sábado, 11 de maio de 2013

Renato Russo, ainda espero...

Vi o filme "Somos tão jovens".

Eu sempre quis um filme sobre o Renato Russo. No dia em que ele morreu, escrevi um texto no qual dizia que a gente um dia ia se encontrar depois que a neblina passasse. Era algo assim.

Renato Russo, o mito. Crédito: www.legiaourbana.com.br/ricardo junqueira

O filme que tenho na cabeça não é igual a "Somos tão jovens" - e tampouco será como "Faroeste Caboclo", que está para entrar em cartaz. Na verdade, nenhum filme será igual ao que imagino. Acho que deve ter outras pessoas pensando o mesmo, com suas narrativas rolando pela mente. Claro que me refiro aos fãs. Gente querendo fazer filme e que nem era tão fã assim pode enxergar na figura do Renato Russo a oportunidade de criar um longa capaz de atrair multidões. Quem é muito fã já deve ter criado um filme mirabolante na imaginação.

Falo que teria gente nem tão fã querendo fazer um filme sobre ele porque Renato Russo virou um mito. Até quem detesta Legião vai reconhecer isso. Aliás, um dia me surpreendi que um cara que eu admiro estivesse entre esses que não suportam a música da banda que ainda é a mais popular do Brasil (quer dizer, tem outra??? Ajudem-me a pensar porque agora não me ocorre nada).

É lógico que não vou censurar esse amigo por não gostar. Primeiro porque ele tem um ótimo gosto musical. Tem tanta informação que eu devo ficar quietinha quando se trata de discutir música - ou nem tanto porque também sei um bocado. Segundo porque eu respeito a diversidade, mesmo quando alguém me diz curtir Xuxa (ecaaaaaaa!). Não, calma. Xuxa, não. Tenho de respeitar mesmo?! Tudo bem. Faço careta, mas me calo. E o problema definitivamente não é meu.

Mas voltemos ao Renato que é muito mais agradável...

Minha história com a banda começou quando meu irmão mais velho ganhou um LP em uma promoção da rádio Fluminense FM. Eu não sei como ela pegava em São Paulo, só que meu irmão ouvia e o som era ótimo. Então, sortearam um disco de uma banda nova e ele ganhou.

Lembro da gente pegando o álbum branco em casa e tirando o vinil do plástico, aquela sensação fantástica de ter um disco novinho. Eu não conhecia a banda e foi até meio estranho ouvir português no rock. A gente estava na fase de descobertas de novos sons, todos gringos. Havia aquela troca de fitas, emprestadas ou gravadas por amigos - mais ou menos como "Somos tão jovens" mostra. Então, sabíamos alguma coisa da música que tocava nos EUA e no Reino Unido. Aqui, mal sabíamos de bandas de rock brasileiras.

Essa é a imagem da capa do primeiro álbum: "Legião Urbana" (1985). Crédito: www.legiaourbana.com.br

Legião, eu diria, foi a primeira banda de rock de verdade que nos pegou no Brasil. Falo da minha família. Não da geração (aí, que cada um responda por si).

Tinha gostado bastante do som. "Soldados" eu devo ter tocado até furar o disco. "Ainda é cedo" também. Mesmo "O reggae", tão menos popular... E evidentemente aprendi a cantar "Geração Coca-Cola" e tudo mais. Ao contrário da turma de Brasília, como o "Somos tão jovens" sugere, nós não estávamos tão por dentro de que a ditadura era um negócio que ainda latejava. Por mais que meu pai fosse bastante ligado em política - e sempre foi - e nos apontasse os caras da Arena (o partido de direita que apoiou os militares) como gente da pior espécie, a consciência política que brotava nas letras da Legião eu não tinha. Mais: tem o fato de eu ser apenas uma adolescente quando eles já estavam tocando, bebendo cerveja e se apresentando por aí.

