segunda-feira, 16 de julho de 2012

No sacrifício

O Torero escreveu nesta segunda-feira, 16, na Folha sobre a Meia de Sampa. Devo parabenizá-lo por ter corrido uma meia maratona. Ainda estou muito longe disso. Eu nem sabia que ele corria. E, pelo que li, tem tempo que ele treina (até descreve a média dos quatro primeiros quilômetros que desejava cumprir... eu não faço isso). Treina com orientação. Não estou nesse estágio. Não tenho planilhas, não tenho orientador. Corro com informação, sim. Mas minha prática é muito amadora. 

Vou colecionando experiências e aprendendo. E leio bastante. Ouço bastante. No caso da prova do domingo, eu ouvi, mas não dei muita atenção aos conselhos das pessoas. Estava gripada e me disseram que eu não deveria correr. Bem, não quis ouvir esse conselho e não me arrependo. Eu queria correr. Era minha primeira prova de 10 km. Não me arrependo, mas garanto que foi muito doloroso para mim. Foi a prova mais difícil que tive. Não pelo percurso.

Foto de Lena Castellón
A Meia de Sampa foi a corrida mais difícil que disputei. O trajeto era até fácil, mas as minhas condições...

Estava bem gripada entre quinta e sexta. Sábado fiquei de molho. Estava mal. Domingo acordei às 4h30, acreditando que estava melhor. Lembrar que o domingo 15 foi a manhã mais fria do ano já dá a dimensão do que eu encarei? Verdade que eu não sabia disso na hora. 

Fui encapotada ao jockey, local da prova (coloquei um velho legging de academia, que cobre até quase o tornozelo, e uma calça molinha por cima, para aquecer as canelas. Uma camiseta de manga longa, que não era a da prova, e uma blusa quentinha por cima. Levei um lenço verde e branco no pescoço pra proteger a garganta no começo e pra servir de toalha no final da corrida. E, por cima de tudo, cometi um atentado à moda porque usei um xale preto para me dar mais calor). Fui bem vestida assim para o meu destino e apostei no transporte público. Surpresa: o trem atrasou. Eu tinha saído às 5h30.

Foto de Lena Castellón
O dia amanheceu bonito, mas fez pouco mais de 8 graus. Até então, a manhã mais fria do ano
Cheguei em cima da hora - a prova era às 7h -, correndo para conseguir pegar meu kit (que recebi da Nextel. Obrigada, Nextel!!!) e o chip da prova. No estande da Nextel mesmo, tirei a calça molinha e troquei a camiseta, expondo meu corpo àquele vento matinal. Estava na largada ainda ajeitando som quando cruzei a faixa que marca o primeiro segundo de corrida. Não tinha conseguido ajustar direito o Nike+, nem o aplicativo do celular (essa parte foi aos tropeços). Isso não complicou meu início, creio, porque sempre tem muita gente correndo ao mesmo tempo. Na largada, já estava com a blusa amarrada na cintura. Eu a levei porque pensava que, no final da prova, teria de vestir logo p/ não ameaçar uma recaída da gripe. De fato, na hora, eu estava quente de tanta correria para conseguir chegar ao local, pegar kit, chip, me arrumar e me preparar para a largada. Não fiz nada daquilo que muitos dizem: mentalizar a prova. Não deu tempo.

Quando cheguei o pessoal se preparava; eu ainda tinha de buscar kit de corrida e chip. Atraso por causa do trem

Acho que fui bem até pouco mais da metade da minha prova (10 km). Tirei o lenço do pescoço por volta do quilômetro 3. Não peguei a água no primeiro posto. Não gosto. Até porque eu só bebo um tico e acho um desperdício jogar tanta água. E também não gosto de lançar o copo no chão. Então, quando pego, tento beber o máximo que dá e depois procuro um lixo para jogar o copo. Daí porque não pego tudo que se oferece. Fui pegar o copo perto do quilômetro 5. E foi ruim. 

Como disse, estava gripada. Mas, até aquele momento, não estava sentindo tanto assim qualquer efeito. Não conseguia respirar bem pelo nariz. Tudo bem. Já corri muito assim. Só que não tinha prestado atenção ao fato que estava levando muito ar gelado para meus pulmões. Fui perceber isso porque peguei o copo d'água para molhar a boca. Ela estava bem seca. Os lábios também. Bebi um gole. Gelada! Como é foram gelar a água daquele jeito?!

