domingo, 4 de março de 2012

A primeira prova

Consegui. Eu me superei. Não, não é que eu tenha completado uma maratona. Foram apenas 5 km. Pouco para quem está habituado a correr. Mas eu tenho enfrentado tantas coisas que cumprir esses 5 km é algo que me faz bem. Saí feliz do Jockey Clube de São Paulo, onde aconteceu a primeira prova do Circuito Vênus. Feliz menos pelo meu resultado (em torno de 35 minutos), mas pelas circunstâncias pessoais que envolveram essa prova.
Eu já disse antes, aqui, que venho me tratando de depressão. Tive umas crises. Não consegui sair para correr. Fiquei triste comigo. Lá atrás, quando falei da vez que retomei a corrida dentro da minha rotina, eu já tinha passado por uns momentos difíceis. Voltei a ter. Depressão não é fácil. Não está no simples controle da minha cabeça. Não tenho essa capacidade de mandar meus neurotransmissores funcionarem direitinho. Eles ainda estão desorganizados. Estão melhorando. Mas aí acontece algo e bagunça sua vida.
Meu desejo era passar a semana anterior à prova me preparando com minha corridinha diária no Parque da Luz. Qual? Fiasco total. Não foi possível. Eu me sentia bem fracassada. E lembrava que na segunda-feira de Carnaval eu e o Felipe corremos no Ibirapuera e fizemos pouco mais de 10,6 km. Correndo o tempo todo.
Ah, eu me achava um mistério. Como podia ter conseguido dar a volta por cima e depois ter mergulhado de novo na depressão? Ô, vida desbalanceada...
Mas não tirei da mente a prova. Eu não desistiria dela. Na sexta-feira, dois dias antes da corrida, recebi o kit das corredoras. Corredoras mesmo. Para quem não sabe, o Circuito Vênus é exclusivo de mulheres. Uma bela mochila e uma camiseta bem simpática para a prova faziam parte do material. Aquilo deu um up. Não que não estivesse com vontade. Estava! E muita. O problema era a confiança. Daria conta de fazer os 5 km sem morrer? Afinal, minha prática estava tão irregular...

Bolsa bacana feita pela organização do Circuito Vênus, com o slogan "Run like a woman"

No sábado, tive uma série de coisas - que depois conto em outro post. Uma das partes desse sábado foi encontrar minhas amigas da turma da PUC. Nós, que estudamos juntas um tempinho atrás, tentamos nos ver quando bate na telha de alguém que é hora do encontro. A reunião anterior, pelo que entendi, tinha sido em 2007. Nossa!
Falei para elas do meu plano chamado São Silvestre 2012. Todas me apoiaram. O encontro, devo dizer, foi muito legal. Minhas amigas são ótimas e me estimularam muito. Foi praticamente uma terapia em grupo. Mulher é o máximo. Abrimos o coração, damos nossas opiniões (entremeadas de comentários hilários), nos abraçamos, nos apoiamos... Voltei para casa ainda mais animada para a prova. E pensando que deveria dormir cedo para poder chegar bem no Jockey.

Hebe, Anna Lúcia e Cláudia, que me deram muito apoio. Valeu, meninas

A prova começava às 7h30. Acordei às 5h. Tomei banho, comi granola com iogurte, preparei-me. E antes de sair lembrei de engolir o antidepressivo (no dia anterior eu tinha esquecido). Estava pronta!
Saí com a manhã nascendo bonitinha. Havia nuvens encobrindo a serra da Cantareira. Tive até frio porque estava vestida para correr: short e a camiseta da prova. Não quis levar blusa. Eu tinha certeza que ia sair quente do Jockey.

A camiseta da prova também ficou bem legal. Bonita

Cheguei no local sentindo-me uma criança perdida. Desci na rua do Jockey vendo muitas mulheres andando em grupos, rindo, contando histórias muito animadas. Havia gente usando a mesma camiseta que eu. Havia moças com camisetas de assessorias especializadas, formando um time. Havia outras camisetas de corridas passadas. Quando adentrei o Jockey, fiquei espantada com a movimentação. Barracas de equipes (das consultorias de corridas), de instituições e de empresas, como Gatorade, Pão de Açúcar e Cia Athlética. Isso era na entrada.

