terça-feira, 8 de maio de 2012

Virada é legal

Engraçado como frequentemente tento me desculpar antes de apresentar alguns argumentos. É que as pessoas andam muito cheias de certezas. Daí sinto a necessidade de pedir licença para discordar. Isso talvez seja falta de coragem da minha parte. Mas costumo me assumir como medrosa. Apesar desse medinho bobo de não querer melindrar ninguém, mantenho minhas posições - exceto se me convencem do contrário, mostrando por A+B que eu estou redondamente enganada. Isso não é tão simples assim. Nós, os Castellóns, nascemos com o gene da teimosia. Ô, família (precisa ver isso aí)!

Mas, enfim, vamos ao que interessa: a Virada Cultural. Primeiro, não tenho experiência nisso. Chegamos a oito edições e me recordo de ter ido apenas em uma. Esta, portanto, foi apenas minha segunda Virada (lembro de estar fora da cidade em duas ocasiões).

Os jornais cansaram de mostrar os problemas da Virada: desorganização, tumulto, brigas, arrastão, atrasos, falta de segurança e segurança truculenta demais. O investimento divulgado pela prefeitura é de R$ 8 milhões. Parece pouco para um evento dessa envergadura. Não sei se esse dinheiro é o montante desembolsado diretamente. O efetivo policial, por exemplo, entra nessa conta? As horas extras dos funcionários do metrô entram também? O investimento indireto é somado? Creio que não. Acredito que se isso fosse feito o número seria maior.

A Virada Cultural 2012 aconteceu entre os dias 05 e 06, envolvendo mais lugares do que o centro velho de São Paulo. Quem sabia que o Catavento estava de graça, por exemplo?

De todo modo, acho que o dinheiro está mal empregado. Sendo grana pública, entendo que tem um papel da imprensa que é cobrar como a verba é distribuída e como são pagos os prestadores de serviço. Isso porque, no meu entender, há um problema sério de competência na gestão e na organização do evento. 

Tem gente dizendo que não se deveria fazer Virada. Que nosso País não permite essas coisas. Que Virada não serve de nada. Discordo. A ideia da Virada é muito boa. Oferecer tantos atrativos para as pessoas ocuparem o espaço urbano, interagirem com a cidade, isso é legal. Atenção? não estou aqui para elogiar a administração. Longe disso. Não gosto do Kassab, jamais votaria nele e até me ressinto que conhecidos meus tenham votado - mas quanto a isso sou eu que tenho de lidar com a coisa, certo. O que eu gosto é da ideia, do conceito.

Gosto do conceito da Virada. Tornar o espaço urbano mais convidativo para a manifestação popular é bem legal. A rua é de todos, inclusive do pessoal que foi ver o coletivo Sargento Pimenta

Sou absolutamente contrária à maneira como a segurança é colocada na história. Cara dando choque na multidão?! Absurdo. Truculência não combina com nada, muito menos com Virada Cultural. Sim, é preciso dar reforço porque o evento atrai multidões. Mas, enquanto tinha lugar com policial ameaçando com equipamento que dava choque, havia outros em que não oferecia segurança para as atrações. Qual a lógica? A parte dos mágicos, que teria programação 24 horas, teve de ser interrompida porque a rua Direita ficou perigosa. Cá pra nós, a rua Direita sempre me dá a sensação de insegurança. Para uma proposta de ficar direto lá, 24 horas, o cuidado devia ser mais do que dobrado. Talvez triplicado. Um colega disse que uma rua na Cracolândia que deveria ter DJs também teve a programação cancelada. Em parte por esse motivo.

De novo, entendo que há, por trás disso, tem um problema de organização. Se fosse uma agência, ia ter gente mandada embora por causa disso. "Pô, mas cadê a segurança que deveria estar lá das 17h até às 19h?" Responsabilidades devem ser cobradas. Sinto que não se dá o peso devido à produção por trás da organização de um negócio que atrai milhões de pessoas. É necessário que tenha gente muito séria e com expertise para tocar as atrações dentro de prazos e cumprindo requisitos básicos, como ter disponível no horário certo equipamentos e infras apropriadas para o tamanho do projeto. Responsabilidade e competência, please!

Por outro lado, tem uma parte que é responsabilidade do cidadão. Fui curtir a virada às 4h30 do domingo. Queria ter visto uma atração da mágica às 18h. Mas desisti porque não teria a companhia da Laura. Então, optei por preservar o pique para sair às 4h da madruga de casa (queria ver os argentinos do Violentango). 