(Por sinal, uma coisa que me impressionou um pouco no filme foi ver como os jovens da turma do Renato Russo bebiam muito. Eu sempre fui caretinha. Não tenho discurso condenando bebida e bebuns, não. Mas minha primeira cerveja foi quando já estava na PUC - e foi num sujinho da Ministro Godoy, num sábado depois da aula e eu achei aquilo a maior amargura - o paladar era infantil... Ah, que fique claro que hoje sou uma entusiasta da cerveja. A minha pode ser red ale. Eu gosto das ruivas.)

Muito bem, então eu me liguei na Legião Urbana desde o primeiro momento, desde o primeiro instante em que o vinil saiu do plástico. Queria ter visto mais shows da banda, mas sendo caretinha, filha de mãe durona e quase sem dinheiro nenhum, eu só tive mesmo uma oportunidade. Já trabalhava (estava na Folha de S. Paulo) e tinha um show da Legião no Palmeiras. Fui até lá comprar ingressos para mim, para minha irmã do meio e esse meu irmão mais velho, o que ganhou o disco. Mal entrei na fila do guichê e descobri: ingressos esgotados!

(Ô, sina!!! Brasil, você muda e cresce, mas vira e mexe fico engasgada com isso de não conseguir os ingressos que quero porque um mundo de cambistas leva bilhetes de baciada.)

Estava tão espantada e sem enxergar saída que um cara percebeu minha situação e se aproximou. Era um cambista, que logo me vendeu três ingressos. Que presteza, não?! E a coisa era tão armada que o sujeito do guichê viu a cena e deu de ombros. Nem para alertar que isso não ia dar certo. Porque não deu certo. Lógico que eu não suspeitava que não daria certo. Os ingressos eram falsificados. Mas...

Alguém lá em cima queria que eu visse a Legião Urbana. Fomos ao show eu e meus irmãos e encontramos uma fila colossal. Sem brincadeira, creio que nunca mais encontrei uma fila para show tão grande quanto aquela. Dava uma volta no estádio do Palmeiras. A gente chegou de táxi por um lado e teve de contornar o quarteirão inteiro tentando entender aquela muvuca. Em dado momento, meu irmão pegou a gente pela mão e nos enfiou no meio da fila. Isso mesmo. Fizemos aquilo que eu condeno tanto: furamos a fila.

Horrível, não?! Mas isso nos ajudou, confesso. Ao chegarmos no pessoal da organização, eles, que pareciam seguranças, pegaram nossos ingressos. Um homem, com a luz negra na mão, segurava o papel, checava e dizia em voz alta, para outro sujeito ouvir: "falso, falso, falso". De novo fiquei surpresa. Meu cérebro demorou para processar que eu tinha comprado os bilhetes de um cambista desgraçado e pilantra. E eu lembrava da cena: ele sacando os bilhetes e me mostrando e o cara do guichê fazendo pouco caso, como se fosse tudo bem. O segundo sujeito, lá na entrada do estádio, nos empurrou para um canto e eu continuei estupefata. "Falsos?!", repetia para mim. Meu irmão nada falou. Mas minha irmã pegou a gente pelo braço e... mudou a direção, de forma apressada. "Vamos!" Realmente, ninguém se preocupava conosco. Os "seguranças" pegavam outras pessoas na fila e iam tratando assim, aos empurrões. "Falso. Falso" (devia ter rolado uma enxurrada de bilhetes falsificados).

Ainda estava prestando atenção nisso quando minha irmã insistiu. Corremos com ela para dentro do estádio. Ninguém notava a gente no meio da balbúrdia, com as pessoas - com ingressos verdadeiros - andando rápido para pegar o show inteiro (foi muito tempo perdido na fila). Aí, paramos numa segunda barreira, com uma mulher pedindo nossos ingressos. Como os caras nos devolveram os bilhetes falsificados, a gente apresentou exatamente o que tínhamos na mão, sem falar nada. Fomos liberados. Isso mesmo. Foi tudo errado, atrapalhado, confuso. Mas, no fim, deu certo.