Tomei uns goles e não suportei mais. Minhas mãos ficaram tão frias que nem parecia que eu já tinha corrido 4 quilômetros. Fui até um cesto de lixo. Parei um segundo para dar mais um gole e joguei o copo. Aquilo me gelou por dentro. Foi nesse instante que me toquei que eu já estava gelando meus pulmões antes. Mas tem jeito de contornar isso? De contornar o ar gelado que aspiramos durante uma prova no inverno ou em manhã fria? Aguardo respostas.

Reprodução da home da Meia de Sampa, mostrando o percurso
Continuei correndo. Estranhei que minhas mãos não se esquentassem. Puxei o ritmo, esperando que isso aumentasse meu calor. Não aumentou tão cedo. Possivelmente isso deve ser uma coisa bem boba da minha parte. Quem sabe até idiota. O corpo não pode estar muito quente, não é?! Mas naquela hora eu queria que ele estivesse mais quentinho. Estar com as mãos tão geladas me incomodava. Efeito psicológico.

Depois do km 6 senti de novo a boca muito seca. Tive de pegar mais um copo. Corri um tempo com ele na mão para "aquecer" o líquido. Já estava na pista de areia do jockey. Imaginei que a areia seria mais difícil de correr porque pesa. Pelo menos é o que sinto quando corro na praia. Corri mais um pouco e abri o copo. Na hora que a água escorreu pela minha mão, saquei. Estava gelada. Que ideia imbecil gelar os copos desse jeito. Caramba, estamos no inverno! Vai ver que só eu reclamo.

Bebi um pouco da água gelada, encostei um segundo num lugar para colocar o copo em um equipamento que era para a largada dos cavalos. E prossegui. Foi nesse instante que tive um acesso de tosse. Já tinha passado o km 7. A tosse me revelou o estado dos pulmões. Carregados. Correr tossindo não é legal. Segurei. As narinas pareciam entupidas. Lindo, pensei. Ainda não assim não desanimei. Faltavam 3 quilômetros. Ficha. O equivalente a duas voltas no Parque da Luz, meu CT particular. Joguei assim com minha cabeça para me estimular. Dei uma acelerada. Queria terminar logo porque sentia a gripe começando a me afetar. Mesmo.

Passei o km 8 e me felicitei internamente porque achava que tinha feito melhor do que na minha prova anterior, que foi de 8 km. Pudera. Na Meia de Sampa, só teve subida e descida na primeira metade do percurso. Mas aí aconteceu o que eu não esperava. Meus pulmões começaram a entrar em colapso. Devia ser a soma de tanto ar gelado entrando no peito, mais as águas geladas que eu tomei, mais as narinas se fechando. 

De repente o esforço ficou muito maior. Eu tinha entrado numa parte que passava perto das cavalariças. Havia bosta de cavalo no meio do caminho. Ainda conseguia sentir aquela aroma desagradável, mas aos poucos o ar começou a faltar. Tentava respirar, puxava e eu sentia que vinha algo. Mas não era bem o que eu esperava. O peito estava carregado de (eca) catarro. Veio uma ânsia. Insisti. Não queria parar. Eu via a placa de 9 km a poucos metros. A ânsia voltou. Meu corpo gritou: pare! E foi um grito tão forte que não teve jeito. Tive de ceder. 

Parei de correr, meu pulmão explodiu. Eu arfava tão alto que fiquei pensando nas pessoas passando por mim e dizendo: "nossa, essa está morrendo". Puxava o ar pela boca, do peito vinha um chiado. Tossi. Aquela tosse carregada. Não vomitei. Consegui superar a ânsia. Lembrei da vez que tive uma pneumonia tão forte que respirar doía. Não era exatamente o caso. Mas respirar estava complicado. 

Não tinha parado de me mover nem um instante. Caminhava. Não tão devagar, mas caminhava. Via as pessoas me ultrapassando. E eu arfando, parecendo asmática. As vias aéreas estavam completamente congestionadas. Deu vontade de chorar. Passei pela placa do km 9 com tanta tristeza que se alguém falasse comigo naquele instante eu teria desabado. 

Continuei andando. Não sei exatamente quanto andei. Acho que voltei a correr quando faltavam uns 700 metros para a chegada. Porque quando passei pela placa dos 500 metros eu já estava correndo, tentando recuperar o tempo perdido. Eu sentia o esforço, claro. Foi no sacrifício que fiz a parte derradeira. Ter andado por aqueles metros me deu a chance de recuperar um pouco das minhas condições pulmonares. Foi um mínimo. Mas o mínimo que bastou.