Um momento do Violentango, que se apresentou na Praça da República. Essa foi a atração que quis ver desde o princípio

No metrô, tinha um monte de gente bêbada. Não estou falando de pilequinho. Estou falando de moçadinha  trançando as pernas, sem conseguir saber onde se encontra direito. Uma menina, com seus 20 e poucos anos, ficou mais ou menos perto de mim mas cheirava tanta bebida que me embrulhou o estômago. Por que ela tinha de se detonar tanto? Ela entrou no trem do metrô e tentava descobrir onde estava. Os amigos dela falavam entre si "alguém vai ter de acompanhar ela". 

Eu já tomei porres (mas isso é mais raro na minha história). Nunca, porém, numa situação dessas. Porre tomei em bar e em festas. Sempre peguei táxi, dei o endereço certinho de casa (mesmo enrolando a língua, bem sei) e até já fiz força para manter um olho aberto para não apagar no táxi. Claro que tive experiências assim, de ter passado da conta no consumo de cerveja ou vinho. Só que eu nunca fui num evento desse tamanho, em que há um risco implícito (sair à noite no centro velho e, ao mesmo tempo, em lugares tumultuados por causa da multidão), e enchi a cara a ponto de perder a noção do que estou fazendo. 

As cenas de meninos e meninas (em geral, é um pessoal novo) tropeçando nos outros de tanto beber me causam certa depressão. É Virada Cultural, não Virada Etílica. Vamos beber as cervejas enquanto curtimos o show, sim. Mas não é preciso se matar de álcool. O mundo vai continuar existindo no dia seguinte. Outros dias - e shows - virão para a gente poder tomar mais cerveja e dar risada com os amigos. Esse desespero para encher a lata não é normal. Ah, sim. Se for menor de idade, então, não tem vez comigo. Sou totalmente contrária a liberar bebida para menor, mesmo que a pessoa em questão seja filho de parente ou de amigo, que "tem toda a consciência, o garoto é esperto... e é só um copo". Cada um sabe o que libera para o filho. Mas depois não brigue com o "moleque" porque está bebendo demais com 20 anos e não diga que está cansada de ter de sacudi-lo até que ele acorde da ressaca todo final de semana.

Outra coisa que me espanto é ver sem-noção estimulando quebradeira. Monumento tem de ser preservado e deveria existir em todo cidadão o respeito por essas obras públicas. Fazer xixi em estátua?! Ah, por favor, o sujeito sabe que está cometendo um atentado? Mas não é só sobre monumento que falo. Vi uma roda de gente aplaudindo uma velha louca que arremessava garrafas no chão e jogava uma pedra em cima de outras garrafas, fazendo um monte de vidro se espalhar. Tinha gente aplaudindo e gritando "aaêê". Daí que a velha louca, tipo a doida dos gatos que aparece nos Simpsons, vira para um grupo de meninas e ameaça jogar a pedra nelas. Teve mulher saindo na corrida dando gritos. O que mais se deveria esperar? Tá aplaudindo a insanidade do ato? Aguente as consequências.

Mas tirando esses aspectos, que até mereceriam uma campanha para "educar" a multidão dias antes da Virada, o grande "x" da questão, na minha visão, continua sendo a falta de uma inteligência maior - ou mais capacitada - para colocar o evento andando nos eixos. 

A atração Chefs na Rua, que causou muita polêmica por causa da galinhada do Alex Atala (eu já sabia que ia dar confusão porque os ingredientes indicavam isso. Comida de graça do chef mais estrelado do Brasil distribuído no horário de pico da Virada ia render mesmo um tumulto dos infernos), poderia ter sido muito melhor se a organização tivesse funcionado direito. A atração foi aberta às 8h da manhã, no Minhocão, mesmo horário em que abriu o Mercado Mundo Mix. Se o negócio começa às 8h, evidentemente toda a infra tem de estar pronta bem antes, certo. Afinal, as equipes precisam montar pratos, esquentar comida, fritar alimentos, etc. Tinha barraca que não tinha recebido as panelas até 9h20. 

Eu e minha amiga de infância Stella fomos comer o sanduba de pernil da Paula Labaki - a casa foi aberta pela mãe da Paula, cujo nome é Lena. Soubemos disso lá, na barraca

Sobre o episódio da galinhada, melhor ler o Xico Sá, que é matador em seu artigo que aponta que é um contra-senso a administração pública se armar contra a comida de rua, mas promover um evento chique para tratar de requintes culinários. Ou seja, a prefeitura é contra a barraca de pernil na rua, só que pernil de restaurante bacana pode ir para a rua. Ah, nem falo mais. Melhor ler mesmo o Xico: A galinhada do Kassab e a comida de grife

No Mercado Mundo Mix, vi uma das últimas barracas com um cara e sua máquina de costura. Ficou simpático aquilo. O sujeito fazendo ali, na hora, chapéus e outras peças para o público conferir in loco o seu talento. Mas naquele horário, por volta das 9h, a energia elétrica ainda não estava disponível. Daí que ele ficou bem na foto, só que não podia trabalhar. Nem botar para funcionar seu toca-disco e entreter o pessoal com sua coleção de vinis. O cara veio preparado. E a organização o deixou na mão no momento da abertura da feira.