Não eram ainda sete horas da manhã, mas o pessoal chegava animado e com disposição

Sem saber o que fazer, fui para um cantinho, totalmente tímida, observar o que faziam as outras mulheres. Tinha lido que era preciso colocar a pulseira, o peitoral na camiseta (com os alfinetes que estavam no envelope), e a fita com o chip que registraria nossa performance. Novata, eu tinha mais de estudar as pessoas para não fazer feio.
Depois, fui em direção à pista do Jockey. Lá havia mais espaços produzidos, mas estes eram bem maiores. Os patrocinadores tinham uma bela área para expor seus produtos: a Honda oferecia uma câmera tipo lambe-lambe moderno, a Nike trazia uma verdadeira loja para as pessoas se abastecerem de novidades (eu adorei uma jaqueta para chuva... mmmmmmmmmmmuito bonita e gostosa de tocar; mas não poderei pagar mais de R$ 200 por ela). A Avon fazia a alegria da mulherada, com serviços como manicure, spa e loja. Outros espaços ofereciam massagens, comidas, bebidas...

Curti o lema da Nike na loja montada no Jockey para a corrida

Eu comi uma banana. Foi o que fiz. Namorei sim a jaqueta que citei, mas fiquei por isso mesmo. Depois, guardei minha mochila e me toquei que não tinha um acessório apropriado para levar meu celular. Resolvi tirar o penduricalho onde levo meu tocador de mp3 e coloquei ali o celular. Queria registrar via RunKeeper minha performance na primeira prova da minha vida. Isso porque eu estava com o Nike Plus bem a postos.
Minha cabeça estava absorvendo muita coisa. Todo mundo está sempre no pique. Namorados e maridos e filhos se juntam à plateia. Os consultores, preparadores y "que sé yo" ficam por ali, ajudando, estimulando, cobrando.

