sábado, 8 de dezembro de 2012

Fora da nuvem

Estou atrasada com tantas coisas na minha vida que eu deveria ser destituída do posto de CEO de mim. Já não dou conta do recado. Chamem alguém mais competente!

Enquanto isso não é possível - e eu permaneço em débito com as coisas que queria contar antes -, escrevo agora movida por um artigo. Ah, aquela velha sanha de tudo contestar. Ou de quase tudo contestar (eu envelheço e aprendo a aceitar que o mundo não pensa como eu, embora certamente ele esteja perdendo ao se comportar dessa maneira).

Li um texto de um jornalista que normalmente acompanho para saber de música (ele morou por anos em San Diego, onde tem um show bom a cada semana). Desta vez ele falou de suas estantes e de como um amigo o criticou por ter esses móveis já que os livros de papel e os CDs estavam com os dias contados. Não é essa parte que me chamou mais atenção. Em um trecho do texto, esse jornalista - um entusiasta dos livros digitais - comentou do barulho que Bruce Willis deve causar  porque ele pretende deixar sua biblioteca musical construída no iTunes para as três filhas, e, pela lógica da Apple, isso não será possível. Vai dar uma baita briga.

Uma parte da minha estante principal. 

Uma questão levantada pelo jornalista é que temos muita coisa já guardada na nuvem e que escasseiam as pessoas que guardam seus conteúdos digitais nos próprios computadores - ou, acrescento, dentro de casa (lembrei dos HDs e dos CDs e DVDs gravados). E se houvesse um colapso mundial e a internet não ficasse acessível por tempos? Estaríamos todos condenados ao vazio?

Eu guardo minhas coisas em casa e tenho uma parte do conteúdo que curto na nuvem. E sou uma pessoa razoavelmente antenada. É muito difícil que meus amigos venham me ensinar novidades da vida digital. Em geral, sou a primeira a saber. Só podia. Tenho filhos adolescentes!

Mas, por outro lado, gosto de simplicidade na vida. Prefiro ficar tranquila. Não tenho vontade de correr atrás da mais recente traquitana hi-tech que surgiu na esquina. Não. Claro, até queria um mini iPad (mas não um iPhone 5). Tem tecnologia que me seduz logo de cara. Só que eu não sou consumista.

O que curto consumir sem medo é música. CD e DVD sim. Gosto de tocar nesses objetos de prazer. Também tenho meus arquivos digitais. Normalmente, ter uma canção em formato mp3 é o primeiro caminho da paixão por um álbum. Isso quando se trata de banda nova ou grupo que estou conhecendo agora. Os ídolos eu prefiro ter em casa, no bom e velho modelo físico. Morrissey em CD, Radiohead em CD também. Ou DVD. E ambos estão nos pendrives da vida para poder tocar no carro. O acervo físico, no entanto, se mantém.

Não sei se eu teria tudo na nuvem. Para mim, a ideia de ter arquivos disponíveis em qualquer lugar é básica. Quero levar certas coisas comigo para onde for. Porém não seria tudo. Não dá. Nem quero. Não preciso levar todos meus livros para passar uma semana em Cannes durante a cobertura do Festival Internacional de Criatividade, por exemplo.

Nessas ocasiões, longa vida ao meu iPad, santo equipamento. No entanto, eu o vejo como acessório. Até porque nele não estão as obras favoritas. Não procurei ainda, mas tem Grande Sertão: Veredas para eu baixar??? Já deve ter. Alguns meses atrás não tinha. Outro dia achei no Iba, a banca de nome ruim da Abril, um livro do Eduardo Galeano que eu adorei (li anos atrás). Fala de futebol. Comprei, paguei, fiz o necessário para baixá-lo. Só que ele nunca apareceu no aplicativo. Deve ter sido tragado por alguma tempestade digital. Nem na nuvem está. Como estou muito atrasada com as coisas da minha vida, até hoje não procurei os encarregados do Iba para me queixar disso e pegar meu livro digital.

Por isso, não é o iPad que salvará minha vida como leitora voraz (agora nem tanto. A falta de tempo me tornou uma leitora lenta, o que não combina com voraz). Não é a nuvem que me trará paz de espírito quando eu quiser rever meus livros queridos. Eles estão lá na estante. Às vezes bagunçados. Às vezes perdidos (aliás, dona Maria, por favor, onde a senhora colocou os títulos que estou buscando tem tempos? Ah, por que a diarista lá de casa gosta de brincar assim comigo?).

Enfim, eu não sei se alguém abandonou tudo que era físico e hoje só faz sua leitura ou sua apreciação musical pelo conteúdo digital. Se abandonou, lamento. É como deixar para trás o velho amor, aquele que ficou todo esse tempo ao seu lado, e partir para uma nova conquista porque quer se sentir rejuvenescido. Moderno. É bobagem. É bobagem querer parecer jovem. A gente tem de curtir a idade que tem, tenha aparência fresca ou a aparência da idade real. Isso, de fato, não importa.

A gente tem de aprender a viver bem, sem sofrer por se sentir envelhecer (é inevitável, ora). Sem sofrer porque gosta das coisas que envelhecem. Sem dramas porque prefere livro de papel ou sem se achar o máximo por ser mais afeito aos livros digitais. Tanto faz, no fim.

Eu só não apostaria numa única via. Curto bastante os livros digitais e revistas interativas. Mas acho legal o bastante o folhear de páginas. Ainda consumirei por bastante tempo. Quiçá pelo resto da vida.

Sobre os livros de papel tem algo que não existe hoje (ainda) para os e-books. Muitos dos volumes que tenho em minhas estantes trazem anotações minhas. Desde adolescente adquiri o hábito de escrever nas primeiras folhas meu nome e a data da aquisição da obra ou do presente dado por alguém. Tenho livros em que identifico a grafia de estudante (algo meio empolado, o que não tem a ver comigo hoje). Tenho livros em que sublinhei alguma parte por ter amado as palavras (mesmo morrendo de medo; me ensinaram que não deveria fazer isso... mas, puxa, o livro era meu). Tenho livros adquiridos em sebos que carregam pequenas mensagens do antigo dono - e isso me levou a pensar várias vezes em quem seria a pessoa. Ou mais: como seria a pessoa?

Tais possibilidades e devaneios não encontro hoje nos arquivos digitais. Uma hora alguém inventará isso. Tudo bem. Que venha o progresso. Não tenho medo. Assim como não terei medo de passar com meus dedos enrugados pelos meus objetos de afeição e mostrar às novas gerações da minha família (como mostro hoje a meus filhos) essas velhas histórias perpetuadas desse modo físico.

"Veja, este livro meu pai comprou porque eu precisava ler para minhas aulas de literatura inglesa no colegial. É, eu tive aulas de literatura inglesa. E americana. Eu assinava assim. Não é engraçado? 'Silas Marner' é um clássico. Mas eu nem consegui entender direito na época. Eu era muito jovem e normalmente não lia livros inteiros em inglês. Lia versões curtas. Naquela vez, tive de tentar. O ano era 1983. Eu tinha 14 anos."


(se quiser ler a obra, tem aqui: http://www.pagebypagebooks.com/George_Eliot/Silas_Marner/ )

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