terça-feira, 1 de maio de 2012

A culpa é minha

Torcedor de verdade, daquele que fica se roendo diante da TV ou que pula e canta no estádio, já deve ter passado por isso: sentir que é você o culpado. O universo, de repente, decidiu olhar pra você e te castigar pelas maldades feitas, pelas palavras tortas, pelos pensamentos torpes (no critério dele, o universo). E assim, do nada, para tudo que você torce no esporte vem a sina maldita: a derrota ou até a humilhação.

Por que o esporte? Não sei. Vai ver que é porque ele te dá uma alegria coletiva de alta intensidade, uma sensação de que você está entre os campeões. Um show te dá uma dose de forte energia que você compartilha com os fãs que cantaram junto com você a mesma música que te emociona. No esporte isso também acontece. Mas a ideia de que você está no topo do mundo, que você é o número 1, o grande vencedor... acho que não rola desse jeito num show. É... é outra coisa.

Mas um dia você cai em desgraça. Na linha "não sei porque estou apanhando, mas devo estar merecendo". Aí, toca a relembrar os fatos passados, os comentários sarcásticos, as respostas atravessadas, o olhar bruto sobre o cotidiano, a insensibilidade diante de um episódio que parecia nada ter de especial na sua vida. "Terei sido grossa com algum corretor de imóveis? Mas foi só porque já pedi mil vezes para me tirarem do mailing. Ou fui má com um pedinte? Só que, puxa, eu realmente acho que não devo dar dinheiro nas ruas. Será que foi porque xinguei o motorista que deu aquela fechada criminosa? E se o cara estivesse correndo pra salvar a vida de alguém?! Ou foi por eu não ter adicionado aquele mala no Facebook? Ops, mala, não. Desculpe".

O primeiro sinal de que estava sob a nuvem negra desportiva, impingida pelo universo, foi a queda de rendimento do meu Palmeiras. Ele estava indo bem, dando gosto e tudo. Aí, começou a desandar. Ok, dei desconto. Meu time anda em crise psicológica tem um tempo. Parecia ter se recuperado. Mas não. Ah, essas crises. Bem conheço. Uma hora você está bem. Noutra, cai no fundo do poço mesmo. Não adianta mais psicologia. Tem de chamar logo um psiquiatra.

Olha a nuvem chegando...

Outro sinal foi ter perdido gols e não ter estufado nenhuma vez a rede na última partida de futebol feminino de que participei. Até então, era artilheira. Naquela noite, passei em brancas nuvens. Saí encafifada.

A ordem dos acontecimentos, agora, não sou capaz de reproduzir. Mas vamos a eles: o Barcelona perdeu. Como assim? Perdeu. Tudo bem. Era só um gol do Chelsea. Recuperação na certa no Camp Nou, dizia meu cérebro. O coração deu pequena vacilada. "Vamos que vamos", rebati o feeling internamente. O tempo me revelou que o feeling estava certo. "O quê? Derrota para o Real Madrid? Justo contra eles! Detesto o Real Madrid. Time da realeza não tem vez comigo". Era o choque. Duas derrotas seguidas.

Estava vindo aquele sentimento. Seria eu a culpada? Bastava torcer para alguém e... de repente a cabeça dos atletas ficava bagunçada. Precisavam todos de psicólogos? Ou psiquiatras? Não. Bobagem.

E o universo continuou a me castigar. Na Fórmula 1, nem Hamilton, nem Button. Calma! F-1, não. Não podia ser. A corrida do Bahrein, no entanto, me dizia "Quem mandou torcer?".

Já se imaginaram num desenho em que todos têm a mesma cor, exceto você? Já acharam que aquela música do Travis, "Why does it always rain on me", está tocando pra você? Com tantas coisas acontecendo na minha torcida, o pensamento começou a se desenhar. Era eu.

Vídeo do Travis: Why does it always rain on me. Não conhece? É a sua chance

A pá de cal veio com o segundo jogo entre o Barcelona e o Chelsea, time que detesto ("direitosos!", resmungo). Eu não podia assistir. Estava trabalhando. Um evento inteiro acontecendo, eu marcando entrevista e o jogo rolando. Estava esperando um cara para uma entrevista quando vejo um grupo de homens se juntar diante de uma telinha pra ver o embate. A coisa estava quente. Corri para conferir enquanto meu entrevistado não chegava porque um urro tinha percorrido o local. E então? Messi tinha perdido um pênalti. Seria o gol da classificação.

Messi? MESSI?! Depois do silêncio dentro de mim, veio a conclusão. Fui eu. Não foi ele quem errou. O problema estava do outro lado do mundo. Em uma pessoa que nem estava vendo o jogo. Em uma fã do Messi. Uma torcedora do Messi. Eu.

O entrevistado chegou e comentou a cena de todos estarem juntos vendo o jogo, o acontecimento mais importante daquele dia. Falei do placar. Falei do pênalti perdido e desabafei. "A culpa é minha. Estava torcendo pelo Barcelona e pelo Messi".

Sorry, Messi. Really (foto tirada do perfil oficial dele no FB)

Aí, conformei-me. Por algum motivo, o universo não quer me dar essas alegrias no esporte. Acho que é para eu me voltar para outra área. Talvez dedicar-me à botânica. Quem sabe as artes. Pode ser algo inocente e que não atormente tanta gente comigo por causa dessa minha maré, dessa nuvenzinha sobre mim.

No final de semana, fiquei vendo o jogo São Paulo x Santos. Na minha família (no "núcleo duro", quero dizer), não tem nenhum santista. Tem um são-paulino: meu pai. Para espanto do meu filho, anunciei que estava torcendo pelo São Paulo. "Nunca vou torcer pelo São Paulo", rebateu o filhote, criticando a empáfia de certos torcedores, seu corintianismo fazendo aumentar o tom da voz. Respondi calmamente. "Vou torcer pela alegria do seu avô". O pai dele, que estava em casa e que também é corintiano, reforçou: "Absurdo". Não me alterei. De verdade, não sentia emoção em estar do lado, provisoriamente, desse time. Pensei tão somente que, se desse vitória do São Paulo, o velho Ricardo ficaria feliz. Por que negar-lhe essa alegria? É meu pai, ora.

Não é que eu tenha esquecido da conspiração do universo. Mas não era uma torcida para fazer minha felicidade, certo?! Podia ser que... Não. Não adiantou. O São Paulo perdeu. Reafirmei que era minha culpa e narrei os últimos acontecimentos. Para meu consolo, disseram-me que também já tinham sentido a mesma coisa. Que bom. Não sou exatamente uma pessoa má. É que o universo, vez por outra, resolve escolher alguma vítima para causar esses tormentos esportivos. Não tem uma fase na vida que você se julga "o pé-frio" e deixa de ir ao estádio ou ver jogos do seu time na TV porque sabe que ele vai perder se o fizer?

Então, a bola está comigo. Espero que isso passe logo.

Sou a escolhida. Torcer? Não, obrigada. Ficarei de jejum, se é que dá...


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