Aglomeração de pessoas pelos espaços montados: mulheres, homens, crianças

Fui para a largada com duas mulheres: uma que conheci na sexta (Silvia) e outra que conheci ali mesmo. Tivemos de andar um monte para podermos "entrar" na área fechada por cavaletes. Pergunto qual a estratégia a adotar. Responderam que numa prova curta e cheia de gente assim não daria para ter muita estratégia. Bem, eu tinha me expressado mal. Manifestei minha dúvida de outra forma: "a gente consegue simplesmente sair correndo? Ou vai devagarzinho até se livrar do pelotão?" As duas perceberam que era minha primeira prova. Elas não sabiam. Esclareceram que ali seria meio truncada. Pudera. Seis mil mulheres estavam inscritas. Eu estava tentando pensar... Perderia muito tempo por ter ficado muito no fundão. Teria sido melhor se tivesse me dirigido para a largada uns 20 minutos antes da prova e não faltando um minuto para a prova começar. Mas eu não sabia de nada. Não me cobrei muito.
Largamos! De fato, nem corri. Estava caminhando e ansiando pelo momento em que pudesse correr de verdade. A moça que conheci lá disse-me que eu só conseguiria imprimir meu ritmo lá pelo km 2. Deu-me uma certa aflição. Perderia todo esse tempo lá atrás?
Como elas se deram conta que eu estava na ansiedade pela primeira prova, as duas me "liberaram". "Vai", disseram. E eu as deixei, correndo depois de ter ficado os primeiros metros na caminhada. O "vai" foi realmente libertador. Fui ultrapassando os bolos de pessoas. Estava concentrada e imprimi meu ritmo. Vez
em quando tinha de diminuir para dar um jeito de ultrapassar uns bloqueios humanos.
Quando descemos um túnel, o bloco em que eu me encontrava cruzou com a turma das primeiras corredoras. Foi uma algazarra. Gritos de estímulo. Aplausos. Eu aplaudi! Descia o túnel e ia ultrapassando gente atrás de gente. Não pensem que eu estava correndo para atingir uma marca excepcional. Eu só queria correr e verificar se o período em que a depressão parou minha rotina iria influenciar minha performance.
Confesso que no começo senti minha perna meio dura. Fiquei matutando que não tinha "aquecido" suficientemente meus músculos. Quando vou para o Parque da Luz, faço uma caminhada acelerada, intensa entre a minha casa e o portão principal. Naquele caso, eu não tinha feito qualquer aquecimento.
Depois de um tempo a sensação da perna esquerda estar meio dura passou. Corria com o suor descendo pelo pescoço, o que não era nada agradável. Ao correr no parque levo uma toalha para enxugar o suor de tempos em tempos. Ali não dava para fazer isso.
Em meio à corrida, ouvia as mulheres conversando. Uma chamava a outra: "vamos, vamos". Outra dizia: "mas só foram dois km?". E havia aquelas que estavam andando. Passamos por "pontos" de abastecimento. Ou seja, gente distribuindo água. Não quis pegar de cara. Não faço isso no parque. Bebo quando estou na penúltima ou última volta. Decidi que só pegaria por volta de 4 km. Fiquei um pouco espantada de ver tanta gente jogando o copo para a lateral. Ok, eu entendi. É uma prova e que atleta interrompe sua prova para não lançar lixo na rua? Não quis fazer isso.
No quilômetro 4, peguei um copo de água. Não consegui abrir direito porque estou com uma ligeira dor no pulso esquerdo que me atrapalha um pouco os movimentos da mão. O máximo que deu foi abrir uma nesguinha do papel laminado. Sorvi a água como se fosse um pedaço de cana. Tudo correndo, claro. E, correndo, mantive o copo na mão até que vi uma lixeira na calçada. Não diminui meu ritmo por causa disso. Apenas me dirigi para a lixeira e joguei lá o copo. Não me sentiria bem tendo de jogar algo no chão.
Prossegui. O staff nos incentivava. Faltava pouco. Quando um sujeito da organização gritou que eram os 400 metros finais, exultei. Acelerei e planejei dar aquele sprint que melhoraria minha posição (eu não tenho a menor ideia de que lugar peguei... acho que leva 48 horas para ter todos os números). Sprint? Eu tô pensando que sou que nem o Carl Lewis. Retomei o ritmo porque achei que seria besteira colocar em risco minha prova. E se, nessa acelerada, eu tivesse um problema?
Perto da linha de chegada vi os fotógrafos, via as pessoas gritando, uma mulher ergueu as mãos para o céu, como se tivesse vencido a prova. Outra vinha andando. Eu passei correndo, lembrando daquela atleta na Olimpíada de Los Angeles (1984) que adentrou o estádio se arrastando, com o corpo todo torto.
Claro, foi só uma lembrança. Eu ainda poderia correr mais. Mas foi bom não abusar nesta minha primeira experiência de corrida.

Vídeo que mostra a chegada de Gabrielle Andersen, a suíça que ficou famosa na primeira maratona feminina dos Jogos Olímpicos

O relógio marcava 35 minutos. Queria ter feito em menos tempo. Tudo bem. Peguei um Gatorade e uma banana. Consumi ali mesmo, enquanto me recuperava. Fiz alongamento (lembrei do músculo duro da perna esquerda). Peguei meu celular (que foi comigo, registrando meus movimentos pelo RunKeeper) e fiz algumas fotos.

Logo após a linha de chegada. Mais uma multidão

Eu estava bem feliz com tudo que conquistei. Ao sair aquela área, recebi uma medalha. Era algo bastante simbólico. Minha luta contra a depressão tem seus altos e baixos. Há dias em que me sinto vencendo. Há dias em que me sinto lá embaixo. Acredito que os próximos dias serão mais positivos. Há pouco mais de três meses que comecei o tratamento. Já está na hora de eu iniciar minha jornada para o alto, para o ponto onde me encontrava antes. A medalha me puxa para um andar acima. Vou demorar uns dias para saber minha posição no Circuito Vênus. Sem problemas. O fato é que eu cruzei a linha de chegada. Outras provas virão.


Seis mil medalhas. Medalhas p/ todas as participantes. Todas merecem

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