O cara estava no maior pique. Mas não tinha energia. Elétrica

Essas coisas não me apagaram a boa impressão que tenho do evento. Ou do conceito do evento. Vi o Violentango em condições bem interessantes. Não tinha muita gente (como eu tinha calculado) e os loucos da praça não me incomodaram. Foi um excelente show. Pena que faltou público para apreciar aquelas magníficas execuções. Os músicos mereciam mais aplausos. Mas, tudo bem. Entendo. Não dá para colocar todas as atrações no prime time.

Uma das músicas executadas pelo Violentango. O vídeo foi feito por mim

Depois vi o Sasquat, um pernambucano do Recife que veio com sua banda Alfazema apresentar seu som, seu primeiro CD. O guitarrista do grupo dizia "é muito bom tocar em São Paulo", mostrando que chegar à capital paulista representa um marco na vida dos músicos fora do eixo Rio-SP. Deve ser mesmo uma longa jornada.

Ali, eu e a Stella, minha companheira de Virada, pudemos conferir a qualidade do som que fizeram. Bons músicos. O Sasquat parece ser um cara legal. E tem isso que o Recife revela talentos distintos. Lembrei de Chico Science. Lenine. Tem gente muito boa vindo de Pernambuco. 

Esse é o Sasquat, que tocou no Coreto da Praça da República às 6h30

Em seguida, fomos ao Chefs da Rua. E comemos bem. Verdade que escolhemos um sanduíche frio que nos abasteceu às 8h da manhã. Detalhe: num momento em que o frio parecia ter aumentado. Mas eu curti de todo modo. Não tinha muvuca (pelo horário, suponho) e a gente podia escolher outros pratos para provar, se nos desse na telha.

O Minhocão não estava tumultuado às 8h da matina, quando abriram a feira do Mercado Mundo Mix e o Chefs na Rua...

Para nós, a experiência foi tranquila. Vendo o Sasquat, a gente riu porque todos os loucos da praça se juntaram para dançar na frente da banda. Medo? Não. Diversão. Não foi legal o cheiro de xixi que atingiu nossas narinas num certo momento. Só que me veio na cabeça que a praça da República tem sido habitada pelas pessoas da rua. Indivíduos sem nome, sem casa, sem perspectivas. O espaço era deles antes de chegar a multidão. O que acontece com essas pessoas? Uma delas eu vi na praça, enrodilhada num cobertor velho, dormindo com a cabeça coberta. Na mesma área, vi outras pessoas - estas com casas, provavelmente com endereços de trabalho - apagadas na grama. E me perguntei de novo por que essa mania de se detonar tanto? A ponto de não conseguir ir para casa. Deve ter gente que ainda queria prosseguir na diversão e, talvez por isso, tenha decidido descansar naquele lugar até a próxima atração começar. Mas, sei lá, para mim é estranho.

Pessoal vendo o Sasquat no maior sossego. Devia ser o horário

Enfim, espero que a próxima Virada seja mais organizada e que haja uma verdadeira inteligência a organizar tudo. E que essa organização seja mostrada de forma transparente. Eu queria saber, por exemplo, quem responde pelo fato de as panelas dos chefs não terem sido entregues bem antes das 8h. Ou de a energia elétrica não estar disponível também bem antes do horário de abertura da feira do Mercado Mundo Mix. Certamente alguém deve ter comentado na hora do planejamento: "ah, vamos precisar de energia elétrica lá. Precisamos pedir para o seu Zé para ele ver esses cabos, essas extensões para que estejam funcionado, às... pode ser às 7h30?!". E acho que alguém deve ter respondido à questão. Quem?

6 comentários:

  1. Excelente colocação! Seria interessante as pessoas terem um consenso que nem tudo está perdido e como elas querem ser de 1º mundo se mal sabem se respeitar!

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  2. Valeu pelo comentário. Também torço para que as pessoas aprendam a se respeitar e a respeitar os demais.

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  3. Adorei!
    Você escreve muito muito bem. bjs Tina

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    1. Valeu, Tina. Espero te ver de novo nos próximos posts. Bjs

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