Acelerei o que pude. Não foi grande coisa. Cruzei a chegada sem vibrar do jeito que gostaria. Estava feliz de ter concluído, sim. Mas estava arfando de novo. Fui pegar um copo d´água e quis agradecer. A voz mal saiu. E saiu daquele jeito: anasalada, sem força, totalmente alterada. Só de me ouvir a pessoa já sabia que eu estava gripada. Tentei abrir o copo, só que eu estava sem força e ânimo que não consegui. Resultado: levei o copo comigo, fechado. Desse jeito tristonho fui receber minha medalha. Antes tive de me abaixar para tirar o chip do tênis. Percebi que precisava usar lenços de papel. Felizmente, eu tinha comigo.

Após a linha de chegada, mais uma voltinha e você ganha água. Gelada. Faltou a organização perceber esse detalhe. De resto, para mim tudo esteve ok
Ou seja, terminei a prova acabada, sem me dar conta de que tinha conseguido superar a gripe, ainda que por pouco, muito pouco. Naquele minuto, eu só percebia o mal estar geral do meu corpo. Encontrei um amigo e sua mulher. Queria estar exultante. Consegui falar: estou muito mal. Eles me ajudaram bastante. Obrigada! Me deram apoio e ficaram ali comigo, naquele instante em que eu tentava me recuperar. Depois, quando eles se foram, sentei-me num canto e falei com outro amigo ao telefone. Foi bom. Daí, me toquei que, embora estivesse de blusa (que vesti pouco depois da prova, para não  sofrer com qualquer vento), o frio me atingia. O ar gelado estava me envolvendo e a temperatura da corrida começava a baixar. 

Tinha passado por uma quick massage e avisei à mulher que estava gripada. Ela deu uns tapinhas nas costas e eu tossi de novo. "É para ajudar a soltar", disse-me. Agradeci fracamente. Não eram só as pernas que sentiam o esforço físico. Minhas costas, minha cabeça, meu peito... tudo pesava e doía.

Fui até a estação de trem Cidade Jardim. Cheguei lá e a composição que me levaria até Pinheiros - de lá pegaria o metrô - tinha acabado de sair. Lástima. Fiquei esperando outra. Mas esperei tanto que a temperatura da corrida foi embora todinha. O suor secou na roupa e passei a tremer de frio. Não tive dúvidas: saquei o xale preto da mochila e voltei a ficar bonita. Engraçado é que depois cruzei no metrô Pinheiros com gente de cosplay (havia o Anime Friends ontem) e uns religiosos vestidos com trajes beneditinos (suspeito, não manjo muito disso). Beleza: eu de corredora de xale, a garota de "quimono" e cabelo azul e um monte de gente com aquela roupa marrom e corda fazendo de cinto. 

No elevador de casa, antevendo a hora de me jogar na cama. Olha um pedaço do xale aparecendo.

Em casa, tomei um café e parti para a recuperação. Banho, cama, água. Não fiz mais nada. Hoje, segunda-feira, o peito ainda está carregado. Se eu falar com alguém vão sacar, pela minha voz, que estou gripada. Sinto-me melhor, porém. Olhando daqui até entendo que não foi tão ruim o resultado que obtive na Meia de Sampa: 01:03:43.85. Na minha categoria, terminei em 16º lugar. Entre todas as mulheres, ocupei a 111ª posição. E na classificação total: 613. Isso porque estava gripada e porque andei uma parte. 

Esta sou eu, embora o nome não tenha a ver
A experiência foi importante. Ainda não sei como usá-la. Quero ver como será a próxima prova.

5 comentários:

  1. Imagino como você deve ter se sentido. Deve ser bem próximo do que eu sinto toda vez que resolvo desobedecer o meu médico e vou correr um pouco no parque. Parece que em alguma hora os pulmões vão começar a se desintegrar e sair pelo nariz ou pela boca. É uma das raras situações em que eu consigo sentir o peso dos pulmões - e eles nunca me parecem leves.

    Estimo melhoras e que nas próximas você consiga cruzar a largada com festa. E parabéns pelo empenho e disposição... mesmo gripada. =]

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  2. Obrigada, Tau. Espero mesmo fazer outros 10 km, aí em condições normais. Valeu

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  3. É isso aí Lena. Parabéns pelo esforço e pela coragem de ter enfrentado a manhã mais fria do ano nestas condições. Sempre temos que correr atrás dos nossos objetivos!
    Beijos

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  4. Você está certo, Alisson: foi uma mistura de esforço e coragem :)
    Obrigada pelo comentário. Volte sempre.
    Bjs

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  5. Lena é guerreira! Eu sou preguiçosa mesmo (fiquei embaixo do edredon o dia todo rsss).Parabéns pela coragem!!

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