem ser lançados. Gostaria de vê-los, se surgirem. Ainda espero que façam um filme que me diga quem foi ele e como ele se foi. E que mostre a tristeza que senti quando Renato Russo morreu, dando-me aquela sensação de que o mundo será mais justo se a gente um dia puder se encontrar. Palavras de uma fã.