Entramos. Avançamos pelo gramado, corremos até o palco. A gente se ajeitou num canto e de repente começou o show. Foi fantástico. Víamos o Renato Russo de perto, ouvíamos o que ele dizia, sua interação com o público, conhecemos músicas que eram novas na ocasião. E havia muita gente hipnotizada, encantada. Foi uma apoteose.

Renato Russo em show no Metropolitan (RJ). Crédito: www.legiaourbana.com.br/ isabela kassow

Saímos de lá felizes. E cansamos no caminho de volta para casa, a pé. Não é uma distância longa do Parque Antarctica ao Bom Retiro, onde morávamos. Mas o stress esgotou a gente.

Toda essa história demonstra como sou ligada à banda e ao Renato Russo. Muitos anos depois, comprei um livro para saber da vida dele. Li, curti, emprestei. Vi diversas reportagens a respeito dele. Sou uma fã realmente. Com a vantagem de entender algumas coisas daquele tempo. Somos, eu e ele, integrantes de uma geração (a diferença de idade é de oito anos). Os novos fãs talvez não captem certas nuances da história. Ou não. Pode ser que eles sejam bem espertos e informados e eu queira apenas me gabar de ter vivido na mesma época que o Renato Russo.

Um filme bom, mas longe de ser o que eu queria. Normal...

Ao ver "Somos tão jovens" fui transportada a um tempo que conheci. Minha irmã caçula, que também adora Legião, é dez anos mais nova do que eu e não deve ter percebido o clima daquela época do surgimento da banda (ela era uma criancinha). O ator que interpretou Renato Russo provavelmente também não sentiu isso na pele como eu, embora ele tenha feito um poderoso trabalho de imersão. Consegui ver o músico nele (ligeiramente forçado em certos momentos, na minha opinião).

Não é um filme perfeito. Achei bom. Não mais do que isso. Há momentos em que parece meio sessão da tarde, confesso. Mas resgata um período do Brasil (resgata ou apresenta, dependendo do grau de conhecimento de quem vê). Tem o mérito de trazer de volta essa atmosfera do início dos anos 80, que era um pouco perdida, um pouco em busca. Quem éramos nós, afinal?

Thiago Mendonça interpreta bem o Renato Russo jovem. Muito verossímel

O longa tem bons atores. Conta uma história direitinho e inventa um personagem para ser ponte para a complexidade do jovem Renato Manfredini Jr ("Ana", uma mulher que representa diversas amigas). Só que, na hora em que imaginava ver Renato Russo tornando-se o cantor das multidões (sem comparações com Orlando Silva, ok), o filme acaba. Parece pedir uma continuação. Mas também não fornece elementos que preparem o espectador para uma continuação. Por que foram botar no fim o vídeo real de uma música tocada no Circo Voador? Não precisava disso. Gerou-me esta impressão: "até aqui é filminho, agora é documentário, coisa real". E o vídeo ainda foi longo. Nada contra esse registro da realidade. Como fã, gosto. Só que ele tem de estar inserido no contexto certo, não para deixar gente "felizinha". O objetivo foi esse? Agradar com um bônus?! O longa é uma ficção, não um documentário. Não necessita de apelações.

De todo modo, se pensaram em fazer "Somos tão jovens 2" eu sou contra. Um bom filme sobre Renato Russo não deveria ter sequência. Tem de ter princípio, meio e fim. Não estamos falando do Homem de Ferro, ora (ops, eu adoro o personagem!). Trata-se de um homem de carne e osso, que viveu, amou, apaixonou, sofreu e morreu. Começo, meio e fim.

Outros filmes podem ser lançados. Gostaria de vê-los, se surgirem. Ainda espero que façam um filme que me diga quem foi ele e como ele se foi. E que mostre a tristeza que senti quando Renato Russo morreu, dando-me aquela sensação de que o mundo será mais justo se a gente um dia puder se encontrar. Palavras de uma fã.


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